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Jovens LGBT querem ser ouvidos pelo governo em Moçambique


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“Moçambique é um espaço marcado por várias atitudes anti-LGBT” no mercado de trabalho, alerta o antropólogo Anésio Manhiça, autor do estudo “Nhonguistas e Criativos LGBT+: Práticas de Negócios e Segurança para Jovens na Área Metropolitana de Maputo”. O jovem pede que o Diálogo Nacional Inclusivo em Moçambique abranja pessoas LGBT, que se implementem leis antidiscriminatórias no espaço de trabalho e que o governo reconheça associações que defendem os direitos LGBT.

RFI: O estudo “Nhonguistas e Criativos LGBT+: Práticas de Negócios e Segurança para Jovens na Área Metropolitana de Maputo” cruza economia, estudos de género e a realidade do mercado de trabalho moçambicano, a partir de entrevistas e de dados recolhidos entre Abril e Agosto de 2024, junto de 148 participantes. A obra mostra como a exclusão e a violência empurram muitos jovens da comunidade LGBT+ para sectores económicos alternativos. Esta obra distingue dois perfis dominantes, nhonguistas e criativos. O que são?

Anésio Manhiça, Antropólogo e artista: “Quando tentámos focar-nos nos diferentes perfis de empreendedores que existem na área metropolitana de Maputo, vimos que, olhando para a comunidade LGBT, primeiro temos um grupo que são intermediários, que chamamos de nhonguistas, que são pessoas que primeiro vivem do mercado informal, intermediando a venda de diferentes produtos informais, usando o telemóvel para fazer fotografias e conectar os fornecedores de produtos com os clientes que nem sempre estão na cidade de Maputo, às vezes estão em Nampula, em Pemba. Então, estes são intermediários.

Mas também temos outros intermediários que encontramos dentro das instituições, que são aquelas pessoas que usam da sua posição de poder e vão garantindo que no processo de contratação de serviços vão tendo pessoas que são da sua rede de confiança e, por via disso, ganham também uma comissão pelo processo da intermediação.

Por outro lado, sabemos muito bem que o espaço criativo é onde as pessoas LGBT se sentem com maior conforto para expressar aquilo que é a sua identidade de género, expressão de género e a sua orientação, e acaba sendo um espaço predominante para o grupo LGBT.

Por isso, temos os nhonguistas e os criativos que são os dois mundos em que encontramos as pessoas LGBT a nível do auto-emprego na área metropolitana de Maputo.”

Até que ponto é que a homofobia limita o potencial económico dos jovens LGBT em Moçambique?

“O que nós vimos é que Moçambique é um espaço marcado por várias atitudes anti-LGBT. Temos políticos com atitudes anti-LGBT, temos um Estado que é ambíguo em relação à questão LGBT, não se posiciona no processo de promoção destes direitos, o que por si só acaba influenciando o sector privado moçambicano, fazendo com que as empresas, as multinacionais se posicionem como neutras, não promovendo por receio de como é que será a sua relação com o Estado, fazendo com que muitos jovens, muitas pessoas LGBT, acabem não acedendo ao mercado de trabalho no espaço formal. Temos agora um caso em que uma pessoa LGBT publicou em sua conta Instagram que se sentiu totalmente excluído no processo de recrutamento, teve boas notas no processo de selecção, mas no momento de iniciar o trabalho, simplesmente disseram que não, que tinha que vir uma outra pessoa, que não era a pessoa que eles queriam.

Por si só temos este sector privado que acaba sendo excludente por causa da postura do Estado em relação aos direitos LGBT. Por outro lado, temos a dificuldade de acesso ao crédito. Olhando para a banca, em que temos várias pessoas LGBT, que não têm um trabalho fixo e não podem pagar um crédito porque geralmente o banco fica confortável quando temos pessoas com trabalho fixo. Então, essa exclusão das pessoas LGBT faz com que também não acedam ao crédito bancário. Depois temos toda a conduta em termos sociais de vários actores, que acaba enfraquecendo pessoas LGBT a singrarem no auto-emprego, a singrarem no mercado formal de trabalho.”

Apesar de todas essas exclusões e barreiras, emergem mesmo assim novas formas de negócio?

