Segurança Legal

Episódio #359 – Pague para sair


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Neste episódio comentamos sobre os custos ocultos para sair de serviços de nuvem. Você irá descobrir como a falta de portabilidade e a dinâmica de aprisionamento (lock-in) afetam sua liberdade digital.​

Guilherme Goulart e Vinícius Serafim aprofundam a discussão sobre a dependência da nuvem, analisando como o lock-in e os altos switching costs são planejados por gigantes da tecnologia. A partir de uma experiência real com a migração do Google Workspace, o episódio explora a dificuldade da portabilidade de dados e a falta de interoperabilidade entre plataformas. São debatidos os riscos para a segurança da informação e proteção de dados ao ficar preso em um ecossistema digital, as implicações para a concorrência de mercado e o direito do consumidor. A conversa também aborda a nuvem corporativa e a importância de soluções como software livre e padrões abertos para garantir a liberdade de escolha. Se você se interessa por esses temas, não se esqueça de assinar nosso podcast, nos seguir nas redes e deixar sua avaliação.​

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Shownotes

  • Livro – Information Rules: A Strategic Guide to the Network Economy
  • Vídeo de 10 anos do Segurança Legal 
  • Vídeo – Apple, the World’s Best Unnovator
  • Livro – The Filter Bubble: What the Internet Is Hiding from You
  •  Transcrição do Episódio

    (00:01) Sejam todos muito bem-vindos e bem-vindas. Estamos de volta com o Segurança Legal, o seu podcast de segurança da informação e direito da tecnologia. Eu sou o Guilherme Goulart e aqui comigo está o meu amigo Vinícius Serafim. E aí, Vinícius, tudo bem? E aí, Guilherme, tudo bem? Olá aos nossos ouvintes e, dessa vez, de verdade, olá aos internautas que nos acompanham no YouTube, porque a gente teve um problema técnico no último episódio. Já vou avisando, deveria ter o vídeo, ficou bem legal, mas a gente descobriu que deu um problema

    (00:33) aqui na gravação. Eu esbarrei em um botão, literalmente. Eu esbarrei em um botão aqui que estava muito perto da mão com o mouse e eu desativei a gravação no meio da brincadeira. Então, dessa vez não vai acontecer. Assim espero, tirei o botão. Eu acho, Vinícius, que nesses 359 episódios, foi a primeira vez que a gente perdeu um áudio ou algum conteúdo de vídeo. Acho que sim. Perder conteúdo de maneira geral, porque áudio eu acho que a gente nunca perdeu. A gente já teve

    (01:11) que regravar. Eu lembro de pelo menos um episódio, sim, que a gente gravou e não sei o que aconteceu, ficou tudo errado. A gente teve que gravar tudo de novo. Lembro de pelo menos um. Pelo menos um, isso aconteceu. É um bom número. Se a gente for calcular o percentual, vai dar bem baixo. Duas perdas que a gente lembra em 360 episódios, praticamente. Está razoável, uma taxa boa. O Xadrez Verbal perdeu semana passada, eles perderam um pedaço também. Eu estava ouvindo e aconteceu isso com eles também. A bruxa estava solta

    (01:46) na podosfera. Sempre lembrando que para nós é fundamental a participação de todos por meio de perguntas, críticas e sugestões de tema. Para isso, estamos à disposição dos ouvintes pelo Twitter no @segurancalegal, pelo e-mail [email protected],

    (02:05) no YouTube em youtube.segurancalegal.com e no Mastodon @[email protected]. Também temos a nossa campanha de financiamento coletivo no Apoia-se: apoia.se/segurancalegal. Acesse lá, veja as modalidades de apoio e contribua para o funcionamento de um projeto livre, Vinícius, um projeto independente de produção de conteúdo. Também temos a nossa mailing, que está sendo mostrada aí na tela para quem vê pelo YouTube. Essa é uma iniciativa mantida pela Brown Pipe Consultoria, que hospeda no blog uma série de notícias sobre segurança da

    (02:42) informação e proteção de dados. Nós temos essa possibilidade de encaminhar um e-mail semanal para quem quiser acompanhar algumas dessas notícias. Se não quiser o mailing, visite o nosso blog. Se quiser uma forma de estar antenado com as notícias principais, algumas das quais comentamos aqui no podcast, você pode receber semanalmente um mailing. A gente pediu na semana passada e pede agora de novo, e anotamos várias contribuições, ficamos muito felizes e agradecemos aos ouvintes, para

    (03:18) passarem lá na nossa pesquisa “A Voz do Ouvinte”, que criamos recentemente para saber um pouco mais qual é a opinião de vocês sobre o nosso projeto. A ideia é coletar sugestões para que a gente consiga melhorar. Já temos várias sugestões muito legais, Vinícius, que nos abriram os olhos para coisas que podemos melhorar. Eu pessoalmente, e acho que o Vinícius também, estou muito empolgado de ver a participação de vocês. Se puderem, dediquem ali uns cinco

    (03:55) minutinhos, acho que nem isso, para responder tudo. Quem sabe, Vinícius, a gente pode até trazer em algum episódio alguns insights dessa pesquisa, para que os ouvintes saibam o que os outros estão pensando. Acho que cria um senso legal de comunidade. E teve pedidos também sobre os bastidores. A gente já fez alguns episódios assim. Tem o episódio de 10 anos que a gente transmitiu no YouTube, quem quiser pode procurar.

    (04:27) O Guilherme inclusive separou um conteúdo, uma pasta que a gente tem chamada “brigas e afins”, que é quando a gente discute no meio da gravação. Faz tempo que a gente não tem feito isso. Acho que a gente acabou pegando um ritmo de conseguir berrar menos. Mas é bem legal para quem quiser saber mais dos bastidores, esse episódio dos 10 anos

    (05:03) que está lá no YouTube. Ele é bem interessante porque tem temas e histórias emocionantes vinculadas ao Segurança Legal, principalmente com um ouvinte específico nosso que colaborou com o depoimento dele. Fica o convite para assistir. Eu te confesso, Vinícius, fiquei até surpreso com a quantidade de ouvintes que falaram sobre a questão dos bastidores. Eu realmente não tinha essa ideia de que os bastidores seriam importantes.

    (05:41) Achei interessante essa possibilidade. Bom, vamos ao nosso tema principal, Vinícius.

