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Guiné-Bissau: “Pacto histórico” une sociedade civil para exigir regresso à legalidade constitucional


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Várias organizações subscreveram o que chamam de “pacto histórico” da sociedade civil para exigir o regresso à legalidade constitucional na Guiné-Bissau. O pacto foi anunciado na terça-feira, o dia em que a Comissão Nacional de Eleições disse não ter condições para divulgar os resultados das eleições gerais de 23 de Novembro, alegando que as actas eleitorais foram confiscadas por homens armados. O pacto inclui organizações não governamentais, religiosas, sindicatos, partidos políticos,  representantes da juventude, dos chefes tradicionais e da diáspora. Sabino Gomes Júnior, presidente do Fórum dos Quadros das coligações API-Cabas Garandi e PAI-Terra Ranka, é um dos signatários e explicou à RFI em que consiste este pacto da sociedade civil.

RFI: Quem são os signatários deste pacto e porque dizem que é histórico?

Sabino Gomes Júnior: “O pacto é histórico porque é a primeira vez na Guiné-Bissau que estamos a ver todas as ‘mouvances’ de forma extrapolada no país a se unirem. Estamos a falar de estudantes, políticos, Liga dos Direitos Humanos, associações académicas, sindicatos, associações de mulheres, associações religiosas, todo o mundo junto para falar de uma só voz, para exigir de uma só voz que a vontade popular deve ser respeitada, que a Guiné-Bissau quer a democracia, o povo quer a democracia, quer saber o resultado dos votos, quer que as pessoas presas injustamente sejam libertadas, querem que as pessoas que estão a ocupar o poder neste momento entreguem o poder aos civis, mas também que mandem parar as milícias de maltratar as pessoas pura e simplesmente. É histórico, é todo o mundo, não é só uma pessoa ou outra. A Ordem dos Advogados também vai assinar o pacto porque é um pacto em movimento, não é um pacto em que as organizações que já assinaram vão ser as únicas que vão assinar o pacto.”

Como é que pretendem alcançar esses objetivos perante a força dos militares e perante a inversão da ordem constitucional à força?

“A primeira etapa é a união nacional, é unir todas as ‘mouvances’. Isto é o que o pacto social está a representar. A sociedade civil quer unir todas as ‘mouvances’ do país. Depois, é sentar e traçar um plano, um plano que vai ser traçado rapidamente para que as próximas etapas, as próximas decisões, sejam tomadas e sejam implementadas em conjunto, que passa forçosamente depois por desencadear actividades e acções que vão ser levadas a cabo, mas de forma conjunta.”

No comunicado, vocês dizem querer fazer pressão, nomeadamente junto de organizações como a CEDEAO, mas, por exemplo, a delegação da CEDEAO que esteve em Bissau não se reuniu com nenhuma figura da sociedade civil em Bissau, nem com Fernando Dias, obrigado a estar escondido e que reivindica a vitória nas presidenciais, nem com Domingos Simões Pereira, que continua detido. Além disso, a a delegação foi a Bissau sem os presidentes de Cabo Verde, Senegal, Togo e Serra Leoa. O que é que pode a CEDEAO?

“Na verdade, eu penso que o pacto social quer deixar claro que o destino da Guiné-Bissau não depende apenas da CEDEAO. É a sociedade civil, é o povo da Guiné-Bissau a tomar o seu destino em mãos. Agora, claramente que se vai exigir também que as organizações que representam o povo da África Ocidental tomem também as suas responsabilidades e que realmente façam o que devem fazer que é repor a legalidade na Guiné-Bissau, repor a vontade do povo porque o povo já escolheu. Se está nas disposições da CEDEAO tomar medidas para que essas vontades exprimidas claramente nas urnas do povo sejam respeitadas nós vamos exigir que a CEDEAO faça a sua parte, mas o povo guineense não vai ficar só a espera da CEDEAO.”

No comunicado, exigem a publicação e o respeito dos resultados oficiais das eleições gerais de 23 de Novembro. Que meios é que a sociedade civil tem para restabelecer a ordem constitucional e exigir os resultados eleitorais quando a CNE diz não ter as actas?

“Claramente não vamos ainda, nesta fase, revelar quais são as medidas claras que o pacto social vai tomar porque serão medidas que serão comunicadas de forma colectiva.”

O que esperam da CNE, se a CNE disse que não tem as actas?

