Imagine um clínico tão competente que foi recrutado pelos chefes de estado mais poderosos de sua época e ainda encontrou tempo para redigir grossos tratados de medicina. Agora imagine um rabino consumido pelas agruras de sua comunidade, capaz de compilar a primeira codificação integral da lei dos judeus e escrever um comentário em 14 volumes às suas tradições exegéticas e jurisprudenciais reunidas no Talmud. E pense num filósofo capaz de sintetizar criticamente toda a filosofia anterior a ponto de determinar os rumos da filosofia contemporânea e da subsequente. Por fim, fusione, se sua imaginação puder, todas essas pessoas numa só. Eis Moisés Maimônides, a “Grande Águia”.
Unindo energicamente prática e conceito, observância externa e sentido interior, ação visível e experiência invisível, lei e filosofia, Maimônides – que longe de gozar da paz de um gabinete acadêmico ou palaciano, peregrinou por anos e milhares de quilômetros como refugiado – foi não só um dos mais versáteis, competentes e hiperativos polímatas de todos os tempos, como nos legou o título possivelmente mais engenhoso da história das letras, o Guia dos Perplexos. Pensador pressionado entre Jerusalém e Atenas, influenciou a teologia medieval, dos muçulmanos aos cristãos, além de uma linhagem de filósofos e cientistas modernos como Leibniz ou Newton. Fiel à fé de seu povo, combateu o racionalismo, fonte do ceticismo, do agnosticismo e do relativismo que ameaçam a religião positiva. Fiel à razão universal, combateu o puritanismo dogmático que prega a oposição absoluta entre a sabedoria divina e a humana, ameaçando com sua intolerância a cultura secular e cosmopolita. Como disse Kenneth Seeskin, “Ao tentar aproximar o judaísmo e a filosofia, ele não deixou nenhum dos dois como os encontrou. Se o judaísmo se tornou mais rigoroso na defesa de suas crenças centrais, a filosofia se tornou mais disposta a enfrentar suas limitações.” Desde então, a história intelectual judaica é em certa medida um debate sobre a posição de Moisés Maimônides. Não à toa um dito já popular em sua época acabou gravado pelos séculos dos séculos em seu túmulo no litoral do mar da Galileia: “De Moisés a Moisés, não houve ninguém como Moisés”
Convidados
Francisco Moreno: doutor em Língua, Literatura e Cultura Judaica pela Universidade de São Paulo, médico e pesquisador de História da Medicina.
Nachman Falbel: professor de História, Filosofia Medieval e Cultura Judaica na Universidade de São Paulo.
Ruben Sternschein: Doutor em Filosofia Judaica pela Universidade de São Paulo e rabino da Congregação Israelita Paulista.
Referências
* Maimônides de Gerard Haddad.* Maimônides, o Médico de Sefarad de César Vidal.* Maimônides de Rubén Luis Najmanovich.* Maimônides de Tobias Fenster.* A História de Maimônides de Rachel Yaffe. * Maimônides, um Espírito Universal de Samuel Buzaglo.* Maimônides, o Mestre – Uma pedagogia para o século XXI de Samy Pinto.* The Cambridge Companion to Maimonides editado por Kenneth Seeskin.* Maimonides: The Life and Times of a Medieval Jewish Thinker de Abraham Joshua Heschel.* “Maimonides” verbetes na Jewish Encyclopedia, Stanford Encyclopedia of Philosophy e Biblioteca Filosofica Bompiani.* Du prophète au savant : L’horizon du savoir chez Maïmonide e Maïmonide ou la nostalgie de la sagesse de Géraldine Roux.* Maimonides: Life and Thought de Moshe Halbertal. * “Maimonides”entrevista com John Haldane, Jack Ormut e Peter Adamson para o programa In Our Time, da rádio BBC 4.