    (05:51) Enquanto você falava, eu estava procurando aqui no YouTube o vídeo dos 10 anos do Segurança Legal para colocar aqui e, sem querer, para quem está vendo no YouTube, vai ver que eu abri uma pasta. Eu tenho o Edge aberto aqui para fazer isso que estamos fazendo. Eu não uso o navegador que normalmente uso para as minhas coisas pessoais para mostrar aqui, mas eu estava procurando o

    (06:11) episódio. Depois a gente coloca o link também. A ideia de hoje é refletir um pouco sobre como nós estamos dependentes da nuvem. Esse problema envolve várias questões econômicas e, já antecipo, nós não somos economistas, Vinícius. Mas existem vários comentários e questões interessantes sobre como a ciência econômica interage com a dependência das pessoas a certos produtos e serviços. Isso vem sendo investigado há bastante tempo, inclusive um dos livros que vamos comentar aqui hoje, e que comentamos com certa frequência, o “Information Rules”

    (06:58) do Shapiro e do Varian, nos chamou bastante a atenção quando o revisitamos. Ele é um livro de 1998 e as questões que ele coloca ali são ainda atuais para investigar essa relação de dependência de maneira geral que ocorre das pessoas com as tecnologias e com o mercado digital, o mercado informacional. Esse é um ponto, mas buscamos especificar aqui o fato dessa dependência em relação a serviços de nuvem. Claro que vamos falar sobre vários temas, inclusive alguma relação com o Banco Central, que pode

    (07:36) promover ou não essa dependência ou essa complexidade. Nós vamos falar sobre lock-in costs e switching costs. Me corrigindo aqui, switching costs e lock-in costs. Mas eu acho que o pontapé inicial, Vinícius, pode se dar com uma experiência pessoal, com a história que deu origem. Você teve a história que deu origem. Na verdade, eu e o Vinícius nos envolvemos aqui, já te passo a palavra, só para introduzir, numa questão do uso dos serviços do Google, da plataforma

    (08:10) do Google que hospeda domínios, que seria o Google Workspace. Produto esse que há bastante tempo foi lançado pelo Google e permitia que você hospedasse o seu domínio lá, fazendo com que você tivesse os serviços do Google funcionando com

    (08:38) um domínio pessoal, @fulanodetal.com.br, funcionando dentro do Google. Isso foi gratuito por muito tempo e depois eles passaram a cobrar, com limite de 10 contas, se não me engano, o que é algo bem interessante. E mais recentemente, talvez nos últimos dois anos, um pouco mais ou um pouco menos, a pandemia afetou nossa percepção de tempo, mas o que aconteceu foi que eles começaram a cobrar. Isso começou a nos motivar a ter algumas reflexões. E aí, Vinícius, entra essa história.

    (09:10) É, sim, que é justo. Está oferecendo um serviço, é justo que se cobre. A questão toda é

    (09:13) como tu entra no esquema. Realmente, há muitos anos, eu criei um domínio pessoal que uso para os meus e-mails, usava com meus alunos nas aulas. Teve um comentário na nossa pesquisa: “Que pena que para ter aula com o Serafim só na Cetrem”, que é uma faculdade local aqui em Três de Maio. Eu digo, olha, por enquanto nem na Cetrem, porque eu dei um tempo nas aulas. Mas eu vou voltar. Quem sabe fazemos um

    (09:47) curso online? Seria interessante bolar um curso online, pegando algumas ideias, talvez uma introdução sobre desenvolvimento seguro. Dá para pensar. Mas, enfim, só para responder a esse nosso ouvinte. Eu tenho esse domínio pessoal há muitos anos, que uso para minhas coisas pessoais e para lidar com os alunos. Eu criava e-mails, às vezes um apelido para uma

    (10:19) turma, para o pessoal poder falar comigo e eu já separar os e-mails para me organizar. Meio pessoal, exato. O que aconteceu foi que passaram a cobrar. Beleza, não tem problema. Até achei bem justo o valor inicial, era uns 20 e poucos reais, mas já com o aviso: “não vai custar 20 e poucos reais por um ano só”. Então, faz um ano que eles passaram a cobrar, mas quando vencer esse um ano que tu vai ter esse descontão, a gente vai para o valor normal, o valor full. E o valor full é R$42 por conta, por usuário. Esse é um valor que, dentro do

    (10:57) que a gente andou vendo de soluções pequenas, do tipo “quero ter meu domínio, quero ter uma conta de e-mail”, é um valor que está mais ou menos regulado pelo mercado. R$42 no Google. Você tem o Google Docs, entra tudo junto, mas aquilo você pode ter de graça. Mas isso acho que é importante destacar, Vinícius, que você tem com o Google Workspace, que na verdade é o Google, mas aplicado ao teu domínio, uma integração que é inegável, que te

    (11:32) traz uma facilidade e vantagens absurdas. Está tudo concentrado naquela conta. Agenda, documento, e-mail, o Meet que fica junto, etc. Tem tudo ali. E se tu usa um telefone Android, tu faz login no teu telefone com a tua conta pessoal, tem as coisas lá, teu backup fica lá. Enfim. Mas tem outros serviços também que ficam mais ou menos nessa faixa. O que eu estava procurando, e até estou com ele, é o ProtonMail. O ProtonMail também é na faixa de uns

    (12:13) R$48, mais ou menos, por mês. Claro, pagando tudo adiantado. E aí o foco é um pouco diferente. Tem VPN de alta velocidade, conexão em tudo que é país, e-mails criptografados, seguros, etc. É uma outra vibe. Não vai ter um pacote Office ou coisa parecida ali, embora tenha um Drive para armazenagem, não para editar coisas, ainda, pelo que eles dizem. Então dá mais ou menos essa faixa, mas o que eu

    (12:54) tentei fazer… a questão nem tanto é o preço, porque o preço mais ou menos se regula. O que eu cheguei a comentar com o Guilherme umas duas semanas atrás foi: “Cara, entre pagar 42 pila para o Google para ter o e-mail por conta, e ter o Google Docs, eu prefiro dar uma olhada de novo no ProtonMail”. Prefiro ter meu e-mail lá e usar o Google free, criar uma conta para mim no Google, que na real eu já tenho, e usar meus documentos por lá. E aí o que eu

    (13:35) resolvi fazer foi mudar. Fazer uma migração. O que aconteceu? Eu fui fazer a migração e a primeira coisa que me dei conta foi que em alguns sites, não em todos, eu não costumo fazer isso, eu resolvi fazer login com o Google. Então, “logar com a conta do Google”. Loguei. Beleza. Então eu tive que catar, dá para encontrar na conta, os 26 sites que eu tinha

