Estado da Arte

Grande Sertão: Veredas


Listen Later


Certa vez, Guimarães Rosa aconselhou a um escritor “Condense-se!” e a outro “Fuja do lugar comum”. Nenhuma obra ilustra tão bem estes preceitos quanto Grande Sertão: Veredas. Na saga do jagunço Riobaldo em meio às guerras do sertão para vingar a morte traiçoeira do líder Joca Ramiro, pai do amado amigo Diadorim, cada página – às vezes uma frase – impõe uma massa compacta de reflexões metafísicas, e não passa uma linha sem uma palavra nova, uma expressão ou inflexão inusitada, como se a cada passo, parafraseando a exclamação do protagonista durante o nascimento de um menino, o “mundo começasse de novo”.



Entre a primeira palavra do romance – “Nonada” – e a última – “Travessia” – emerge aquela que é e será, talvez, a grande epopeia brasileira. Mas é também a mais ambivalente. Para começar, ninguém sabe exatamente pelo que lutam os jagunços. O épico de Rosa não narra a conquista de uma cidade, como o de Homero, ou de um Império, como o de Virgílio, ou do Céu, como o de Dante, mas de algo mais primordial: a mera humanidade. Enquanto os combates se espraiam pela pequena mancha de terra agreste entre Minas, Bahia e Goiás, o herói vive uma luta mais selvagem, vertical, entre o Reino de Deus e os domínios do Diabo, armado apenas da esperança: “Só o que eu quis, todo o tempo o que eu pelejei para achar, era uma só coisa – a inteira …: que existe uma receita, a norma dum caminho certo, estreito, de cada pessoa viver”. “Eu careço de que o bom seja bom e o rúim ruím, que dum lado esteja o preto e de outro o branco, que o feio fique apartado do bonito e a alegria longe da tristeza!” “O diabo não há!”, diz o herói no final da travessia, “Existe é homem humano”. Mas no meio, no redemoinho da vida, nunca para de constatar: “Arre, ele está misturado em tudo”. Afinal, “A gente viemos do inferno – nós todos … Duns lugares inferiores, tão monstro-medonho, que Cristo mesmo lá só conseguiu aprofundar por um relance de graça de sua sustância alumiável, em as trevas de véspera para o Terceiro Dia.” Daí a dúvida que tortura o herói e assalta o leitor de mil maneiras, como num caleidoscópio, num tiroteio ou numa vertigem: “Quem-sabe, a gente criatura ainda é tão ruim, tão, que Deus só pode às vezes manobrar com os homens andando por intermédio do diá? Ou que Deus – quando o projeto que ele começa é para muito adiante, a ruindade nativa do homem só é capaz de ver o aproximo de Deus é em figura do Outro?“



Convidados



João Adolfo Hansen: professor de literatura da Universidade de São Paulo e autor de A Ficção da Literatura em Grande Sertão: Veredas.



Luiz Roncari: Professor de literatura da Universidade de São Paulo e autor de Lutas e Auroras – Os avessos do Grande Sertão: Veredas e O Brasil de Rosa: O amor e o poder.



Willi Bolle: Professor de literatura da Universidade de São Paulo e autor de Grandesertão.br – o romance de formação do Brasil.







Referências




* O O. A Ficção de Literatura em Grande Sertão: Veredas; e “Grande Sertão: Veredas e o ponto de vista avaliativo do autor”, em Asa da Palavra, v. 10, 2008, de João Adolfo Hansen. 
* Grandesertao.br. – o romance de formação do Brasil; e “Grande Sertão: Cidades”, em Revista USP, v. 24, p. 80-93, 1995, de Willi Bolle.
* Lutas e Auroras – Os avessos do Grande Sertão: Veredas; Buriti do Brasil e da Grécia: patriarcalismo e dionisismo no sertão de Guimarães Rosa; e O Brasil de Rosa (o Amor e o Poder), de Luiz Roncari.
* O roteiro de Deus: dois estudos sobre Guimarães Rosa de Heloísa Vilhena de Araújo. 
* “O mundo misturado: romance e experiência em Guimarães Rosa”, de Davi Arrigucci Jr., em Novos Estudos, n. 40, nov. 1994.
...more
View all episodesView all episodes
Download on the App Store

Estado da ArteBy Estado da Arte