Certa vez, Thomas Hobbes, encontrando por acaso na biblioteca de um amigo um livro aberto na demonstração do teorema de Pitágoras, exclamou: “Por Deus, isso é impossível!” Retomando a cadeia de proposições, ele se convenceu e se apaixonou pela geometria. Era o livro dos Elementos de Euclides, não só o mais antigo tratamento dedutivo de matemática em larga escala a chegar a nós, mas também a obra mais renomada de toda história da matemática. Foi uma das primeiras publicações a ser impressa após a invenção da imprensa e, com a única exceção da Bíblia, é a mais traduzida, comentada e estudada, ultrapassando de longe mil edições. Por séculos, enquanto o quadrivium das Artes Liberais esteve vigente, fez parte do currículo básico de todo estudante universitário, e só a partir do século XX deixou de ser considerado um pressuposto entre as leituras de toda pessoa culta.
Desbravadores da ciência moderna como Copérnico, Kepler, Descartes, Galileo, Fermat e Newton foram todos influenciados pelos Elementos e aplicaram seu conhecimento às suas obras. Pensadores como Baruch Spinoza, Alfred North Whitehead, Bertrand Russell e Ludwig von Mises admiraram e emularam Euclides na tentativa de adotar métodos axiomáticos e estruturas dedutivas a fim de criar seus próprios Elementos fundacionais para suas respectivas disciplinas, e há quem defenda que o sistema axiomático de Euclides inspirou a estrutura da Declaração de Independência norte-americana. Abraham Lincoln, por sinal, mantinha desde jovem uma edição dos Elementos em seu alforje e a estudava a altas horas à luz de lampião. Certa vez ele disse de si para si: “’Você jamais poderá ser um jurista se não entender o que significa uma demonstração’; e eu …. voltei para a casa de meu pai, e permaneci ali até que eu pudesse oferecer qualquer proposição dos seis livros de Euclides de imediato.” Albert Einstein lembrava-se de que quando criança uma cópia dos Elementos, junto com uma bússola magnética, foi o presente que mais o influenciou, e referia-se a ele como “o santo livrinho de geometria”. A poetisa Edna St. Vincent Millay anunciava no título de um poema “Só Euclides vislumbrou a Beleza nua”, e no mesmo diapasão o historiador da ciência George Sarton declarou: Euclides “criou um monumento que é tão maravilhoso em sua simetria, beleza interior e clareza como o Partenon, mas incomparavelmente mais complexo e mais durável”.
Convidados
Irineu Bicudo: professor titular do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista e tradutor dos Elementos.
João Cortese: Doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo e em Epistemologia e História da Ciência pela Universidade Paris 7.
Tiago Tranjan: Professor doutor de Lógica e Filosofia da Matemática da Universidade Federal de São Paulo.
Referências
* História da matemática de Tatiana Roque.
* The Oxford Handbook of The History of Mathematics editado por E. Robson e J. Stedall.
* A History of Mathematics de U.C. Merzbach e C.B. Boyer.
* Dans l’oeil du compass: la géométrie d’Euclide à Einteinde L. Milodinow.
* “Euclid and His Time” em Ancient Science and Modern Civilization de George Sarton.
* Classics in the History of Greek Mathematics editado por Jean Christianidis.
* Euclid – The Creation of Mathematics de Benno Artmann.
* A Short Account of the History of Mathematics de W.W. Rouse Ball.
* Geometry: Euclid and Beyond de Robin Hartshorne.
* A Manual of Greek Mathematics de Thomas Heath.
* “Euclid’s Elements” entrevista radiofônica em In Our Time.
* The History of Mathematical Proof in Ancient Traditions editado por K. Chemla.
* Geometry Civilized: History, Culture, and Technique.
* Philosophy of Mathematics and Deductive Structure in Euclid’s Elements de Ian Mueller.
Apresentação: Marcelo Consentino