Malhete Podcast

Os Quatro Fantasmas de Bacon # 345


Listen Later

Por José Carlos Serufo
Quando se trata de estabelecer ou verificar um axioma, o exemplo negativo tem mais peso. Ave, Francis!
A história da ciência matiza luz e sangue. Muitos se transformaram em heróis com suas descobertas, outros perderam suas vidas ao defendê-las. Obstáculos, verdadeiros fantasmas, nevoeiros densos opõem-se à busca do conhecimento. Ao contrário do dístico introdutório, sabe-se que o exemplo negativo pode conter vieses e não ter mais peso do que outros, mas o encontro de um fato negativo refuta a confirmação da hipótese.
Não é pretensão deste ensaio discutir a evolução da filosofia e os caminhos da epistemologia. Pretende-se apresentar parte do trabalho excepcional, pois escrito há 500 anos, que deu um norte arrazoado à experimentação científica nos séculos seguintes. O renomado filósofo Karl Popper, no século XX, relatou que devia muito a Francis Bacon.
Francis Bacon (1561-1626), formado em advocacia em 1576, em Cambridge, contestou a afirmação medieval de que a verdade poderia ser elucidada por meio de pouca observação e farto raciocínio. Nomeado Barão de Verulan, em 1618, e Visconde de St. Albans, em 1621, considerado o “Pai do Método Experimental”, formulou as teorias que fundamentaram a ciência moderna. Esse rosacruziano, grande chanceler do Rei maçom James I da Inglaterra, descreveu, no seu livro Novum Organum (1620), os quatro grandes abantesmas:
Idola Tribus. Fantasmas da raça ou da tribo. É o mal maior da família humana. Ligado à natureza humana, o antropocentrismo, inato ao homem, submete todas as coisas ao seu juízo. Generaliza o que lhe é favorável e omite o desfavorável. Salienta que o intelecto humano é um espelho tortuoso que reflete desigualmente as imagens das coisas.
Idola Specus. Fantasmas da caverna. Remetem ao sujeito individual volátil, psicologicozinho, no sentido moderno, voltado para as profundezas das suas furnas, marca tudo com seu selo pessoal. Urina nos recantos da mente. Semelhante à República de Platão, cada pessoa habita sua própria caverna. Se sai desta, a luz do sol ofusca a visão do real. Se espera, consegue ver a realidade do que antes eram sombras. Aí, o real aproxima-se da verdade. Ao voltar à caverna, o inverso ocorre, e o conflito se instala. O conflito entre a verdade do seu agora real e a “verdade da sombra”. A defesa da “nova face verdade” poderá destruí-lo. O comportamento humano é sujeito a múltiplas perturbações e, até mesmo, ao acaso. Por útil, distorce o real, ajustando-o ao seu imaginário. Por fim, sem saída, vê-se obrigado a optar, por questão de sobrevivência, entre o rótulo e a realidade... Ou a loucura.
Idola Fori. Fantasmas da praça pública. Nascidos do comércio e da associação entre os homens, da linguagem com que se comunicam: perdem-se em nomenclaturas, em equívocos, em expressões vulgares. Desgarram-se na obscuridade de um discurso fútil, “proporcional à inteligência dos espíritos inferiores”. Perturbações e crenças alojam-se no intelecto, resistem aos conceitos e às fórmulas. Nem as explicações de homens doutos restituem as coisas ao seu lugar. Como exemplo, o medo de morrer de uma determinada doença, socialmente rotulada, pode ser tão intenso, que o imunizado cognitivo acaba morrendo de outra doença, insidiosa à sua percepção, porém factível de prevenção ou de tratamento oportuno. O indivíduo em pânico ouve e escuta apenas aqueles que reforçam sua crença. Outro exemplo, a mulher deve vestir-se sobriamente em público, a ponto de ser, em certas praças, obrigada a cobrir-se totalmente, sob o argumento de que não pode despertar outros homens. Acaba assim por se anular e sequer despertar seu próprio marido. Ainda há lugares em que a mulher não pode estudar e frequentar encontros sociais. O mundo segue desigual na busca da igualdade.
Idola Theatri. Fantasmas do teatro. Representam o cenário mundano das filosofias baratas, onde são montados para buscar credulidade geral, são peças forjadas, representações que se movimentam de boca em boca, cujo únic
...more
View all episodesView all episodes
Download on the App Store

Malhete PodcastBy Luiz Sérgio F. Castro