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Hoje quero fazer um grande elogio ao ócio, essa palavra que, durante muuuuuuito tempo, teve uma conotação a atirar para o negativa, para mim. Até que vi a luz e percebi que, hmmm, não: ócio é bom, sim senhora.
Espero que desfrutem.
Confissões de uma super-perfeccionista em recuperação é um podcast de Ana Isabel Ramos, designer, ilustradora, autora de livros e mentora de criatividade em www.airdesignstudio.com e no Instagram como @air_billy.
Se não queres perder nenhum episódio, poderás subscrever a newsletter para os receberes semanalmente na tua caixa de correio.
E se algo neste episódio vibrou dentro de ti, partilha-o com as pessoas da tua vida que poderão também encontrar um eco nestas confissões. Um passo de cada vez, recuperaremos do perfeccionismo e abraçaremos a fluidez para trazermos à superfície o melhor de nós.
Dou-te as boas-vindas a mais uma confissão de uma super-perfeccionista em recuperação, um podcast sobre perfeccionismo, criatividade e empoderamento.
Nestas confissões, vou partilhar contigo os altos e baixos do meu longo caminho de recuperação do super-perfeccionismo.
Se também tu tens vontade de deixar para trás a excessiva exigência contigo própria, soltar o perfeccionismo e abraçar a criatividade que tens dentro de ti, quer te consideres uma pessoa artística, quer não, então fica aqui nas “Confissões”.
Olá a todas e bem-vindas a um novo episódio de “Confissões de uma super-perfeccionista em recuperação”. Hoje quero fazer um grande elogio ao ócio, essa palavra que, durante muuuuuuito tempo, teve uma conotação a atirar para o negativa, para mim. Até que vi a luz e percebi que, hmmm, não: ócio é bom, sim senhora.
Nestas alturas gosto de me socorrer do dicionário. Ai, esperem, que comecei a viajar no tempo e voltei à adolescência, ao tempo em que qualquer pergunta que fazíamos à minha mãe a levava a ir buscar o dicionário à estante. O que nós nos ríamos, brincávamos que o “Dicionário Prático Ilustrado” da Larousse era o melhor amigo da minha mãe.
Voltando ao presente e à inevitabilidade do “cá calharás”, hoje sou eu que me levanto para ir buscar o dicionário, enquanto as minhas filhas se riem e me dizem que procurar a mesma coisa na net é muito mais rápido. Eu até concordo que é mais rápido… mas acho que retenho menos informação quando a leio no ecrã, em vez de a ler no dicionário físico.
Mas bom, voltando ao presente, dou conta de que não há episódio nenhum em que não abra um parêntesis no meio dos temas para completar com outra coisa tangencial, mas o que hei-de dizer? A minha mente funciona assim, e já diz o ditado que as conversas são como as cerejas.
Ora voltando ao momento presente, vamos então ver o que nos diz o dicionário sobre o ócio:
ócio
(ó·ci·o)
“ócio”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/%C3%B3cio.
Muuuuito interessante esta definição, não vos parece? E olhando para ela, entendo de onde vem o cheirinho a negativo que a palavra tinha para mim no antigamente. Ora vejam: enquanto que a definição número 1 fala em descanso, em folga e em vagar, já a número 2 é bastante mais taxativa a falar de indolência e mandriice, ociosidade e preguiça!
E aqui entram todos aqueles condicionamentos que fui absorvendo enquanto crescia de que “uma menina é diligente”, “os deveres antes da devoção”, todas essas mensagens que contribuíram para, lá está, o perfeccionismo exagerado de estar sempre a ser produtiva, já que o ócio era sinónimo de preguiça.
Foram necessários muitos anos para começar a desconstruir esta ideia de que o ócio não é uma coisa negativa, muito pelo contrário. O ócio é essencial para a produtividade e é essencial para a criatividade.
Ora bem, há muito que desmontar aqui mas desde já vos quero convidar a fazer as pazes com o ócio e a incorporá-lo nas vossas (quem diz “nas vossas” diz “nas nossas”) vidas.