    (14:08) lá e ir entrando em cada um e criando um usuário e uma senha. Em todos eles foi tranquilo, exceto em um: o ChatGPT. Se tu cria a conta com usuário e senha e depois te loga com o Google, tu consegue entrar na conta com usuário e senha. Só que eu fiz a bobagem de criar a conta lá quando apareceu o ChatGPT, “vou só fazer um testezinho, só brincar”, eu criei a conta fazendo login com o Google. E o ChatGPT não te permite mudar o método de autenticação. Então eu sou obrigado a continuar usando o login com o Google, não consigo voltar para usuário e senha. Não

    (14:51) tem como. Só se tu tem usuário e senha antes e depois põe o Google, mas como iniciei com Google, não tem como voltar. E isso está inclusive na FAQ deles, na maior cara de pau. A conta fica vinculada. Se eu quiser trocar o e-mail, não pode. O único jeito é criando uma nova conta. Se eu excluir a conta e tentar abrir de novo, não adianta. Tu exclui a conta, mas não vai poder mais criar uma conta com aquele e-mail. E pior, tem que botar o celular também

    (15:23) para fazer uma compra. Tem que usar o celular também e o teu celular, inclusive, fica vinculado àquela conta. Que saco isso, cara. E mesmo que tu apague, não tem o que fazer. O teu e-mail e teu celular estão vinculados àquela conta. Tu até pode desvincular o celular e vincular com outras duas contas, mas bateu as três, acabou. Pode pegar outro número. Puxa vida. Aí, cara, eu tenho créditos lá no ChatGPT, tenho dinheiro

    (15:53) que eu pus lá para usar com a API. Não é muito dinheiro, mas tem. Então a opção seria, se eu quisesse sair do ChatGPT desse jeito, eu teria que criar uma nova conta, abandonar a anterior com aquele crédito lá, e criar uma nova conta com outro e-mail. É o que eu teria que fazer. E manter a conta do Google para poder me logar lá, senão não consigo. Se eu saio do Google, eu perco o ChatGPT ao mesmo tempo, automaticamente. Bom, o que mais que eu

    (16:28) percebi? Me caiu muito a ficha do “poxa, eu controlo isso, mas ainda assim me loguei em muito site usando o Google”. É o SSO, esse esquema de fazer login. Explica rapidinho, Vinícius, que não é todo mundo que está habituado com isso. É quando você vai se logar em qualquer serviço na internet, vários serviços dão a opção de você se cadastrar com seu e-mail e senha, e tem os botões de login federado lá, digamos

    (17:01) assim. Tu faz login com o Google, com o Facebook, com não sei o quê. Sim, não faça isso. Faça um favor para você mesmo: crie um usuário, pegue um software de gerenciamento de senhas. A gente já comentou alguns no passado, mas tem LastPass, 1Password, Bitwarden, tem um monte. Tem o KeePass, que é um software local, o Strongbox, que tem para o iPhone também e é compatível.

    (17:35) Mas crie sempre contas usando e-mail e senha, ou se tiver uma chave de segurança, use uma chave de segurança também. Por quê? Porque daí você não precisa ficar decorando senhas, e a chave fica na tua mão. Por que não usar o SSO do Google para tudo? Porque se por alguma razão tu perder a tua conta do Google, ou quiser trocar de serviço, tu não consegue mais entrar nesses serviços sem antes migrar ou desabilitar um por um aquele login.

    (18:09) Foi o que eu fiz com os 26, com exceção do ChatGPT. Isso foi bem chato de fazer. Falando de pessoa física, Guilherme, não de uma empresa. Eu, com meu domínio, e essa dificuldade de conseguir sair dali. O outro ponto foram os documentos do Google. Por uma razão estranha, porque quando eu falei pro Guilherme sobre tirar os documentos do Google, que também era terrível, ele

    (18:45) achou que eu estava falando que eles não queriam exportar em outros formatos, formatos intercambiáveis que eu pudesse usar num OpenOffice ou na Microsoft. O fato é que sim, ele exporta só nesses formatos. Eu queria tirar os documentos de uma conta do Google, da minha conta dentro do meu domínio do Workspace, e passar para uma conta aberta do Google. Mas tu não pode meramente compartilhar todos aqueles documentos com outra conta. Não rola. Cara, eu fiz de tudo.

    (19:25) Tentei desde o mais simples: colocar tudo numa pasta, compartilhar a pasta com a conta free, ir na conta free e transferir a propriedade de alguma maneira a partir da conta original. Não tem como. Não dá para transferir a propriedade dos documentos para uma conta de fora do domínio. Na outra conta, a conta destino, a conta free, fui tentar clicar lá e copiar os documentos, ele cria links. Tentei usar o Drive, para quem pensar nessa opção, que é o

    (20:03) sync do Drive do Google, que tu sincroniza os documentos na tua máquina local. Eu botei o sync, fiz o sync com as duas contas e movi de uma conta para outra. Não rola, porque quando tu acessa, ele converte o arquivo. Não funciona a cópia. E a minha última tentativa, que é trabalhosa dependendo da quantidade de documentos que tu tens, é abrir documento por documento lá dentro do Google Drive, o que é inviável, e salvar, criar uma cópia. Aí tu cria uma cópia que pertence à nova conta. Só que é um por um. Isso foi chato também, foi muito chato.

    (20:52) É um absurdo não conseguir exportar as coisas no formato do próprio Google para uma outra conta do próprio Google. Parece que a coisa é feita de propósito: “Ah, tu quer tirar daqui? Beleza, mas tu vai tirar isso em PDF, ODT ou DOCX, mas não vai tirar no formato original”. Fora outras integrações que eventualmente um usuário mais avançado nas planilhas, por exemplo, vai ter. Integrações entre planilhas. Se tu tiver uma planilha mais inteligente, que usa fórmulas,

    (21:29) eu tinha umas que fiz há muito tempo para resolver nomes dentro de planilhas, uma coisa específica do Google, não vai funcionar em outro lugar. Claro, perderia isso também. O ruim é esse monte de serviço tudo vinculado numa coisa só. Não consigo tirar só o e-mail daqui. Esse é um ponto. Você falou dos valores ali. Claro que hoje na internet a gente encontra serviços que vendem contas corporativas por R$3 por conta. Mas nós estamos falando de coisas

