“No meio da jornada da nossa vida me encontrei em uma floresta escura onde o caminho reto se perdeu”.
Provavelmente não existe incipit mais conhecido e eficaz em toda a história da literatura mundial.
Estamos na noite da Sexta-Feira Santa do ano 1300, o equinócio da primavera. O poeta nascido em maio de 1265 atingiu simbolicamente a metade da sua jornada terrena. Ele se encontra, ao mesmo tempo, no auge de sua fase de transformação espiritual. Dante, consciente da decadência da sua época, empreendeu no momento da sua plena maturidade uma fantástica peregrinação para mostrar à humanidade um caminho de salvação espiritual, moral e até política.
A ideia das viagens físicas, mas também espirituais, como método de aquisição da salvação era, na Idade Média, um costume dos fiéis mais sensíveis ao chamado da Igreja.
Houve três peregrinações mais importantes na época: a de Jerusalém, no leste, em direção ao sol nascente, para ir rezar no Sepulcro de Nosso Senhor Jesus. Esses peregrinos eram chamados de Palmieri, desde que retornaram da Terra Santa trouxeram consigo um ramo de palmeira simbólico da Ressurreição e do Triunfo sobre a morte. Depois houve as peregrinações a Roma para visitar a sede dos pontifícios e o túmulo do príncipe dos Apóstolos. Logicamente eles receberam o nome de Romei. Por fim, houve a peregrinação a Santiago de Compostela na Espanha, em direção ao oeste onde estão as matrizes, onde teria sido sepultado São Tiago Apóstolo, seu símbolo era a concha de São Tiago, que usavam como placa para comer e como tigela para recolher esmolas. Foi também o símbolo da vida emergindo das profundezas do mar onde a morte dominava
No mesmo ano em que Dante iniciou o seu caminho sobrenatural, o Papa Bonifácio VIII anunciou o primeiro Jubileu de Roma, atraindo multidões de fiéis de toda a Europa ansiosos por ir ao centro do cristianismo para reabastecer os vorazes cofres do Vaticano, convencidos de comprar desta forma, um pedaço do além.
Dante opta idealmente por começar em Jerusalém, não em Roma.
O poeta aventura-se, portanto, no Inferno, um abismo que se assemelha a um enorme funil invertido cujo círculo base, com Jerusalém ao centro, tem um raio equivalente à distância entre esta cidade e Roma, enquanto o ápice se posiciona no centro da terra.
A imagem de um abismo infernal, provocado pela queda de Lúcifer na Terra com a consequente extrusão da crosta terrestre nos Antípodas para formar o Monte Purgatório, também nos informa como Dante estava certo da esfericidade da Terra muito antes de Cristóvão Colombo. Os filósofos pitagóricos já haviam afirmado que os planetas eram esferas que se moviam no espaço, criando, em suas viagens, uma nota musical, a chamada Harmonia das Esferas.
A jornada de Dante tem como objetivo conquistar a Jerusalém Celestial após chegar à Terrestre. Isto é idealmente verdade, mas não só, pois há também uma confirmação precisa tanto na ficção poética como na construção cênica dos lugares da própria comédia. Conforme demonstrado por Robert John. o Paraíso Terrestre localizado no topo da montanha do Purgatório tem a mesma topografia da Jerusalém real: as distâncias e os lugares são os mesmos, a aparência do Monte do Templo é a mesma, assim como inúmeros outros detalhes. O Poeta, numa das suas alegorias maravilhosas mas subtis e ocultas, quis indicar com precisão um caminho composto por três etapas sucessivas: a Jerusalém real, a Jerusalém terrena, a Jerusalém celeste, em harmonia com a tripartição cíclica dos fenómenos naturais.
O ritual do grau XVIII da Maçonaria "Príncipe Rosacruz" diz: "os antigos Irmãos Rosacruzes, intrépidos naturalistas que sob o exterior mais ou menos sincero do altruísmo foram os promotores da investigação científica através da observação real, sob o pretexto da medicina eles viajaram pela Europa Ocidental durante dois séculos, reunindo os elementos que outros tinham para tornar frutíferos e espalhando a semente do método científico."
Não temos provas de que Dante fosse um adepto Rosacruz no termo comumente entendido hoje, mas a necessidade da viagem e da doação de sementes durante a viagem é a mesma. Que Dante foi iniciado numa seita esotérica é comprovado antes de tudo pelas suas obras, pela sua adesão ao Fedeli d'Amore e também pela presença de Mestres ao seu lado, que de vez em quando guiam os seus passos.
(Retirado de: O Inferno de Marcello Vicchio e O Inferno Esotérico de Dante de A. e G. Malvani).