E porque é que o ócio é essencial para a criatividade e para a produtividade? O ócio, o descanso, o pousio é essencial na agricultura, porque se a terra for explorada sem descanso, acaba por perder as suas qualidades e deixar de conseguir ser suporte para a vida, para a produtividade.
O mesmo acontece connosco: trabalhar sem descanso resulta em esgotamento, não respeita os nossos ciclos naturais nem promove o bem-estar a longo prazo. E, mais ainda, não promove a produtividade a longo prazo, só privilegia a produtividade a curto prazo.
As pessoas não são máquinas, tal como a terra arável não é robot, e precisamos de alternar períodos de trabalho com períodos de descanso, em ritmos diários, mas também de temporadas. Tal como o dia e a noite se alternam, e as estações do ano vão mudando (e, para quem não vive na zona temperada, com quatro estações, também há a estação seca e o tempo das chuvas), nós também precisamos de alternar tempos de actividade com tempos de descanso. Aliás, para os atletas, o tempo de repouso é tão importante quanto o tempo de treino. Sem tempos de repouso, os músculos não recuperam e a performance futura é afectada. Alguém ousa chamar “preguiçosa” a uma Telma Monteiro (um dos maiores nomes do judo em Portugal), ou a uma Patrícia Mamona (incrível atleta de triplo salto)? Nem pensar! São modelos de trabalho e disciplina que muitas alegrias nos deram com as suas conquistas dentro e fora do país, e que não haja a menor dúvida que entre muitas sessões de treino, tiveram também muitos períodos de descanso obrigatório.
Baixando aqui de volta à esfera da pessoa normal, não necessariamente atleta olímpica, todas nós, se olharmos com honestidade para a nossa agenda e para o nosso dia-a-dia, temos actividades sem fim, entre a parte profissional e a parte pessoal e familiar da vida. O que muitas vezes nos falta agendar são os tempos de ócio, de descanso, de abrandar para relaxar e desligar, mas também de nos darmos tempo e oportunidade de alimentar o espírito.
Porque o ócio é fundamental exactamente para nutrir o espírito, porque é da nossa cabeça, da nossa mente, da nossa inteligência, da nossa criatividade que virão todas as soluções, ideias, projectos que nos ajudarão a ganhar a vida, a solucionar problemas, a juntar pontos que antes pareciam não ter conexão entre si.
Ou seja: o ócio é fundamental para a criatividade, e a criatividade depois potencia a produtividade.
A primeira vez que ouvi falar de ócio como uma coisa positiva foi quando ouvi falar da existência da “Guía del ócio”, na altura um guia com a oferta cultural em Madrid. Depois fui viver para Buenos Aires, e a palavra “ócio” em espanhol parece ter uma conotação puramente positiva de descanso e diversão.
Em Buenos Aires, fiz uma amiga brasileira, um pouco mais velha que eu, que me falava muito do ócio, e de como o ócio era importante. Eu, ainda com o meu chip antigo, a desmontar a ideia da preguiça, ouvia-a com atenção. E comecei a perceber com a cabeça como era importante parar para descansar, baixar os estímulos, e nutrir a alma.
Também na Argentina, a páginas tantas deparei-me com um livro que me chamou muito a atenção. Chamava-se “El elogio de la lentitud”, um livro de Carl Honoré cujo link deixarei nas show notes deste episódio. Este livro apaixonou-me porque falava na importância de abrandar o ritmo num mundo cada vez mais frenético.
Como as conversas são como as cerejas, de cada vez que penso nesta questão de abrandar, recuo ainda mais no tempo para o início do século XXI, em que comecei a trabalhar num atelier de design (experiência que adorei, tenho que dizer!) onde havia pendurada na parede uma reprodução de uma imagem tipo xilografia de uma figura encostada a uma árvore, a descansar, com a legenda “slowing down is the simple, most effective way to save the planet” – ou seja, “abrandar é a maneira mais eficaz de salvar o planeta”. Ouu algo parecido, porque a minha memória já não é o que era.
