Malhete Podcast

SER OU NÃO SER... MAÇOM


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Por Mário dos Santos Gomes
A conhecida e dramática frase "ser ou não ser, eis a questão" reflete a angústia existencial e a dúvida antológica do príncipe na obra "A Tragédia de Hamlet, Príncipe da Dinamarca", escrita por William Shakespeare (1564-1616) na virada do século XVII, onde o famoso personagem medita sobre o dilema de vingar ou não a morte do pai. Essa situação decorre de Hamlet se ver diante de uma realidade que não era a que imaginava, sendo subitamente colocado diante de revelações do fantasma de seu pai, demonstrando que seu mundo perfeito era uma farsa, diante da complacência da corte. O momento dessa descoberta da verdade dos fatos também está registrado na célebre frase “há algo de podre no reino da Dinamarca”.
A situação de dúvida relatada acima é uma constante que assombra o ser humano em sua trajetória terrena, presente em momentos decisivos e imbuída de dualidades, envolvendo o que queremos ser ou o que podemos ser. Enfim, como viver a vida. Alguns chegam a dizer que felizes são aqueles que, vivendo permanentemente alienados e não se confrontando com embates de verdades, não percebem as realidades do mundo e fazem o seu caminho de forma intransigente ou por vezes também construída ou fruto de uma mito onde cada um o percebe de uma forma diferente, assim representado na famosa "Alegoria da Caverna" ou "Mito da Caverna", uma passagem de "A República", do filósofo grego Platão (400 aC).
É sabido que ao longo da história muitas pessoas buscam se estruturar em clubes de serviço, grupos, associações, fraternidades, entidades com os mais variados objetivos, materiais, sociais, culturais, religiosos, civis, etc., onde a cooperação, a partilha, a ajuda mútua e a solidariedade prevalecem. Cabe aos membros e administradores dessas entidades, entre outras ações, encontrar pessoas com as qualificações necessárias e ideais para dar continuidade ao trabalho, que estejam plenamente empenhadas e envolvidas na garantia do alcance dos objetivos definidos.
A Ordem Maçónica não foge a esta receita, pelo que condiciona a seleção dos seus futuros membros a valores estritos como a probidade, a honra imaculada e a boa cidadania, pois neste aspecto reside a sua força. Aceite a proposta de admissão e passada a fase de investigação e iniciação ritual, inculcam-se outros valores em estudos e discussões regulares, para que o iniciado melhore a tolerância, a compreensão do verdadeiro amor ao próximo e à pátria, despertar o interesse e exaltar a necessidade de trabalhar pela felicidade do gênero humano e a consagração da solidariedade como primeira das virtudes e o combate aos vícios inerentes ao ser humano, objetivo a perseguir constantemente.
Se fossem respeitados os critérios e regras estabelecidos para a seleção e exame dos candidatos, observando-se cautela no processo de avaliação do grau de qualificação e dos valores apresentados pelos potenciais candidatos, não haveria lugar para frustrações e recuos ao longo o caminho maçônico. Apesar disso, por vezes existem procedimentos sumários de seleção e convite, com vista à manutenção ou substituição do quadro de pessoal de determinadas Lojas por um número reduzido de trabalhadores, que conduzem a prejuízos irreversíveis, resultantes do empenho dos valores tão caros a Ordem, permitindo a entrada de pessoas despreparadas, em busca de benefícios, ou com o simples propósito de serem chamados de “irmãos” e dar tapinhas nas costas para demonstrar camaradagem e proximidade.
Por outro lado, mesmo após as medidas cautelares, o próprio iniciado se frustra, pois se vê frustrado em suas expectativas, principalmente pelas falhas dos dirigentes das Lojas em envolvê-lo em atividades que prendam sua atenção ou instruí-lo competentemente nos Princípios da Ordem.
A princípio, o trabalhador começa a dar alguns sinais de insatisfação, como faltar às consultas, às vezes sem uma justificativa coerente, chegar atrasado, cumprimentar um ou outro, e não se interessar pelos assuntos tratados. Muitos ficam mal-humorados, não gostam de reuniões festivas, negligenciam os deveres do cargo, se houver, ou recusam-no, quando convidados a atuar. Assistir aos seminários e reuniões das Lojas de Pesquisa da Escola Maçônica, ou mesmo visitar outras Lojas, está fora de questão. A esse respeito, não é incomum ouvir no “jornal do quartel” que esses irmãos voluntários da escola maçônica inventam ou modificam os rituais ou não sabem do que estão falando, esquecendo que esse fórum é de discussão e atualização.
Quando se trata de patrocinar um candidato, é recorrente o argumento de não conhecer alguém com o perfil adequado. Nas reuniões, quem não está interessado lembra-se sempre de “adiantar o relógio” para que o trabalho não demore mais e não comprometa a visualização do jogo de futebol do dia, da habitual taça, etc. Tudo isso, sem entrar em situações de formação de panelinhas e articulações políticas para o processo de sucessão nas Lojas e sem provocar dissensões entre irmãos, comportamento típico dos discípulos de Bakunin.
Nesse contexto, são necessárias reflexões por parte das Lojas e dos palestrantes que se identificam em uma dessas situações. Quanto às Lojas, várias perguntas podem ser feitas, como:
• O que podemos fazer para envolver os trabalhadores?
• Onde estamos falhando?
• Nossas reuniões são dinâmicas ou são apenas formalidades?
• Temos apresentações de trabalhos que provocam discussão e crescimento intelectual?
• Envolvemos a família em atividades festivas e fraternas?
• Estamos cuidando de nossos aprendizes e colegas, fornecendo suporte de orientação?
No caso do trabalhador, temos questões como:
• O que eu fiz pela Loja?
• Tenho sido regular nas reuniões?
• Estou interessado nos tópicos abordados?
• Eu participo de atividades extra loja?
• Devo recusar cargos ou substituir irmãos ausentes por motivo de força maior?
• Eu visito outras lojas?
• Estou acompanhando o desenvolvimento do(s) meu(s) afilhado(s)?
• Indico novos nomes para compor a Loja?
• Convido irmãos de outras Lojas a nos visitar?
Se nada disso for feito, a Loja poderá seguir um caminho tortuoso que inevitavelmente a levará à extinção. Quanto ao trabalhador, se ele se sente responsável por esta situação, chegou a hora de se colocar como o melancólico Hamlet, onde o "ser" se tornou uma opção e ele agora deve refletir e escolher, sabendo que se não sente não preparado o suficiente para fazer a escolha conscientemente e de acordo com os postulados da Ordem, e chegar à conclusão de que tudo foi apenas uma escolha de segunda mão, seu prazo de validade expirou. Portanto, o próximo passo é tentar descobrir como ficar quieto, confiante de que, se você correr, o bug não pegará.
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Malhete PodcastBy Luiz Sérgio F. Castro