A sessão Páginas da Cidade da Revista Fon-Fon de 1924.Texto "A Rainha da Cidade de Victoria" escrito por Álvaro Sodré.Visitar a eu a cidade de Vitória, como forasteiro curioso, quando encontrei, perambulando pelas ruas centrais um tipo original.Era uma mulher de meia idade, de cor preta, mais bonita do que feia, de chapéu e luvas, sombrinha rendada, fitas e laços espalhafatosos.Tinha o rosto completamente pintado a guache e a carmim.Não foi o escândalo das pinturas o que me chamou a atenção, tão habituado eu em olhar as que fazem o sábados nas calçadas da nossa avenida; foram os adereços do seu vestuário.Chapéu grande de palha tosca, desabado, ornamentado com flores e flores naturais; avencas, cravos e margaridas. No pescoço, colares de vários feitiços e contas de cores diversas. Nos pulsos, gordos e sadios, nus e bem torneados, braceletes com motivos praieiros, conchas, espinhas, barbatanas e mariscos.O vestido feito de Farrapos velhos, restos de outros vestidos, numa variedade infinita de cores e de padrões costurados a esmo com espinhos de Gravatás e de Laranjeiras brabas.As pernas, amostra sobre o vestido curto, calçando meias diferentes, de duas e tres cores. Sapatos cambados, velhos, sujos de poeira, sem formas sem feitio quase, cansado de um trabalho insano, de percorrer a cidade inteira.Nas mãos de unhas brancas rolos de papel, uma "trousse" feita com tampas de lata de biscoitos E aí separadas sombrinha rendada que ela traz sempre aberta, abrigo a sua cutis delicada contra o sol que queima e Castiga.Toda a gente já conhece naquela cidade e todos a chamam a Rainha, porque ela se diz rainha, sem hora de um Trono Soberana de uma cidade, que governa e dirige com sobriedade.E pelas ruas centrais da cidade passeia a sua figura grotesca, falando sempre sozinha, rabujando muito, sempre impressionada com os desígnios da sua nação, em volta sempre em sérios problemas administrativos... De quando em vez, deixa o centro da cidade, e vai a pé até a Várzea da Praia Comprida.Ali, junto às ondas que marulham e se espraiam nas brancas Areias, discursa a imensidade do mar.E, na praia deserta, batida pelo sol, sua figura tem um relevo especial, sua voz lembra o falar das aves de agoiro, nas tardes tristes nos capoeirões fechados.Porque ela não protesta nem se exalta; lamenta-se, apenas, Como as aves tristes inutilmente... Ninguém, na cidade, sob contar-me a sua história. a legenda de sua vida.- É a Rainha - diziam, num sorriso enigmático admirados de minha curiosidade.É que eu, visitando a cidade pela primeira vez, procurava justamente conhecer tudo o que, para os seus habitantes, já habituados, parecia uma banalidade.Uma tarde, a porta de um café, Eu ensaiei uma pergunta a Rainha; e, ela, sorrindo com um riso alvar respondeu-me:- O senhor é muito criança ainda para conhecer o mundo... A vida não é o que todos nós estamos vendo; é um ciclo de perfeições. Por isso, dizem-me maluca, esses que andam pelas ruas, sem destino dos Nobres... O senhor é criança!Um garoto vadio apupava-a:- Rainha! Rainha!E ela, castigada pela ironia inocente, lá se foi, Rua em fora, fantasiada, ridícula, carregando o peso do seu Infortúnio, sorrindo a inveja dos homens e ao despeito das mulheres...