Embora seja apenas um subgênero literário, o Romance de Formação é uma das expressões artísticas mais universais e familiares. Quase nenhum leitor viveu nas paisagens bucólicas da poesia pastoril, ou sobreviveu às aventuras das epopeias ou aos dramas letais das tragédias – e qualquer um evita ser protagonista das farsas cômicas – , mas todo mundo já foi, ou é, jovem. Todos provaram as primeiras emoções do amor e do sexo; tiveram dúvidas sobre seu destino pessoal, sua vocação profissional, seu papel no teatro social e político; se deslumbraram com visões metafísicas, éticas e estéticas, e se frustraram com suas incongruências. Todo adulto se formou quando jovem e forma os jovens de hoje.
Para o filósofo Wilhelm Dilthey, um dos criadores do termo Bildungsroman, suas narrativas “apresentam o jovem de seu tempo à medida em que adentra a vida em alegre ignorância, buscando almas afins, provando a amizade e o amor, enquanto luta com as duras realidades do mundo, e assim, em multifacetados encontros com a vida, amadurece, encontra-se a si mesmo, e reconhece sua missão no universo”. Em sentido amplo essa jornada arquetípica já fora vivida por jovens antigos como o babilônico Gilgamesh, passando pelos bíblicos José, Moisés ou Davi, até a odisseia do grego Telêmaco ou a do bárbaro cristão Percival. Em senso estrito, o romance de formação nasce em meio às concepções de cultura e educação iluministas, especificamente na Alemanha com os prototípicos Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister, de Goethe.
Se, como disse Marx, a modernidade é uma “revolução permanente”, a juventude, nas palavras de Franco Moretti, é a “essência da modernidade, o sinal de um mundo que busca o seu sentido no futuro antes que no passado”. E o Romance de Formação, como narrativa da insatisfação e mobilidade interior da juventude, é a sua forma simbólica. Desde o seu despertar, no romantismo, passando pelo seu amadurecimento, no realismo, até suas sucessivas reformas, deformações e transformações pelos movimentos modernistas, a cultura moderna sempre se viu refletida nos romances de formação. Não à toa quase todo grande romancista – de Dickens, Stendhal e Balzac, passando por Flaubert, Jane Austen, Dostoiévski, Mark Twain até Thomas Mann, J.D. Sallinger ou Philip Roth – experimentou de algum modo o gênero.
O que esses romances têm a dizer na era pós-moderna? Como eles refletem os jovens de hoje e formam os de amanhã?
Convidados
Daniel Bonomo: doutor em literatura alemã e professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais.
Marcus Mazzari: professor de literatura comparada da Universidade de São Paulo e organizador do livro Romances de Formação: caminhos e descaminhos do herói.
Rogério Puga: professor de literatura da Universidade Nova de Lisboa e autor de O Bildungsroman.
Referências
* Romance de formação – Caminhos e descaminhos do herói, org. C. Marks e M. Mazzari.
* O Bildungsroman – (Romance de Formação) – Perspectivas, de Rogério Miguel Puga.
* O cânone mínimo. O Bildungsroman na história da literature, de Wilma P. Maas.
* O romance de formação, de Franco Moretti.
* Romantic Prose Fiction: A comparative history of Literatures in European Languages, ed. G. Gillespie, M. Engel, B. Dieterle.
* The Bildungsroman from Goethe to Santayana.
* Change and Continuity: The Bildungsroman in English, de Annike T. Iversen.
* Einführung in den Bildungsroman, de Ortrud Gutjahr.
* Der deutsche Bildungsroman, de Rolf Selbmann.
* Der Roman des Lebens– Die Aktualität der Bildung und ihre Geschichte, de Wilhelm Voßkamp.
* Encyclopedia of Themes in Literature, ed. J. McClinton-Temple.
* The Concise Oxford Dictionary of Literary Therms, ed. Chris Baldick.
* The Routledge Dictionary of Literary Terms, org. P. Childs e R. Fowler.
* The Encyclopedia of the Novel, ed. P.M. Logan.