Hemisférios

Teu Nome


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O dia amanheceu frio e chuvoso - estamos em novembro e ainda parece inverno - havia barulho de chuva no telhado, de pássaros buscando abrigo, de flores brotando no quintal. Havia cheiro de café e cobertas quentes convidando a permanecer até mais tarde na cama. Havia saudade demais no peito. Havia dúvida se chovia mais lá fora ou aqui dentro. Não havia “você”.

Quando criança enfrentava meus medos repetindo seus nomes sem parar, até perderem o sentido. Era como desconstruir, banalizar, retirar sua força vital. Não funciona contigo. Postei-me em frente ao espelho, olhei-me nos olhos, fui ridículo como pude, busquei, de todas as maneiras, dizer a mim mesmo o quão idiota seria pronunciar seu nome em voz alta, e fiz. Uma. Duas. Centenas. Um mantra. Tua forma não se perde, tua força não se esvai. Habitas meu peito, tens raiz. A torneira escorre. A lágrima corre. O peito sangra – e ama – e chama - teu nome, teu nome, teu nome.

De órbita em órbita me abro à visitação, não aceito permanências. Poderiam descobrir que sou teu. Poderiam me fazer aceitar a verdade. Poderia ter que admitir que ainda te amo. Poderia. Posso. Não devo. Chega! Selo os lábios, o coração pulsa, a mente repete – teu nome, teu nome, teu nome – Derrubas fronteira por fronteira e me invades cada vez mais e mais e mais.

Ainda é de manhã, mal consigo respirar, e a chuva não vai embora. E o choro não vai embora. A saudade não vai embora. Nunca fostes, porque iriam? – teu nome, teu nome, teu nome – a neurose aumenta. Sou teu, ateu, não nego , não quero, quero – como quero – pra sempre, volta, vá, chega - teu nome, teu nome, teu nome....

Qual era mesmo?

O teu nome, qual era?


Paulo Curió

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HemisfériosBy Paulo Curió