“Isso ficou claro. O povo da Guiné-Bissau sabe claramente qual foi a sua escolha. O povo da Guiné-Bissau não se está a organizar, a sociedade civil não se está a organizar apenas para começar a emitir comunicados. É para depois implementar acções que vão defender a vontade do povo. O povo da Guiné-Bissau sabe qual foi claramente a sua escolha, a CEDEAO também sabe claramente qual foi a escolha do povo, a CNE sabe. Estamos aqui, nesta fase, a organizar-nos. Agora, que fique claro que o pacto social depois vai tomar medidas e, de forma coordenada, é toda a sociedade civil da Guiné-Bissau que vai emitir de forma organizada e unida quais são as medidas que vão ser tomadas. Nós estamos a organizar-nos ainda, mas é claro que o povo da Guiné-Bissau vai defender a sua vontade.”

Até agora houve, nomeadamente, jovens que se tentaram mobilizar para manifestar, mas acabaram detidos. Eu queria saber se eles ainda estão detidos e se as pessoas estão dispostas a dar o corpo ao manifesto e a ir para a rua manifestar-se se as manifestações são reprimidas.

“Como acabei de dizer, uma coisa é ter apenas um grupo de jovens a manifestar, outra coisa é ter toda a sociedade guineense, incluindo neste pacto social a juventude também está dentro. A juventude já assinou o pacto social ontem [terça-feira], várias associações académicas assinaram o pacto social ontem e ainda estamos a contar com mais associações juvenis que vão ainda integrar o pacto social. Uma das coisas que o pacto social está a exigir e vai exigir é a liberdade, não somente para os presos políticos, mas também para as pessoas que foram presas de forma injusta.”

Quantas pessoas estão presas no total?

“São vários jovens foram presos, vários políticos também. Está completamente difícil para nós poder dar um número. Claramente uma das acções que vamos tomar é exigir que essas pessoas possam ter assistência médica e que sejam libertos.”

A libertação imediata e incondicional de todos os prisioneiros políticos e activistas detidos no contexto pós-eleitoral é uma das exigências do pacto, mas há outras exigências. Quais são?

“Claramente nós estamos a dizer libertação imediata e incondicional de todos os presos políticos e activistas no contexto pós-eleitoral; respeito pelos resultados eleitorais e a imediata publicação porque todo o mundo conhece as actas; retorno imediato ao controlo dos civis. Mas também estamos a pedir e a promover um diálogo, queremos que logo depois disso se lance um diálogo nacional verdadeiramente inclusivo e que os guineenses comecem realmente a conversar, que tomemos conta da nossa terra e que paremos de continuar a contar que a solução virá sempre de fora. É claro que também vamos pedir, vamos exigir mesmo, que se faça uma investigação profunda sobre as violações de direitos humanos porque vários jovens foram espancados durante estes dias. Vamos, ao mesmo tempo, organizar-nos para que as acções que o pacto vai tomar sejam transmitidas logo a seguir a esta fase em que estamos a organizar-nos e a fazer assinar ao máximo de entidades possíveis o pacto. Neste momento, a Ordem dos Advogados pediu também que quer fazer parte do pacto, as organizações sindicais já assinaram ontem, as organizações dos direitos humanos, as religiosas também, uma parte da juventude. Vamos continuar com esta fase e, logo a seguir, ainda esta semana, vamos passar por uma próxima fase que é comunicar quais são as acções em conjunto que o pacto social vai tomar.”

Como está o ambiente em Bissau e o que é que prevalece: o medo ou a determinação?

“Cada um poderá falar por si, mas, do meu lado, julgo que são as duas coisas. Há o medo, sente-se o medo em muitas pessoas, famílias que estão completamente a temer que os filhos não voltem, há os quadros que não conseguem falar por medo... Mas também se sente a determinação. Há, ao mesmo tempo, as duas coisas. Há a determinação de que temos que voltar à ordem constitucional, temos que dialogar na verdade das urnas. Queremos que se promova o diálogo, mas também que se respeite a vontade popular, que é, mais uma vez, o que foi exprimido nas urnas no dia 23 de Novembro. Sente-se também uma vontade clara da própria população de ultrapassar o medo para exigir que as pessoas que estão presas, que foram maltratadas, que ainda estão a sofrer e que precisam de medicamentos, como o Domingos Simões Pereira, o Octávio Lopes, o Roberto Mbesba, ou pessoas que nem sequer estamos a chamar o nome, ou pessoas comuns, que sejam libertos. Não há necessidade de mantê-los na prisão. Não há necessidade nenhuma. Que sejam libertos. Podemos engajar um processo de diálogo nacional, mas que sejam libertos e que se respeite a vontade popular. Então, é este sentimento que está a pairar aqui em Bissau.”

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