Hoje eu separei essa imagem, ela é uma das 211 fotos que fazem parte do meu livro, cujo título é Corpo e Alma, publicado em 2004. É sobre uma viagem pelo Brasil, em preto e branco.
Um dia eu fui fotografar o pintor Gaúcho Iberê Camargo, um grande artista plástico, lá em Porto Alegre. No meio da sessão de fotos o telefone tocou, gentilmente o artista me pediu licença e atendeu no cantinho do seu ateliê, nem sei quem era, mas eu ouvi ele dizer ao interlocutor uma frase que eu tomei como lição “o depois não existe, principalmente quando se lida com imagens”. Não sei qual era o tema e o assunto da conversa, mas aquela frase nunca me saiu da cabeça, principalmente eu que lido com imagens, ou seja, o depois não existe.
Oito anos depois, em 1999, eu estava no litoral do Ceará fazendo uma reportagem sobre vacinação. Eu estava preocupado em não atrasar a equipe do Ministério da Saúde que ia me apanhar em um hotel daqueles bacanas que ficam ali na Orla do Ceará. E fiquei ali com a minha mala pronta e câmera, esperando o Jipe da equipe que me apanhasse. E não deu outra, fiquei olhando aquela beleza de mar azul e de repente eu vi uma cena que martelou minha cabeça durante um mês. Quando eu levantei a câmera para fazer a imagem, o pessoal buzinou e eu não tive como adiar o meu embarque e eu voltei para casa com aquela imagem martelando na minha cabeça.
Até que um dia lá por volta da meia noite, eu não resisti. Eu sabia que havia um voo da Varig que saia de Brasília por volta de uma da manhã e depois de uma ou duas escalas pousava em Fortaleza, antes do sol nascer. Para me livrar daquele fantasma da foto perdida, que é um dos diabos que frequentam e aterrorizam a cabeça de um fotógrafo, eu embarquei para o Ceará.
Aluguei um automóvel no aeroporto e bem de manhãzinha eu estava em Beberibe. Estacionei o carro que eu aluguei, no mesmo lugar, o paredão da Praia das Fontes. Tal e qual eu havia visto meses atrás, lá estava esse menino que você está vendo aí, no mesmo divertimento rotineiro. Ajudado pela irmã, ele construía pequenos montes de areia e depois ficava observando a orelha das ondas desfazendo os castelos de areia.
Por fim, correu em direção aos arrecifes, que são aquelas pedras que ficam na franja da água, recolhido ele deitou-se em uma daquelas poças de água, aqueles laguinhos miúdos e rasos que se formam ali quando a maré baixa. Tal e qual eu havia visto semanas atrás de onde eu estava, no mesmíssimo balcão de falésia onde o jipe me apanhara há um mês atrás.
Eu feliz por ter feito a foto, tomei o avião de volta impressionado com a imagem daquele garoto em forma de embrião e me lembrei, realmente o artista plástico Iberê Camargo tinha razão, o depois não existe, mas nesse caso aí foi uma exceção, existiu.
Todas as minhas fotos tem nome, título. Eu acho que a fotografia merece uma identidade maior por parte do seu autor. E foi por isso que eu inventei um nome para ela, Terra Mater.
Espero que você tenha gostado do Podcast de hoje.
Um abraço, Orlando Brito.