BECKER, Howard S. Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais. 3ª edição. São Paulo: Hucitec, 1997.
Capítulo 4. A História de Vida e o Mosaico Científico
O quarto capítulo da obra de Becker é destinada à caracterização da “história de vida” como estratégia para a metodologia científica das ciências humanas. Inicialmente, comparando a autobiografia com a história de vida, ressalta o autor que esta é mais fidedigna, sem idealizações, realista. O sociológico que se utiliza dessa metodologia certifica-se de que ela cubra todos os pontos de interesse do estudo, porém sem ser excessivamente ampla.
Esse tipo de perspectiva foi utilizado amplamente durante a década de 1920 pela Universidade de Chicago, quando quase todos os estudos continham alguma análise de documentos pessoais. Naquela cidade, essa metodologia foi utilizada para descrever a sucessão de grupos étnicos e a delinquência juvenil, além de algumas patologias.
A análise de documentos para reconstruir o mosaico de vida é essencial para entender a evolução histórica e cultural de determinado grupo, desde que esses documentos existam e sejam relativamente bem documentados. Cada tipo de documento esclarecerá uma particularidade de certo grupo. Cada estudo irá colaborar para estudos subsequentes, completando o mosaico científico que irá ficar cada vez mais complexo e exigindo novos estudos de aprofundamento.
A importância de cada estudo no quebra cabeça do mosaico científico é exemplificada por Becker utilizando-se dos estudos realizados por Wirth (1928), Hughes (1964) e Park (1952). Os estudos posteriores só devem ser observados através da lente de estudos antecedentes, que explicam e densificam as conclusões obtidas naqueles. O que deve ser analisado, na verdade, é toda a empreitada científica, com todas as suas peças do quebra-cabeça.
A dificuldade do pesquisador nessa metodologia reside, então, na dificuldade de se obter documentos em quantidade e qualidade adequadas. Foi, inclusive, essa dificuldade que teve Becker ao pesquisar comunidades em São Francisco, onde inexistia documentação a respeito.
Aprofundando a análise e importância dos documentos da história de vida, Becker utiliza o exemplo de Jack Roller, um estudo realizado por Shaw, em 1930, na cidade de Chicago.
Inicialmente, esse estudo serviu como pedra de toque para avaliar fenômenos como a delinquência. Nessa esteira, Becker defende que estudos para explicar fenômenos sociológicos, como a criminalidade, devem explicar pelo menos 95% dos casos. Se os cinco por cento restantes forem considerados normais, é provável que os pesquisadores não irão investigá-los profundamente; ao contrário, se a exceção for considerada como negações da teoria, eles provavelmente irão tratá-la com a atenção devida.
Adicionalmente, esse tipo de estudo, ao ser investigativo e relativamente amplo, tangencia áreas ainda não exploradas por pesquisadores, abrindo frentes para novos estudos. Nessa esteira, documentos históricos podem servir para suscitar novos questionamentos a respeito de um tema relativamente hermético. Mais do que qualquer outra metodologia, a história de vida confere sentido ao termo processo, pois analisa os acontecimentos históricos de certo período de tempo a respeito de um determinado objeto.
Para Becker, “uma ampla compreensão da complexidade da empreitada científica pode restaurar o senso de versatilidade e o valor da história de vida”. Deve-se, então, reviver os estudos realizados pela Escola de Chicago, adequando-os à realidade da sociologia moderna.