Ou seja, depois de internalizar o padrão de trabalho e produtividade a toda a hora, e depois de internalizar que ócio é igual mandriice, começar a contactar com estas mensagens de abrandamento, de descanso, de abandono da incessante roda do ratinho foram deixando marcas em mim.
Mas aqui que ninguém nos ouve me confesso: mesmo sabendo da importância do descanso, nem sempre o privilegio. Eu conheço-me, e preciso de ser muito intencional a pôr limites para iniciar o descanso, tanto no dia-a-dia, com horas firmes para parar de trabalhar e, ainda mais difícil, ir para a cama à noite, como ao fim-de-semana, em que a tentação é a de preencher cada momento com planos, e não havendo planos fora de casa, aproveitar para avançar as domesticidades da semana. E quando elas não existem, às vezes ainda invento um bolo para fazer. Eu sei. É a tentação. E o bolo sabe-me muito bem, mais a mais porque fora de casa quase nunca posso comê-los (sou celíaca, e num café normal é raro poder pedir algo mais que um chá). Mas vá, voltemos ao presente.
E porque me conheço e sei que invento afazeres quando eles não existem (e o normal é existirem, porque não há dia em que não seja preciso roupa lavada cá em casa), tenho de ser realmente intencional na hora de descansar.
No livro “O Caminho do Artista”, a autora, Julia Cameron, insiste em duas actividades não-negociáveis para quem quer começar a fazer este programa. A primeira, as “páginas da manhã”, são três páginas manuscritas de download mental logo pela fresca, não me é particularmente complicada. Já a segunda, a ideia de um “artist date” semanal, ou seja, uma vez por semana fazer algo como visitar uma exposição, ou comprar algum material de artes, sozinha, sem outras intenções a não ser “só porque sim”, para mim já é muito mais difícil.
E porquê, podem perguntar vocês? Porque para fazer um “artist date”, um encontro comigo mesma, para fazer algo “só porque sim”, como ir ver uma exposição ou simplesmente passear na rua a olhar para o ar, preciso de abrir espaço nos afazeres, aqueles que passam à frente de tudo, aqueles que fui condicionada a achar que eram prioritários. Aqueles que me impedem de descansar quando preciso, ou de abrandar para me nutrir.
E aqui vejo ainda as minhas resistências em relação a isto: não é fácil desfazermos a associação entre ócio e mandriice, mesmo sabendo que o ócio é uma coisa importante, nutritiva e potenciadora da criatividade.
Como dizem os americanos, fake it ‘til you make it, expressão que gosto de traduzir mais em espírito que literalmente dizendo que até ser natural, temos de insistir um bocadinho. É como criar um novo hábito: é preciso usar estratégias e quase forçá-lo um bocadinho, até o hábito se instalar. Aqui, para criar espaços de ócio na minha vida, preciso também de trazer à minha rotina aquelas actividades que caem na categoria “só porque sim”, e quando encontro uma bifurcação com uma seta que aponta para o lado da máquina da roupa, e outra seta que aponta para “sossega no sofá a ler um livro”, preciso de criar espaço mental dentro da minha cabeça para escolher o sossego e lidar com o desassossego de saber que aquela roupa lá está (e sempre estará) à minha espera.
Confissões de uma super-perfeccionista em recuperação é um podcast de Ana Isabel Ramos, designer, ilustradora, autora de livros e mentora de criatividade em airdesignstudio.com e no Instagram como @air_billy.
Se não queres perder nenhum episódio, poderás subscrevê-los na tua plataforma preferida de podcasts, ou então assinarr a newsletter em airdesignstudio.com para os receberes semanalmente na tua caixa de correio.
E se algo neste episódio vibrou dentro de ti, partilha-o com as pessoas da tua vida que poderão também encontrar um eco nestas confissões. Um passo de cada vez, recuperaremos do perfeccionismo e abraçaremos a fluidez para trazermos à superfície o melhor de nós.
