O episódio "A Garçonete", de "Crônicas do Fim do Mundo" foi produzido por Caio Salgado.
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Transcrição
Há erros que não podem ser cometidos...
Nunca acreditei em sorte, ou nas oportunidades que a vida dá. Mas eu não sou a melhor pessoa para contar histórias de sucesso. Afinal, gente como eu nasce para servir e se aproveitar, como ratos, dos restos que animais superiores deixam cair pelos cantos.
Esses restos compram a nossa fidelidade.
O medo de perdermos a relação de comensalismo que nos mantém nos leva a fazer tudo o que o grande animal ordena. De comprar docinhos para o aniversário de sua avó a seguir garçonetes, que saem do trabalho carregando sacos de papel que não deviam estar mal escondidas por baixo de um sobretudo.
A cafeteria, que agora é uma cena de crime, abriu suas portas para mais pessoas durante o dia do que recebe clientes em uma semana inteira. Em dias assim é fácil observar e identificar quem está escondendo alguma coisa. Quando, de cinco em cinco minutos, uma jovem abre a porta de vidro para fumar, você tem um perfil. Em oito horas, foram exatamente vinte cigarros. O último, acendido ao fim do expediente.
Ela joga o maço vazio na lixeira, coloca o capacete e sobe em sua vespa vermelha.
Seus cachos amarelo ouro se escondem por baixo do capacete.
Essa vida de garçonete deve ser uma merda, mesmo. Se eu ficasse servindo cafezinhos de trás de um balcão eu certamente me apegaria à primeira chance de sair dessa vida. Mas é tanta inocência pensar que ninguém viria atrás daquele saco de papel?
Ela passa pelas lombadas sem desacelerar. Não procura refúgio. Dirige-se diretamente para a saída da cidade.
Os cigarros alimentaram-na durante o dia. Agora não mais. Ela estaciona no primeiro posto de gasolina à beira da rodovia e se encaminha para o restaurante. De longe, posso vê-la, através do vidro.
Coitadinha, está tão encantada com o saco de papel. Ou melhor, com o que está dentro dele, que esquece a fome por alguns instantes.
Será que ela já está pensando como será seu futuro? Uma vida nova, numa cidadezinha do interior, sem preocupações e, se tudo der certo, com um marido, filhos e um gato.
É bom ter sonhos. Mesmo sabendo que eles jamais se realizarão.
É bom que ela procure um lugar isolado para buscar um recomeço.
De volta à estrada, o Sol se esconde e as luzes dos carros começam a tomar cor. O pequeno círculo amarelado da vespa brilha e me guia.
Enquanto isso, fico aqui, pensando um pouco mais sobre os erros que cometemos. Por mera esperança ou qualquer outro sentimento banal, arriscamos tudo por chances mínimas de sucesso. Essa jovem que pilota, cerca de cinquenta metros à minha frente, é apenas mais uma sonhadora.
Que pena.
Ela dá seta para a direita.
Ela reduz para entrar em um hotel de beira de estrada.
Eu piso no acelerador.