Malhete Podcast

AO CHEGAR O NATAL


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Autor: Carl Sagan
Ao chegar o Natal é costume falar-se muito dos pobrezinhos e assistirmos a campanhas de angariação de géneros para lhes dar. Mostra-se na televisão a Sopa dos Pobres e uma ementa generosa para a ceia natalícia. Infelizmente, passado o dia 25 de Dezembro, já apenas se ouve falar nas festas mais ou menos grandiosas que estão a ser preparadas para a passagem de ano. Estou mesmo convencido de que se gasta muito mais nos fogos de artifício e nessas festas de celebração de uma simples mudança de calendário do que tudo quanto foi angariado para dar aos mais necessitados.
Claro que essas campanhas a favor dos mais carenciados e quem as organiza, merecem em geral o nosso respeito. No entanto, é frequente haver também um sentimento de desconfiança em relação às pessoas que nelas se empenham, o que cria mal-estar em quem, muitas vezes, o faz com sacrifício da sua vida pessoal.
Ao mesmo tempo, essa suspeita cria um dilema para quem pretende ajudar. Por um lado quer genuinamente minorar o sofrimento alheio, mas por outro receia que aquilo que oferece vá parar às mãos de alguém que se interpõe entre o dador e o legítimo beneficiário da dádiva.
A solução para este dilema só poderá ser obtida através da clarificação de quais são as organizações que têm esses objetivos tão nobres e que sejam tornadas públicas não só as suas contas como a forma como foi concretizada a sua atividade.
Estas minhas divagações causadas pela fase natalícia levam-me a pensar de uma forma mais global no espírito da sociedade de que fazemos parte e na falta de idealismo que nela é cada vez mais evidente. De fato, nos dias que correm, temos a sensação de que os grandes ideais (em especial os surgidos durante o século XX) se foram mostrando como meras utopias e, por consequência irrealizáveis na prática, ou deram mesmo origem a sociedades de pesadelo. Estou a pensar em concreto em estados onde, com base em ideais aparentemente muito belos, se forjaram ferozes ditaduras, mas também em grupos formados em torno de alguns gurus que os levaram a cometer crimes e mesmo a suicídios coletivos.
Daí até às pessoas comuns se sentirem desiludidas, terá sido um passo muito pequeno.
Por outro lado, especialmente nas cidades, devido ao frenesim das nossas vidas, ao trabalho e às obrigações que nos aprisionam, ao cumprimento de prazos e de horários, e à tentativa de realização de objetivos pessoais, deixámos de ter tempo para pensar nas ideias e em valores que não sejam os imediatos. Para a maioria dos nossos concidadãos, parece reinar o egoísmo, o “chega para lá”, ou mesmo o “salve-se quem puder”. A palavra “stress” parece ter-se instalado no nosso léxico de forma irreversível.
Mas será que no fundo de cada um de nós terão de fato desaparecido em definitivo os desejos de algum idealismo? Penso, ou desejo pensar, que não.
É certo que a nossa sociedade tem problemas importantes para resolver: na justiça, na educação, na saúde, no equilíbrio das contas públicas, e em outros aspectos que os noticiários não deixam esquecer. Mas estou certo de que acabará por chegar o momento em que as pessoas deixarão de pensar apenas nas coisas mais “terra a terra” e começarão de novo a tentar encontrar ideais coletivos.
Pergunto a mim mesmo se o futuro nos trará novos ideais, ou se serão alguns dos antigos a readquirir o seu justo valor. Estou a pensar concretamente nos ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Quanto a estes, seria bom recordar que são extremamente belos. No entanto, talvez seja necessário que adquiram um sentido mais profundo do que atualmente lhes atribuímos. Por exemplo, seria muito positivo que ao pensarmos na ideia de “liberdade”, não nos limitássemos apenas a querer as nossas liberdades individuais, o nosso direito de opinião ou de iniciativa, mas também a que os seres humanos de todo o mundo tivessem essas mesmas liberdades. Já que tanto se fala em que vivemos na era da “globalização”, penso que seria excelente que a liberdade responsável fosse, também ela,
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Malhete PodcastBy Luiz Sérgio F. Castro