Hoje quero fazer um grande elogio ao ócio, essa palavra que, durante muuuuuuito tempo, teve uma conotação a atirar para o negativa, para mim. Até que vi a luz e percebi que, hmmm, não: ócio é bom, sim senhora.
Espero que desfrutem.
Confissões de uma super-perfeccionista em recuperação é um podcast de Ana Isabel Ramos, designer, ilustradora, autora de livros e mentora de criatividade em www.airdesignstudio.com e no Instagram como @air_billy.
Se não queres perder nenhum episódio, poderás subscrever a newsletter para os receberes semanalmente na tua caixa de correio.
E se algo neste episódio vibrou dentro de ti, partilha-o com as pessoas da tua vida que poderão também encontrar um eco nestas confissões. Um passo de cada vez, recuperaremos do perfeccionismo e abraçaremos a fluidez para trazermos à superfície o melhor de nós.
Dou-te as boas-vindas a mais uma confissão de uma super-perfeccionista em recuperação, um podcast sobre perfeccionismo, criatividade e empoderamento.
Nestas confissões, vou partilhar contigo os altos e baixos do meu longo caminho de recuperação do super-perfeccionismo.
Se também tu tens vontade de deixar para trás a excessiva exigência contigo própria, soltar o perfeccionismo e abraçar a criatividade que tens dentro de ti, quer te consideres uma pessoa artística, quer não, então fica aqui nas “Confissões”.
Olá a todas e bem-vindas a um novo episódio de “Confissões de uma super-perfeccionista em recuperação”. Hoje quero fazer um grande elogio ao ócio, essa palavra que, durante muuuuuuito tempo, teve uma conotação a atirar para o negativa, para mim. Até que vi a luz e percebi que, hmmm, não: ócio é bom, sim senhora.
Nestas alturas gosto de me socorrer do dicionário. Ai, esperem, que comecei a viajar no tempo e voltei à adolescência, ao tempo em que qualquer pergunta que fazíamos à minha mãe a levava a ir buscar o dicionário à estante. O que nós nos ríamos, brincávamos que o “Dicionário Prático Ilustrado” da Larousse era o melhor amigo da minha mãe.
Voltando ao presente e à inevitabilidade do “cá calharás”, hoje sou eu que me levanto para ir buscar o dicionário, enquanto as minhas filhas se riem e me dizem que procurar a mesma coisa na net é muito mais rápido. Eu até concordo que é mais rápido… mas acho que retenho menos informação quando a leio no ecrã, em vez de a ler no dicionário físico.
Mas bom, voltando ao presente, dou conta de que não há episódio nenhum em que não abra um parêntesis no meio dos temas para completar com outra coisa tangencial, mas o que hei-de dizer? A minha mente funciona assim, e já diz o ditado que as conversas são como as cerejas.
Ora voltando ao momento presente, vamos então ver o que nos diz o dicionário sobre o ócio:
ócio
(ó·ci·o)
“ócio”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/%C3%B3cio.
Muuuuito interessante esta definição, não vos parece? E olhando para ela, entendo de onde vem o cheirinho a negativo que a palavra tinha para mim no antigamente. Ora vejam: enquanto que a definição número 1 fala em descanso, em folga e em vagar, já a número 2 é bastante mais taxativa a falar de indolência e mandriice, ociosidade e preguiça!
E aqui entram todos aqueles condicionamentos que fui absorvendo enquanto crescia de que “uma menina é diligente”, “os deveres antes da devoção”, todas essas mensagens que contribuíram para, lá está, o perfeccionismo exagerado de estar sempre a ser produtiva, já que o ócio era sinónimo de preguiça.
Foram necessários muitos anos para começar a desconstruir esta ideia de que o ócio não é uma coisa negativa, muito pelo contrário. O ócio é essencial para a produtividade e é essencial para a criatividade.
Ora bem, há muito que desmontar aqui mas desde já vos quero convidar a fazer as pazes com o ócio e a incorporá-lo nas vossas (quem diz “nas vossas” diz “nas nossas”) vidas.