    (22:06) que não chegam aos pés das funcionalidades que eventualmente estamos procurando em serviços como esse. O Google, e a Microsoft também, mas acho que mais o Google, ele tem essa vantagem e essa desvantagem, são dois lados da mesma moeda: a possibilidade de você, dentro desse ecossistema, colocar praticamente a tua vida ali dentro. Sem se esquecer que quem usa Android ainda precisa de uma conta Google, e você pode utilizar a sua conta do Google Workspace no seu telefone, o que agora estamos vendo que

    (22:42) não parece uma boa ideia. Por quê? Porque você falou sobre as coisas mais evidentes, mas olha a quantidade de serviços que o Google tem. O Google é dono do YouTube. Eu, por exemplo, uso o YouTube, uso várias funcionalidades como listas, canais que eu assino, tenho meu histórico de coisas que já vi, de coisas que vou armazenando para ver depois. Eu sou um usuário do YouTube que utiliza bem essas funcionalidades. Eu uso muito o Google Maps, mas isso tu não

    (23:17) perderia. Eu tive que fazer isso. O que eu tive que criar? Eu tive que criar uma conta de marca. Para essa conta de marca, eu transferi o meu canal do YouTube. Não falo do canal, mas das coisas que eu assino. Mas está estranhamente vinculado ao canal. Transfere o canal e junto vai todo o teu histórico, todas as tuas inscrições. Inclusive a assinatura está vinculada ao canal. Então eu fiz esse esquema. Cancelei a assinatura que eu tinha no outro para tirar as propagandas,

    (23:58) principalmente quando as crianças sentam comigo para assistir alguma coisa. Cancelei minha assinatura na outra conta, criei esse canal de marca, transferi meu canal para esse “brand channel” que tem lá. Adicionei a nova conta free, a minha conta free que eu tinha, como um novo administrador do canal do YouTube. E agora, depois de sete dias, eu pude transferir a propriedade do canal para a nova conta. Isso eu consegui salvar. Mas tu percebe que, claro

    (24:37) que os detalhes são importantes para quem eventualmente quiser fazer isso, e se alguém tiver alguma dúvida sobre o processo, pode nos mandar uma mensagem. Mas acho que a coisa é mais conceitual. O problema que se quer abordar é conceitual, porque você fica dentro de um ecossistema que é muito interessante. Quando a gente fala do Android, por exemplo, eu dizia também do Google Maps, que tem uma série de

    (25:02) funcionalidades, você vai criando listas de lugares que você foi, de lugares que você quer ir. Tem algumas listas lá, por exemplo, “lugares a evitar em Porto Alegre”, “restaurantes que eu quero visitar”. Ou seja, é um negócio legal, aperto ali e vou direto para o lugar quando entro no carro. Você cria um ecossistema que cria uma dependência da nuvem. Aqui estamos falando de serviços de nuvem mais especializados, por isso que não vai se aplicar a um provedor que te oferece uma conta de

    (25:29) e-mail por R$3 por mês, mas só tem a conta de e-mail. Estamos falando de serviços mais combinados. É uma coisa que o Shapiro lá nem previu, mas muitas das descrições que ele faz do fenômeno, estão presentes até hoje, mesmo que ele tenha falado isso em 1998, quando basicamente não existia nuvem, ou se existia, era uma coisa muito… nos termos de hoje, definitivamente não.

    (26:04) Estava na web 1.0, como gostam de falar. A partir daí a gente começa a analisar esse fenômeno do lock-in effect, que está diretamente relacionado com o switching cost, ou seja, o efeito de você ficar trancado em uma plataforma. Aqui estamos falando de nuvem, mas isso se aplica a várias outras coisas. O switching cost é o custo que você tem para sair daquela relação, vamos falar de uma relação contratual, inclusive, que vai se aplicar a outras coisas

    (26:47) também. Traduzindo, aquele livro do Eli Pariser, “The Filter Bubble”, que traduziram para o português como “O Filtro Invisível”, que é uma péssima tradução, mas tudo bem. Ele comenta a tradução que se fez, achei interessante, “a dinâmica do aprisionamento” para lock-in. O que ele diz? Ele diz que essa dinâmica já era prevista na lei do Bob Metcalfe, que diz

    (27:27) que a utilidade de uma rede, e isso tem a ver com o efeito de rede de certas plataformas, ou seja, isso acontece muito com as redes sociais. O valor das tuas conexões numa rede social está diretamente ligado à utilidade e ao efeito de rede que aquela rede social tem. O que significa dizer que, se você está numa rede social que só tem eu e o Vinícius, não tem o mesmo valor

    (28:05) do que quando eu tenho todos os meus amigos presentes naquela rede. O que acontece com essas ferramentas é que, por muitas pessoas usarem o Gmail, que ainda, entre aspas, é gratuito, claro que tem o efeito da venda de publicidade, mas é um dos melhores serviços. O fato de ele ser gratuito está diretamente relacionado ao fato de que hoje não existe portabilidade de e-mail. O Shapiro fala muito sobre isso quando ele traz os exemplos dos anos 90, em que ainda não

    (28:43) existia como existe hoje a portabilidade numérica de telefones celulares. Quando não existia portabilidade numérica, você tinha um lock-in effect de não sair da sua operadora, porque mudar de número te traz um switching cost absurdo. Você vai ter que mudar seu telefone em todos os lugares, avisar todos os seus amigos. É horrível. Vem a portabilidade numérica, hoje algo já estabelecido, e você praticamente quebra o switching cost. Ou seja, a portabilidade é uma forma de lutar contra o lock-in effect e o switching cost.

    (29:15) Só que há portabilidades e portabilidades. Você teve essa experiência, e eu comecei a ver um pouco disso também, de uma portabilidade meio de mentirinha. Você

    (29:48) exporta, mas não exporta direito. Você exporta os documentos, mas eles saem todos desformatados. Você exporta, mas perde funcionalidades. Todas essas coisas são pensadas. Essa dinâmica do aprisionamento, o que o Metcalfe dizia é que a utilidade de uma rede aumenta cada vez mais rápido sempre que acrescentamos uma nova pessoa. Se todos os seus amigos usam o Google, é muito fácil compartilhar e editar documentos com eles. E a interoperabilidade, ou a falta dela, está diretamente ligada ao aumento do

    (30:24) switching cost também. Ora, por que o Google não conversa com a Microsoft na sua nuvem de documentos? Por que não conseguimos mudar de aplicação e manter o documento intacto? Tecnicamente, é a coisa mais simples do mundo, é interoperabilidade. Seria a base. Só que, do ponto de vista econômico, eles não querem fazer isso.

