Na incrível releitura da galeria de personagens de Batman, este "Coringa" ressoa imbatível e atordoante em meio a concepções muito caras de clássicos da cultura ocidental, como "O mal estar na civilização", de Sigmund Freud, "A sociedade do espetáculo", de Guy Debord, e (por que não?) "Batman - Ano Um", de Frank Miller. Definitivamente, o ator Joaquin Phoenix nos revela a anatomia do caráter de um personagem que - embora o diretor Todd Phillips tenha reiterado diversas vezes - não se afasta da mitologia dos quadrinhos originais; pelo contrário, reinterpreta, de forma muito criativa e impactante, a gênese de uma das histórias mais conhecidas do público geek/nerd. Dotado de um perfil que flerta com o anarcocapitalismo e parafraseia o alemão Schopenhauer (o palhaço não consegue esconder que rir é sofrer), Arthur Fleck manipula o espectador com uma cadência narrativo-musical entre violinos que choram e a voz vintage de Sinatra na pretensamente suave "That's life".Que nos perdoe o icônico vilão de Heath Ledger, mas Fleck é o novo parâmetro de uma vilania que atesta a força das narrativas gráficas para a compreensão de um estilo de vida rumo ao caos na contemporaneidade. Triste reflexo de nosso tempo. Faz Hannibal Lecter (de "O silêncio dos inocentes") parecer inofensivo e "O operário" com Christian Bale ser menos claustrofóbico...
P.S.: Este episódio reproduz, dois anos depois, a Live no Instagram quando reunimos nossas impressões sobre um dos filmes mais impressionantes dos últimos tempos.