E porque é que o ócio é essencial para a criatividade e para a produtividade? O ócio, o descanso, o pousio é essencial na agricultura, porque se a terra for explorada sem descanso, acaba por perder as suas qualidades e deixar de conseguir ser suporte para a vida, para a produtividade.
O mesmo acontece connosco: trabalhar sem descanso resulta em esgotamento, não respeita os nossos ciclos naturais nem promove o bem-estar a longo prazo. E, mais ainda, não promove a produtividade a longo prazo, só privilegia a produtividade a curto prazo.
As pessoas não são máquinas, tal como a terra arável não é robot, e precisamos de alternar períodos de trabalho com períodos de descanso, em ritmos diários, mas também de temporadas. Tal como o dia e a noite se alternam, e as estações do ano vão mudando (e, para quem não vive na zona temperada, com quatro estações, também há a estação seca e o tempo das chuvas), nós também precisamos de alternar tempos de actividade com tempos de descanso. Aliás, para os atletas, o tempo de repouso é tão importante quanto o tempo de treino. Sem tempos de repouso, os músculos não recuperam e a performance futura é afectada. Alguém ousa chamar “preguiçosa” a uma Telma Monteiro (um dos maiores nomes do judo em Portugal), ou a uma Patrícia Mamona (incrível atleta de triplo salto)? Nem pensar! São modelos de trabalho e disciplina que muitas alegrias nos deram com as suas conquistas dentro e fora do país, e que não haja a menor dúvida que entre muitas sessões de treino, tiveram também muitos períodos de descanso obrigatório.
Baixando aqui de volta à esfera da pessoa normal, não necessariamente atleta olímpica, todas nós, se olharmos com honestidade para a nossa agenda e para o nosso dia-a-dia, temos actividades sem fim, entre a parte profissional e a parte pessoal e familiar da vida. O que muitas vezes nos falta agendar são os tempos de ócio, de descanso, de abrandar para relaxar e desligar, mas também de nos darmos tempo e oportunidade de alimentar o espírito.
Porque o ócio é fundamental exactamente para nutrir o espírito, porque é da nossa cabeça, da nossa mente, da nossa inteligência, da nossa criatividade que virão todas as soluções, ideias, projectos que nos ajudarão a ganhar a vida, a solucionar problemas, a juntar pontos que antes pareciam não ter conexão entre si.
Ou seja: o ócio é fundamental para a criatividade, e a criatividade depois potencia a produtividade.
A primeira vez que ouvi falar de ócio como uma coisa positiva foi quando ouvi falar da existência da “Guía del ócio”, na altura um guia com a oferta cultural em Madrid. Depois fui viver para Buenos Aires, e a palavra “ócio” em espanhol parece ter uma conotação puramente positiva de descanso e diversão.
Em Buenos Aires, fiz uma amiga brasileira, um pouco mais velha que eu, que me falava muito do ócio, e de como o ócio era importante. Eu, ainda com o meu chip antigo, a desmontar a ideia da preguiça, ouvia-a com atenção. E comecei a perceber com a cabeça como era importante parar para descansar, baixar os estímulos, e nutrir a alma.
Também na Argentina, a páginas tantas deparei-me com um livro que me chamou muito a atenção. Chamava-se “El elogio de la lentitud”, um livro de Carl Honoré cujo link deixarei nas show notes deste episódio. Este livro apaixonou-me porque falava na importância de abrandar o ritmo num mundo cada vez mais frenético.
Como as conversas são como as cerejas, de cada vez que penso nesta questão de abrandar, recuo ainda mais no tempo para o início do século XXI, em que comecei a trabalhar num atelier de design (experiência que adorei, tenho que dizer!) onde havia pendurada na parede uma reprodução de uma imagem tipo xilografia de uma figura encostada a uma árvore, a descansar, com a legenda “slowing down is the simple, most effective way to save the planet” – ou seja, “abrandar é a maneira mais eficaz de salvar o planeta”. Ouu algo parecido, porque a minha memória já não é o que era.