    (30:52) [Pausa na gravação]

    (32:40) De volta. Posso continuar. Então, dizia ainda o Metcalfe: “um aparelho de fax não tem muita utilidade se não conhecemos nenhuma outra pessoa que o possua”. Lembrando, isso foi escrito pelo Eli Pariser no “Filtro Invisível”, não pelo Shapiro, me equivoquei nas referências. “Mas se todos os nossos colegas de trabalho tiverem um fax, quem não fizer parte do grupo estará em grande desvantagem. O aprisionamento é o lado obscuro da lei de Metcalfe. O Facebook é útil em grande medida porque todos participam dele.

    (33:22) Seus gerenciadores teriam de ser muito incompetentes para não se aproveitar desse fato básico. Quanto mais aprisionados estiverem os usuários, mais fácil será convencê-los a se conectar às suas contas”. Pois bem, então nós temos algo que já é pensado pela indústria.

    (33:53) Eles sabem que quanto mais as pessoas utilizarem seus serviços, mais aumentam os switching costs. Quanto mais pessoas usarem seu ecossistema, mais valor essa rede passa a ter e mais difícil fica para as pessoas saírem dela. Bom, aí vem o Shapiro, Vinícius, e vai me interrompendo se eu seguir falando.

    (34:17) Vai falando que depois eu quero encaixar aí o Banco Central nessa história. Beleza. O Shapiro, em 98, já falava sobre isso e ele traz alguns exemplos

    (34:35) muito interessantes de switching costs de maneira geral. Ter todas as músicas que você gosta em LPs e depois ter que mudar para CD. Essa foi uma coisa que talvez alguns dos nossos ouvintes não tenham vivido, e com o streaming perdeu completamente a importância. Mas isso é um switching cost. Qual o custo de passar de centenas de LPs para CDs? Hoje até temos outros efeitos, tenho amigos que ainda ouvem LPs e mantiveram toda a sua discoteca.

    (35:16) Ou ainda aqueles mais evidentes que vemos até hoje: trocar de Mac para PC ou vice-versa. Você tem um ecossistema ali de compatibilidade ou incompatibilidade de documentos, softwares que você vai ter em um e não no outro. A mesma coisa vale para telefones celulares, que em 98 não eram smartphones. O switching cost da operadora que eu comentei aqui foi resolvido ou muito abrandado pela portabilidade. Só que o que as empresas ainda têm a seu favor? Contratos

    (35:54) de longa duração. Se antes tinha um switching cost alto pela impossibilidade da portabilidade, com a portabilidade você dá um incentivo para que ela crie contratos de longa duração, porque você tem o preço menor, mas fica ligado àquele contrato por muito tempo. Principalmente se tu casa junto com isso a venda de um equipamento, um celular por um valor mais baixo, vinculado a manter o contrato por pelo menos um ano. Ou quando o meu provedor aqui com frequência faz isso, eles dão upgrade na

    (36:31) velocidade. “Agora seu plano vai passar de 300 para 400 MB, pelo mesmo preço”. Eles vão aumentando aos poucos, acabando com os planos mais baixos, e aí tu quer fazer o upgrade sem custo. Tu faz o upgrade mediante a renovação por mais um ano. É uma troca que tu faz. “Beleza, quero uma velocidade maior, mas estou me comprometendo a mais um ano com vocês”. Mas é melhor do que, no caso do telefone, não poder sair com o meu número.

    (37:08) Os exemplos que o Shapiro dá de fontes de switching costs, um deles são os contratos de longa duração. Você tem um switching cost aí porque, se sair do contrato, vai pagar uma multa antes do tempo. De repente isso é bom para ti, mas existe um custo ali. Em muitos mercados isso existe. Pensa na própria questão das máquinas de café. Por que alguns produtos são relativamente baratos ou de graça às vezes? Ou a própria impressora?

    (37:49) Impressoras baratas. Por quê? Porque cada vez mais as impressoras criam aqueles cartuchos que só cabem o que for fabricado por ela. Nos cafés, você até tem cápsulas genéricas, mas de qualquer forma, você compra uma maquininha dessas e vai ter que comprar café só daquela marca. Tu acaba cobrando pelo insumo. Mas percebe que você cria artificialmente um lock-in ali, porque não pode comprar qualquer café. Aliás, essas cápsulas de café talvez

    (38:25) sejam uma das coisas mais caras do mundo. Você paga R$20 por menos de 80g de café. É engraçado, a gente não pensa muito sobre esse custo. Pois bem, aí a gente entra numa outra coisa que aconteceu embaixo dos nossos narizes e a gente talvez não tenha se dado conta de como isso é planejado. Parece que tira um véu. Grande parte desses produtos, e isso está acontecendo agora com o Google Workspace, essas empresas, sabendo disso, começam a te dar muitos incentivos para que você entre naquele

    (39:07) ecossistema. O Google deixou o Workspace deles gratuito por uns 10 anos, mais ou menos. Pensa no grau de dependência que você pode ter ao usar uma conta sua do Workspace para manter todos os seus e-mails, que se liga com o Google Docs, você encher aquilo de documentos, escrever com outras pessoas, ter sua agenda conectada com o e-mail, ter tarefas que você dispara a partir de um

    (39:44) e-mail, a conta do YouTube e todos aqueles outros serviços. Se alguém tiver dúvida, entre no Google e veja a lista, que é enorme. Tem coisas que a gente nem usa, mas estão lá disponíveis. Se você dá um incentivo gratuito para que essa pessoa se “vicie”, e vou usar “viciar” aqui entre aspas, ele sabe que vai chegar um momento que o teu switching cost vai ser muito alto, talvez até impossível de sair da plataforma para certas pessoas. E aí ele começa a cobrar. Esse efeito é

    (40:19) puramente econômico. Acontece também com descontos para alunos. “Vou te dar desconto porque você está entrando na faculdade. Vou te dar uma conta da Microsoft gratuitamente”. O cara vai ter lá 4 ou 5 anos de faculdade, vai ficar totalmente dependente daquele produto e, depois que ele se formar, tu começa a cobrar dele. É um investimento que a empresa faz. É o investimento que ela faz para

    (40:51) te “viciar”, e isso é tudo calculado. Ela sabe que vai ter que gastar para que depois, em algum momento, comece a cobrar. Isso está acontecendo até com o Twitter hoje. O Twitter começou a cobrar, e cada vez mais essas empresas vão fazer isso.