“Exactamente porque, enquanto isso, há vários actores que se devem tornar criativos. Vimos na pesquisa que algumas das pessoas LGBT no espaço criativo acabam até realçando aquilo que são os seus tiques: se são homens, os seus tiques femininos para se legitimarem como bons na moda, bons em fazer make up, bons na cozinha, para tornarem esse espaço o seu espaço para ganhar a vida, o seu espaço legítimo para o auto-emprego. Vão surgindo formas criativas para as pessoas LGBT se sustentarem e viverem com as possibilidades que existem.”

Será que se pode repensar a economia moçambicana a partir das margens ou ainda é muito prematuro falar disso porque a sociedade moçambicana ainda não está preparada para aceitar plenamente as margens?

“Agora, actualmente, com o Diálogo Nacional Inclusivo em Moçambique, temos a maior parte das pessoas LGBT em diferentes grupos focais porque estamos a desenvolver uma outra pesquisa. E em diferentes grupos focais que fomos desenvolvendo, há esta demanda por parte das pessoas LGBT por leis antidiscriminatórias, por uma lei que é totalmente clara, que não haja discriminação às pessoas LGBT no espaço de trabalho, mas também no processo de ensino.

Mas neste todo o processo, para além de leis, há uma expectativa de que este processo garanta uma acção social, uma consciência cívica. No entanto, eu entendo que a questão LGBT em Moçambique ainda é marcada por estas antagonias. Há defensores ainda em número muito reduzido e pessoas que simplesmente são neutras.”

Relativamente à questão do Diálogo Nacional Inclusivo que está na agenda política, até que ponto é que a população LGBT consegue emergir neste diálogo nacional? O que seria preciso fazer e até que ponto é uma janela de oportunidades para a comunidade LGBT?

“É uma oportunidade para que as pessoas LGBT participem, de facto, num espaço político que vá além de políticas de saúde, que vá pensando em políticas económicas, na questão eleitoral... É uma oportunidade para vincar aquilo que são as suas percepções, mesmo que nem todas elas sejam consideradas, mas é uma oportunidade para as colocar no espaço público. Já estamos a ver vários grupos de jovens que tendem a se juntar em grupos que não são exclusivamente LGBT para colocar aquilo que são as suas demandas, as suas perspectivas. Vejo o movimento LGBT de líderes de associações querendo se unir a nível nacional para que, numa só voz, consigam colocar aquilo que a comunidade quer.”

O que é que a comunidade LGBT quer em termos políticos? O que pedem, neste momento, ao governo moçambicano?

“São duas coisas com base na questão da legalização da pauta do movimento, que é garantir que a agenda LGBT é considerada. Isso passa por o governo reconhecer associações que se apresentam, que se querem registar como organizações de defesa de direitos LGBT, o que não vem acontecendo.

O outro lado tem que ver com a questão de leis antidiscriminatórias. Colocar claro na lei do trabalho a não discriminação em função de orientação sexual, para que isto fique claro, para que haja esta lei que incentive um espaço mais justo. Também tem tudo que ver com políticas claras para garantir uma consciencialização, garantir que o cidadão saiba o que é, o que são, a expressão de identidade de género, o que são orientações sexuais, para que realmente tenham noção do que é esta diversidade, para que exista paulatinamente uma normalização pública dessa diversidade. Até então, são estas demandas que temos visto.”

Falou numa nova pesquisa que está neste momento a fazer. Quer explicar-nos em que consiste?

“Sim. Com base no Diálogo Nacional Inclusivo, estamos a fazer vários encontros com actores LGBT e é para vermos como é que as pessoas LGBT se estão a engajar politicamente neste momento político importante, que demandas estão a colocar e que transformações sociais estão a conseguir alcançar. Então, estamos nesta fase, neste processo de análise, de obtenção de dados, de encontros, de inquéritos para melhor perceber.”

Daí sairá provavelmente um relatório?

“Sim, vamos lançar um dossier mais geral, onde temos a questão da juventude em Moçambique, em diferentes ângulos, associado à empregabilidade, à política. E teremos um capítulo especial para a questão do engajamento político da juventude LGBT neste contexto de crise política em Moçambique.”

Quando será publicado?

“Para o próximo ano, em Setembro.”

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