Ou seja, depois de internalizar o padrão de trabalho e produtividade a toda a hora, e depois de internalizar que ócio é igual mandriice, começar a contactar com estas mensagens de abrandamento, de descanso, de abandono da incessante roda do ratinho foram deixando marcas em mim.
Mas aqui que ninguém nos ouve me confesso: mesmo sabendo da importância do descanso, nem sempre o privilegio. Eu conheço-me, e preciso de ser muito intencional a pôr limites para iniciar o descanso, tanto no dia-a-dia, com horas firmes para parar de trabalhar e, ainda mais difícil, ir para a cama à noite, como ao fim-de-semana, em que a tentação é a de preencher cada momento com planos, e não havendo planos fora de casa, aproveitar para avançar as domesticidades da semana. E quando elas não existem, às vezes ainda invento um bolo para fazer. Eu sei. É a tentação. E o bolo sabe-me muito bem, mais a mais porque fora de casa quase nunca posso comê-los (sou celíaca, e num café normal é raro poder pedir algo mais que um chá). Mas vá, voltemos ao presente.
E porque me conheço e sei que invento afazeres quando eles não existem (e o normal é existirem, porque não há dia em que não seja preciso roupa lavada cá em casa), tenho de ser realmente intencional na hora de descansar.
No livro “O Caminho do Artista”, a autora, Julia Cameron, insiste em duas actividades não-negociáveis para quem quer começar a fazer este programa. A primeira, as “páginas da manhã”, são três páginas manuscritas de download mental logo pela fresca, não me é particularmente complicada. Já a segunda, a ideia de um “artist date” semanal, ou seja, uma vez por semana fazer algo como visitar uma exposição, ou comprar algum material de artes, sozinha, sem outras intenções a não ser “só porque sim”, para mim já é muito mais difícil.
E porquê, podem perguntar vocês? Porque para fazer um “artist date”, um encontro comigo mesma, para fazer algo “só porque sim”, como ir ver uma exposição ou simplesmente passear na rua a olhar para o ar, preciso de abrir espaço nos afazeres, aqueles que passam à frente de tudo, aqueles que fui condicionada a achar que eram prioritários. Aqueles que me impedem de descansar quando preciso, ou de abrandar para me nutrir.
E aqui vejo ainda as minhas resistências em relação a isto: não é fácil desfazermos a associação entre ócio e mandriice, mesmo sabendo que o ócio é uma coisa importante, nutritiva e potenciadora da criatividade.
Como dizem os americanos, fake it ‘til you make it, expressão que gosto de traduzir mais em espírito que literalmente dizendo que até ser natural, temos de insistir um bocadinho. É como criar um novo hábito: é preciso usar estratégias e quase forçá-lo um bocadinho, até o hábito se instalar. Aqui, para criar espaços de ócio na minha vida, preciso também de trazer à minha rotina aquelas actividades que caem na categoria “só porque sim”, e quando encontro uma bifurcação com uma seta que aponta para o lado da máquina da roupa, e outra seta que aponta para “sossega no sofá a ler um livro”, preciso de criar espaço mental dentro da minha cabeça para escolher o sossego e lidar com o desassossego de saber que aquela roupa lá está (e sempre estará) à minha espera.
Confissões de uma super-perfeccionista em recuperação é um podcast de Ana Isabel Ramos, designer, ilustradora, autora de livros e mentora de criatividade em airdesignstudio.com e no Instagram como @air_billy.
Se não queres perder nenhum episódio, poderás subscrevê-los na tua plataforma preferida de podcasts, ou então assinarr a newsletter em airdesignstudio.com para os receberes semanalmente na tua caixa de correio.
E se algo neste episódio vibrou dentro de ti, partilha-o com as pessoas da tua vida que poderão também encontrar um eco nestas confissões. Um passo de cada vez, recuperaremos do perfeccionismo e abraçaremos a fluidez para trazermos à superfície o melhor de nós.