    (41:10) O produto da Microsoft para faculdades não é nem de graça, é parcialmente subsidiado. Tem um custo mais baixo. Tem um pacote para

    (41:21) faculdades, universidades. Elas acabam tendo um custo bem baixo para ter essas licenças e distribuir entre os alunos. Mas cria essa situação que tu estás colocando. O aluno acaba utilizando aquilo por 4 ou 5 anos, se acostuma, faz tudo ali dentro, tem os documentos dele, e-mail, tudo. Daqui a pouco, claro que sendo uma conta da faculdade, muitas vezes ele não pode mais usar o e-mail se não tiver mais vínculo, mas ele fica relativamente

    (41:55) preso ali. E te digo que seria até mais fácil ele tirar os documentos dele de lá e sair usando em outro lugar do que no Google. Porque no Google tu não tem outra opção para executar. Tu não tem como pegar um plano família da Microsoft, que às vezes está por R$200 por ano para seis pessoas, e tirar o documento do Google e abrir em outra conta, como eu estava colocando antes. Na Microsoft, tu ainda conseguiria

    (42:30) fazer isso. Mas sim, tem toda uma situação ali. E a gente tem outra situação, que eu queria colocar, que não diz respeito só a pessoas físicas ficando presas, mas as próprias empresas. Por que eu falei do Banco Central? Não é que o Banco Central esteja fazendo lock-in, pelo contrário. O Banco Central está querendo que as empresas reguladas por ele fujam do lock-in. É a resolução 4.658… agora não lembro.

    (43:05) 4.893. Essa resolução do Banco Central, uma das coisas que ela demanda é que as instituições financeiras de um determinado padrão tenham duplicidade de recursos em nuvem, para não ficarem sujeitas a qualquer tipo de problema que

    (43:43) inviabilize a estrutura que elas têm hoje na nuvem. Vamos botar nomes: GCP (nuvem do Google), AWS (da Amazon) e Azure (da Microsoft). Você pode utilizar todas elas, só que todas, sem exceção, têm serviços que só existem em cada uma delas. Serviços

    (44:23) ou microsserviços específicos. A Microsoft, por exemplo, tem o AD direto no Azure. “Ah, mas eu posso subir uma máquina Windows na AWS e botar o AD?”. Pode, mas vai ver os custos para fazer isso. Então, você tem desde serviços que não encontra um equivalente perfeitamente compatível para usar ao mesmo tempo, até microsserviços que são completamente diferentes nas plataformas. Se você desenvolve um software, toda uma estrutura utilizando uma ou outra

    (45:01) nuvem, você não consegue simplesmente botar o software para rodar na outra se utilizou os microsserviços específicos daquela nuvem. A coisa chega num ponto que, de fato, se tu quiser ter essa flexibilidade, que é a dificuldade que vemos o pessoal encontrando no mercado, tu vai ter que trabalhar em dobro, criar camadas para tu mesmo desenvolver e tornar

    (45:38) transparente a estrutura da nuvem. “Ah, mas então eu posso usar Docker?”. Sim, usa Docker, faz hospedagem de contêineres na nuvem, mas não faz uso dos recursos específicos dela. E aí você vai perder muita funcionalidade. Acaba ficando preso. O que acontece se, de repente, a nuvem resolve decidir que o teu uso é inadequado e a tua conta é suspensa ou até mesmo

    (46:17) encerrada? Já ouvi falar de situações em que simplesmente se encerrou. “Fez mau uso, violou nossos termos, acabou a conta”. Como assim, acabou a conta? Claro que isso deve ser cada vez mais raro, mas o fato é que tu não pode confiar em uma só, e ao mesmo tempo é muito caro conseguir fazer essa mudança para outra nuvem. Se antes tu ficava preso no sistema operacional,

    (46:54) agora tu fica também preso numa nuvem específica, e fazer essa migração é… boa sorte. O que mostra que os efeitos ocorrem tanto no mundo pessoal quanto no corporativo. Os exemplos que o Shapiro dá vão até, sei lá, lock-in na indústria de armas. É um efeito econômico, uma falha de mercado, daria para se dizer.

    (47:39) Se tiver algum economista nos ouvindo, pode nos xingar depois lá na nossa pesquisa do ouvinte. Esqueci de dizer, mas ela é anônima, então se você quiser nos xingar, entre lá, a gente não tem acesso a nada. É um formulário do Google, você responde anonimamente.

    (48:02) E essas causas do switching cost, a gente comentou algumas. O Vinícius colocou outras em relação à nuvem corporativa.

    (48:18) Primeiro, a fidelidade contratual. Você pode ficar preso em uma relação jurídica por meio de uma cláusula que te obriga a ficar um tempo lá. Aí é mais fácil ver qual é o teu switching cost. Se eu tenho um serviço com cláusula de fidelidade, meu custo vai ser pagar a multa. Agora, se for uma nuvem, eu tenho outros custos. O switching cost não é somente

    (48:50) uma questão de preço. Estamos falando de custos de uma maneira muito mais ampla. Eu posso até ter um serviço mais barato que o do Google, mas o meu custo manual e de tempo para migrar tudo pode ser impossível de arcar. Imagina, eu dou aula, trabalho na Brown Pipe, tenho minha casa… talvez eu não consiga tempo hábil para fazer toda essa migração. Assim como você, com casa, família e tudo mais. Esses custos também se incluem. E tem alguns switching costs que são meio descarados, eu diria,

    (49:30) quando se trata de compra de licenças de software em grande quantidade. O que acontece? Tu tem as empresas que fornecem o software, as donas, como a Microsoft, e tem os representantes, as empresas que vendem esses softwares. É uma coisa muito interessante. Uma coisa é quando você vai negociar um produto qualquer e ele sairia, vamos supor, por 5.000

    (50:03) e tu consegue por 4.500, consegue até por 3.000. Agora, quando o mesmo produto tu pode comprar por 5.000 ou por 1.000, o mesmíssimo produto, só por não trocar o vendedor… aí varia. Às vezes, se tu não troca o vendedor, tu consegue de 5.000

