Neste episódio, mergulhamos na obra clássica de Cícero, “Sobre a Natureza dos Deuses”, para explorar a devastadora crítica que o filósofo romano, através da voz do personagem cético Cotta, faz à visão epicurista dos deuses.A tese epicurista, que Cícero ataca diretamente, postula que os deuses existem como seres eternos e felizes, mas vivem em completa inatividade, sem interagir com o mundo ou sentir emoções humanas como raiva ou favor. Eles seriam apenas contemplativos, modelos de paz absoluta e sem ação.Prepare-se para ouvir como Cícero desmantela essa teologia, questionando:• A vida inativa dos deuses: Como um ser perfeito, eterno e feliz pode não fazer absolutamente nada? Cícero ironiza que até crianças inventam brincadeiras quando ociosas. Ele pergunta o que os deuses fazem para serem felizes, já que a felicidade exige atividade, contemplação ou prazer.• Sua morada e substância: Cícero indaga onde esses deuses vivem e ataca a ideia epicurista de que os deuses têm “quase-corpo” e “quase-sangue”. Ele zomba que essa descrição faz com que os deuses pareçam meras projeções sem realidade, como fantasmas ou holografias, e não seres reais.• A forma humana dos deuses: A atribuição de forma humana aos deuses é vista por Cícero como pura vaidade antropocêntrica. Ele refuta as justificativas epicuristas – como a prólepsis (preconcepção) inata ou a forma humana ser a mais bela – argumentando que essa percepção é culturalmente ensinada e que outras espécies, se tivessem razão, veriam seus próprios membros como a forma mais bela.• A existência como imagens mentais (ídola): Cícero argumenta que, se os deuses são percebidos apenas pela mente através de fluxos de “imagens sutis” (ídola), então eles são indistinguíveis de fantasias ou ilusões, como centauros, quimeras ou figuras históricas mortas há séculos. Ele questiona como se distingue o real do inventado se algo só existe como imagem mental.• A lógica falha de Epicuro: O episódio também aborda as críticas de Cícero à coerência filosófica de Epicuro, incluindo a invenção do “desvio dos átomos” (clinamen ou parénklisis) para justificar o livre-arbítrio, o que Cícero considera uma invenção ad hoc que contradiz a própria física atomista. Ele ainda expõe a recusa de Epicuro em aceitar o princípio do terceiro excluído e sua afirmação absurda de que todos os sentidos dizem a verdade.Com um tom corrosivo e sarcástico, Cícero conclui que a teologia epicurista não consegue descrever os deuses com clareza, transformando-os em meras imagens mentais instáveis, sem substância, morada ou função. A promessa de uma teologia livre de superstições acaba, segundo Cícero, em uma teologia sem sentido.