17:15!
O alarme do telemóvel relembrou-a que tinha que se levantar rapidamente da cadeira no escritório e correr até ao cabeleireiro!
Hoje é um dia especial!
É dia dos namorados!
Desceu as escadas do escritório, cruzou a rua e entrou no cabeleireiro do costume, perseguida pela azáfama da cidade onde não há tempo a perder! O trânsito caótico, a correria de quem trabalha e a calmaria dos que apenas passeiam fundem-se no mesmo espaço e tempo obrigando todos a viver numa fuga constante contra o relógio!
Os secadores abafam as vozes das que se encontram naquele espaço!
Os espelhos refletem os seus sorrisos que combinam com a aparência já moldada pelas mãos dos profissionais daquele lugar.
Mudança de visual mas não só!
Mudança também de Estratégia para a noite que se avizinha!
De cabelo cortado, e tonalidade modificada, ganhou um ânimo diferente! Naquele instante vestiu a pele de uma mulher revigorada, uma mulher que tinha ganho um novo fôlego um novo ânimo! Na verdade é sempre assim que nos sentimos quando nos predispomos a mudar! Mas… porquê hoje?!
Num ápice levantou-se da cadeira e correu para o metro! Em pouco mais de 15 minutos estava em casa! Entrou apressada, os saltos ecoaram pelo corredor enquanto largou a mala no sofá.
Não havia tempo a perder. Um banho rápido, maquilhagem impecável, e claro o vestido escolhido dias antes.
Olhou-se ao espelho e sorriu. É engraçado como uma mudança no cabelo e uma camada de batom têm o poder de nos dar uma confiança que, nos outros dias, parece faltar.
19:45 em ponto, ele chegou!
O mesmo de sempre. O mesmo perfume, a mesma camisa, a mesma expressão distraída mesmo enquanto lhe dizia que estava linda sem sequer levantar os olhos do telemóvel.
Já no restaurante, entre um brinde e uma conversa banal, ela espera! Espera que ele repare nela. Que lhe diga que o cabelo está diferente, que notava o brilho no seu olhar, que percebesse que ela se tinha esforçado.
Mas nada.
Nem um comentário, nem um olhar mais atento.
Entre garfadas, falaram sobre o trabalho, sobre os planos para o fim de semana, mas acima de tudo sobre banalidades.
Ele apenas concordava, respondendo com monossílabos.
O silêncio entre os dois começava a pesar. Não era o silêncio confortável de quem já disse tudo sem precisar de palavras, mas sim o vazio de quem já não se ouve.
Ela brincava com o guardanapo entre os dedos, enquanto fingia que estava tudo bem, mas na sua cabeça uma tempestade começou a formar-se.
Porquê? Porquê só hoje? Porquê tanto esforço para ser notada por alguém que nem sequer reparou em mim?!
Mas… Quantas vezes já tinha passado por isto? Quantas vezes tinha mudado o cabelo, comprado um vestido novo, passado horas a preparar-se para um jantar em que, no fim, se sentia exatamente igual?
Invisível.
E a verdade, dolorosa e crua, era que este não era um problema dele. Era dela.
No fundo, não se trata apenas deste jantar. Não é sobre ele não notar a mudança no cabelo ou o brilho no olhar. É sobre o facto de ela mesma não se notar nos outros dias.
De passar a vida à espera que alguém valide a sua beleza, a sua presença, o seu esforço.
Mas… entre um gole de vinho e uma garfada, que já nem lhe sabia a nada, algo dentro dela estalou.
Não podia continuar a viver assim.
Não podia continuar a mudar apenas nestes dias, a transformar-se para ser vista pelos outros, enquanto se esquecia de se ver a si própria.
Pois a mudança que realmente importa não é a que fazemos para os outros. Não é o batom vermelho numa noite especial, nem o vestido escolhido a dedo para impressionar. A mudança verdadeira é a que acontece quando, finalmente, decidimos ser vistas por nós mesmas.
Respirou fundo. Endireitou-se na cadeira e Sorriu, mas desta vez não para ele.
Sorriu para si mesma!
A atitude que permite que ele tenha para com ela é o reflexo daquilo que ela própria aceita para si. Sempre se preocupou em agradar, em estar impecável, em fazer tudo certo, mas nunca se perguntou se aquilo era suficiente!
Na verdade, quantas de nós se anularam para evitar discussões? Quantas vezes ignoráramos o próprio instinto para manter a paz?
Quantas vezes esperámos para ser vistas, ser elogiadas, ser celebradas?
E ali, naquele jantar que deveria ser especial, percebeu que o verdadeiro problema não era ele não a notar. O problema era ela própria ter passado demasiado tempo a querer ser notada por alguém que nunca olhou para além da superfície.
O Dia dos Namorados? Sim, pode ser uma data bonita, mas de que serve se no resto do ano ela não se sente amada, nem sequer por si mesma?
Soltou um leve suspiro e pousou o guardanapo sobre a mesa. Olhou para ele – o homem que, por tanto tempo, idealizou como aquele que lhe daria o que precisava. Mas agora, com uma clareza quase assustadora, viu o que sempre esteve ali: ele nunca lhe daria mais do que aquilo.
Não por maldade. Não por falta de amor. Mas porque ela mesma nunca exigiu mais.
Então, sem pressa, pegou na mala, bebeu o último gole de vinho e sorriu.
Desta vez, não esperou que ele perguntasse o que estava errado. Não esperou que ele reparasse. Não esperou absolutamente nada.
Levantou-se.
Deixou para trás o prato com a sobremesa intocada e um homem que, talvez, só fosse perceber o que acabar de perder quando já for tarde demais.
Caminhou para fora do restaurante sentindo-se mais leve do que nunca.
Mas e o Dia dos Namorados?
O dia dos namorados ainda é hoje.
Mas, pela primeira vez, ela escolheu passar o resto da noite com a pessoa mais importante da sua vida: com ela mesma.
Bem haja!