    (50:36) pagar só 1.000 pelas licenças. E às vezes é o contrário. O vendedor que tu estás não tem condições de te dar mais desconto, mas se tu encerrar a contratação com ele e contratar com outra empresa, ela te vende por 1.000. E depois, as mesmas licenças, dois anos depois, acontece a mesma coisa, só que trocando o fornecedor. É muito engraçado. Eu comentava sobre isso com um conhecido meu ontem. Não raro, te tratam como se estivessem fazendo um favor

    (51:14) em te vender as licenças. Quem já teve que negociar licença sabe do que estou falando. Parece que estão te fazendo um favor. No final das contas, essa tua vontade de “não estou gostando desse fornecedor, quero trocar”, mas se eu trocar, vou pagar 5.000, não 1.000. Então eu não vou trocar. Seria o mesmo produto, mas existe uma política da empresa que, milagrosamente, faz com que R$4.000 não sejam mais tão importantes para fazer o

    (51:49) contrato renovar. Isso assusta. Eu já vi na nossa vivência no mercado negociações que, se alguém fizesse isso comigo pessoalmente, claro que fico feliz pelo desconto, mas tu vai ficar desconfiado do cara para o resto da vida. Uma empresa comprando um monte de servidor da empresa X. “Vai custar 1 milhão”. “Não quero”. “A gente faz por 500 mil”. “Não, não tenho como gastar isso”. “250 mil, mais não sei o quê”.

    (52:26) E aquele 1 milhão lá do começo? Chega a ser… beira a desonestidade, no meu ponto de vista. Vocês podem achar que estou errado. São negociações que, às vezes, artificialmente, te prendem numa determinada linha de produtos, seja hardware ou software. Aqui estamos comentando mais sobre serviços. Isso cria um custo bastante artificial, diria.

    (53:12) E o Shapiro fala sobre isso. A compra de equipamentos duráveis, e às vezes caros, faz com que você tenha que comprar peças ou insumos somente daquele fabricante. É o exemplo das impressoras e das maquininhas de café. Agora, pensa na Apple. A Apple tinha um sério problema nesse sentido, que é o lock-in cost. Você compra o iPhone… as pessoas que conheço reclamavam tanto do iPhone, agora não sei se era do iPhone ou do MacBook, que os carregadores eram caríssimos. Era um negócio absurdo o valor de um carregador.

    (53:58) Não, o carregador do iPhone é barato, o que é caro é o cabo. E o cabo é uma porcaria. Tu compra o cabo e aquele conector Lightning, que a União Europeia obrigou a Apple a substituir finalmente por um USB-C, aquele cabo vive oxidando, dando problema. Vive trocando. Os caras não sabem fabricar cabo de carregamento.

    (54:23) Pelo que eu vi, carregador de Mac era algo caro. Eu já comprei para MacBook, não é nada demais. Claro, tem o original, que é um pouco mais caro, mas nada fora da casinha. O ruim mesmo, Guilherme… tem aqui: um cabo Apple USB-C para MagSafe 2m, R$600. Mas eu te digo que eu tenho ainda um iMac de 27 polegadas funcionando, de uns 10 anos de idade, uma baita máquina, um monitor fantástico. E eu tinha o MacBook também,

    (55:04) bem antigo. Não acabei comprando outro porque fiz o upgrade nele. É isso que eu queria comentar. Claro que tem a questão dos softwares, de mudança de plataforma, aplicativos que não tem para Android, só no iOS. Mas o que me chama mais atenção… tem até uns videozinhos, “Courageous Innovation” se não me engano,

    (55:36) que comentam as “desinovações” que a Apple fez. E uma das coisas que eles atacaram, propositalmente ou não, foi o direito de reparo. Tu poder fazer upgrade, reparar facilmente as coisas. Uma das coisas que eu percebo, por exemplo, meu iMac e o MacBook que eu tinha, eram muito fáceis de fazer upgrade. Muito fácil mesmo. Antes.

    (56:10) Hoje não. Hoje é tudo soldado na placa. Memória RAM, até mesmo armazenamento, é um chip soldado. E não é com qualquer tecnologia de soldagem. É um chip com terminais embaixo, soldado por baixo. Tem que ser um cara com certo equipamento e habilidade para fazer isso.

    (56:47) Não é qualquer lugar que vai encontrar para substituir. Em vez de ser um M.2 que tu só encaixa e tira, feito para isso. Então tu tens ali também um esquema para te impedir de reparar ou melhorar teu equipamento. É o que… porque aí você tem um aspecto governamental, sobretudo quando tem consumidor final, que é uma coisa que ainda não está sendo muito bem vista pela regulação de concorrência. Isso, em última

    (57:25) análise, afeta a concorrência. Você não consegue sair daquele serviço ou daquele sistema. A questão do USB-C que você colocou melhorou um pouco o problema, porque tirou esses lock-in costs de só poder comprar equipamentos da própria Apple. O próprio Estado consegue, por meio de certas práticas, como fez com o USB-C e como está ocorrendo na União Europeia com o direito ao reparo, lidar um pouco com isso.

    (58:02) Essa jogada da indústria de notebooks foi muito macabra, porque é plenamente possível construir uma máquina hoje que você consiga trocar, pelo menos, memória e armazenamento. Outra coisa: treinamentos específicos para certas marcas, que lida com a questão da nuvem. Você tem uma equipe de TI treinada para lidar com a nuvem X. Vai migrar para a nuvem Y? O problema do treinamento é um switching cost também.

    (58:38) Incompatibilidades artificialmente criadas. Hoje, a compatibilidade entre sistemas é algo relativamente simples de ser feito em muitos casos. A questão é que as empresas não querem fazer isso, justamente para artificialmente criar esse switching cost, fechando sua plataforma para a interoperabilidade. Basicamente, Vinícius, para ir finalizando, as empresas sabem disso. Em geral, isso é feito por empresas

    (59:15) que têm um monopólio ou um oligopólio, como o Google. É planejado deixar grátis, oferecer serviços para alunos, para criar esse efeito de dependência para que depois eles não consigam sair. Faculdades, inclusive, que dão e-mails gratuitos da Microsoft. O aluno só consegue logar no sistema corporativo com o e-mail da Microsoft que ela deu. Você tem um problema concorrencial e até de proteção do consumidor.

