Malhete Podcast

O Ouroboros, a cobra que come a cauda


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Por R. Cristiano
Então, o que é o Tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; se eu tivesse que explicar para quem me perguntasse, já não sei. Santo Agostinho - Confissões, XI, 13-14- 3
São palavras de Santo Agostinho, que testemunham com muita eficácia a dificuldade que cada um de nós encontra para definir o Tempo. Em minha condição de maçom, muitas vezes esta pergunta surgiu em minha mente: o tempo que passa, como passa, o que deixa para trás. Irreversível, tudo devora e, ao devorar-se, transforma-se e transforma-se. Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio e tocar duas vezes uma substância mortal no mesmo estado, mas por causa da impetuosidade e velocidade da mudança ela se dispersa e se reúne, vem e vai.
O tempo é aquela dimensão em que o homem apreende sua condição limitada e precária. O leigo, suspenso entre o passado e o futuro, não consegue apreender nada estável. A consciência do tempo é consciência da degradação e da morte, com uma conotação perturbadora. Assim, no indivíduo, muitas vezes há uma recusa e uma aspiração à eternidade, a um eterno presente. Para o maçom, por outro lado, o tempo é de fato um fluxo único e homogêneo no qual estão imersas todas as coisas sujeitas à mudança, mas torna-se principalmente circular e seu símbolo é representado pelo Ouroboros, a cobra que come cauda: o eterno retorno do Igual, em constante evolução.
O que sentimos não é dado pelos segundos, minutos ou horas, mas pela profundidade que damos ao tempo que vivemos, principalmente dentro do Templo, onde o tempo não é mais uma forma vazia que envolve as coisas e os seres, mas se torna a pulsação da própria vida. O tempo real da existência, portanto, não é o dos instrumentos de medição externos, mas o do trabalho maçônico, por meio do qual um irmão consegue entrar em relação com outras consciências. Este é o verdadeiro tempo de liberdade.
A Maçonaria é, de facto, uma ordem iniciática que visa o desenvolvimento moral e espiritual da pessoa, através de rituais que constituem um “retorno às origens” porque se reproduz um gesto arquetípico capaz de regenerar o tempo e lutar contra o devir não tenho tempo nem lugar; fora do Tempo e do espaço, meu ser espiritual vive sua existência eterna. O ritual torna-se um meio extraordinário através do qual o Tempo histórico "pára" para criar uma tensão que se projecta para o Grande Tempo da Obra Sublime. Através do ritual, um Maçom controla e dirige o tempo, torna-se seu mestre; deixe-me ser claro, certamente não me refiro ao mensurável e catalogável segundo as leis da física profana, mas ao iniciático, que é infinito, ou seja, projeta e mistura, liquefaz, funde alquimicamente, no eterno essência do Ser. Esta é a maravilhosa transfiguração alquímica: o tempo profano, ou seja, de chumbo, que se transforma em tempo iniciático, ou seja, dourado. O tempo maçônico representa o espaço usufruído por todos os Irmãos, que se desenvolve através de ritmos individuais peculiares, desprovidos de qualquer classificação ou catalogação. No templo maçônico, durante o trabalho da Loja, o tempo permanece "encantado" enquanto o ritual se expressa e se expande em toda a sua força. O iluminado, o maçom, torna-se um liberto na vida e, justamente por isso, consegue superar o Tempo, no sentido de que não participa mais de sua duração. ... o sol permanece imóvel, mas depois de ter subido ao zênite não nascerá e não descansará novamente. Será realizado sozinho no Centro... nunca se pôs, nunca surgiu.
O sol, ou seja, o tempo, permanece parado para quem sabe.
Fonte: Expartibus.
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Malhete PodcastBy Luiz Sérgio F. Castro