    (59:51) E o fato, no final das contas, é que pessoas e organizações subestimam os switching costs do uso de serviços gratuitos, sobretudo aqui falando de serviços de nuvem. Acho que essa é a grande mensagem, tanto para os gestores quanto para as pessoas. Temos que conseguir prever que mesmo serviços gratuitos vão criar uma certa dependência e que pode ser muito difícil sair deles, sobretudo quando se colocam

    (1:00:27) incompatibilidades artificiais. A própria ENISA aponta em um dos seus documentos que o lock-in é um risco de segurança da informação, um risco organizacional de probabilidade alta de ocorrer e de impacto médio. Veja, é um problema de segurança, de concorrência, de direito do consumidor, de proteção de dados. Você quer migrar para um serviço privacy friendly?

    (1:01:07) Você vai conseguir, mas vai ter que abrir mão de muita coisa, deixar para trás um certo passado porque não há uma portabilidade eficiente e regulada de dados pessoais. É um problema de tratamento de dados pessoais. Claro, a gente tem aquela coisa da privacidade versus conveniência, que já falamos aqui várias vezes. Mas ainda fica essa ideia, as pessoas não pensam que o login SSO,

    (1:01:44) o login do Google, te faz perder o acesso a essas contas para sempre se você fechar sua conta. Eu acho que basicamente seria isso. Algumas saídas são essa conscientização, software livre, plataformas abertas, interoperabilidade, portabilidade eficiente e controle concorrencial. Os governos precisam se dar conta de que temos um problema de concorrência que está prejudicando o direito do consumidor. Claro, as plataformas são maravilhosas, não estamos discutindo isso, é óbvio que são úteis, por isso que a gente

    (1:02:27) as usa. Mas precisamos caminhar para um aspecto concorrencial que permita meios de portabilidade e migração eficientes e facilitados, sobretudo para a pessoa comum. As empresas estão mais preparadas, e todo mundo precisa saber os custos disso.

    (1:02:48) E uma coisa interessante para quem já fez a cadeira de Redes na graduação: deve lembrar da pilha de protocolos TCP/IP e do modelo OSI, da ISO.

    (1:03:09) O Open Systems Interconnection. Ele traz as camadas iniciais que meio que coincidem com as do TCP/IP: físico, enlace, rede, transporte e aplicação. A ideia para que se criou esse modelo foi justamente para termos interoperabilidade de comunicação, porque cada empresa tinha sua rede,

    (1:03:50) seu padrão físico, seu protocolo, seu cabeamento. Você tinha que escolher qual a rede achava melhor. Não sei se alguém lembra, mas existia a rede Novell, Token Ring… A Novell tinha um protocolo próprio. Mas viram que teriam que

    (1:04:31) interconectar, precisavam de um protocolo comum. E aí se implementou o TCP, que se tornou o protocolo de fato para essa interconexão. Hoje tudo é TCP/IP. Mas o modelo OSI prevê

    (1:05:05) interoperabilidade para as camadas de cima também: apresentação e aplicação. Se aquilo fosse seguido à risca, deveríamos ter um padrão de documento de texto, por exemplo, que deveria funcionar exatamente igual em qualquer lugar.

    (1:05:52) Assim como o TCP/IP funciona no Linux, no Windows, no Mac. As máquinas se comunicam porque todo mundo concordou com aquele padrão. Se tivéssemos a mesma coisa na camada de apresentação, seria equivalente a termos o HTML hoje. Os navegadores mudam (Edge, Chrome, Firefox, Safari), mas você deve ver a página HTML sempre do mesmo jeito. O HTML cuida da apresentação, é um padrão aberto.

    (1:07:06) Imagina a mesma coisa se tivéssemos para editor de texto, planilha ou apresentações. Se tivéssemos a mesma preocupação, teríamos uma forma de representar isso que seria perfeitamente compatível, não essa compatibilidade mentirosa que temos hoje, em que abrimos um documento e ele desformata tudo.

    (1:07:43) “Ah, mas dá para usar LaTeX”. Se você tem tempo para aprender e usar LaTeX, siga em frente. Mas como você vai querer que todos os usuários utilizem LaTeX? E não, não tem a ver com borracha. O que acontece é que, propositalmente, não temos um padrão aberto para essas coisas que todo mundo respeite, porque daí tu mata o lock-in.

    (1:08:16) Exato, você mata o lock-in. “Quer dizer que eu posso pegar meu documento da nuvem da Microsoft, largar no Google e não perder nada de formatação? Minha planilha cheia de fórmulas, que é quase um sistema, posso passar para o documento da Apple e não vou perder nada?”. Não é isso que a gente tem. Tu perde tudo, no sentido das fórmulas mais complexas.

    (1:09:07) Só uma observação: não é proibida a concorrência. Se tentamos dizer isso, não foi a intenção. Você tem diferenciais competitivos que são plenamente possíveis, isso é bom para o mercado evoluir. Mas precisa compatibilizar essa possibilidade de manter a concorrência sem acabar com outras possibilidades, e um dos meios é a interoperabilidade. Já existe previsão para isso. Só que se os governos não quiserem… é um modelo, não que exista o formato.

    (1:10:04) Ainda bem que o tema de hoje não é café. Ou, apesar de não ser, eu vou tomar um café frio, porque já são 12:25. Vamos lá. Eu vou apanhar em casa com certeza, minha esposa vai me servir um café frio agora depois do almoço. Ela não vai me perdoar por essa. Mas foi por uma boa causa, acabamos estendendo. É isso aí, cara. Acho que vale a pena. Você que chegou até aqui, ouviu a gente ou nos assistiu,

    (1:10:38) é bom avaliar bem. Não é que não se deva usar os produtos, mas usar consciente desses custos envolvidos para eventualmente sair deles, e dos eventuais prejuízos de perder coisas que talvez você depois não possa recuperar, como minha conta no ChatGPT, que não posso desassociar da minha conta no Google com meu domínio personalizado. Ótimo, né? Parabéns, obrigado ChatGPT. Café frio para o ChatGPT, embora hoje não seja sobre café.

    (1:11:08) Esqueceram de usar a inteligência artificial para definir os critérios de criação de conta. A IA daria um bom indicativo para a organização de como esse serviço funciona. Mas enfim, outro episódio. Agradecemos a todos aqueles e aquelas que nos acompanharam até aqui. Nos veremos no próximo episódio do podcast Segurança Legal. Até a próxima! Até a próxima, valeu! Obrigado a quem está nos acompanhando no YouTube, mas agora tem almoço, então não tem conversa depois. Me manda o link depois. Mando sim.

    (1:11:40) Valeu, abração! Valeu, abraço, tchau, tchau!

     

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