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E aqui está o monólogo para seu proveito.
Sempre esperei por esse grande dia. O dia da minha aposentadoria. Imaginava que seria uma festança, todo mundo comemorando, brindando porque finalmente eu iria me aposentar. E eu tinha a intuição de que ia passar os meus dias charlando, cuidando do jardim de manhã, lendo poesia à tarde e indo ao teatro à noite.
A realidade me desiludiu.
O que fizeram para mim foi uma festinha de despedida chocha. Compraram um cento de salgados, alguns refrigerantes de quinta categoria e bateram palmas para mim.
Confesso que na hora fiquei um pouco comovida. Até estava vacilando, não sabia mesmo se queria me aposentar de vez ou se queria uma meia aposentadoria, tipo continuar trabalhando, mas recebendo o benefício. No final o dono da empresa praticamente me subornou para que eu fosse sossegar o facho.
Tinha feito um pé de meia, mas aceitei o “suborno” porque, com um plano de saúde na faixa dos dois mil reais, todo dinheiro é bem-vindo.
Estou me aposentando por tempo de serviço. Infelizmente, o salário-mínimo que ganhava dava uma contribuição muito baixa. Se eu fosse me aposentar por idade, o benefício ia ser bem menor. Que mal tem em me aposentar alguns anos mais tarde? Sempre tem a possibilidade de eu me desaposentar.
Era hora de colher os frutos de tantos anos de empenho ao trabalho.
No dia seguinte ao da minha aposentadoria, minha filha Cibele brota na minha porta de mala e cuia. Diz que o relacionamento com aquele traste do meu genro vai de mal a pior. Queria saber se podia ficar comigo por um tempo, já que eu estava viúva e aposentada. “E ia ser até bom, porque poderíamos fazer companhia uma a outra.”
Eu não tenho palavras para descrever o que senti. Como dizia meu irmão, eu estava toda coisada, simplesmente não sabia o que dizer. Eu queria aproveitar os anos que me restavam. Sabe lá Deus quanto tempo mais eu tinha nessa terra. E ter companhia em casa até que ia ser uma mão na roda. Sempre fui muito ativa. Consigo tomar conta do meu próprio nariz sem a ajuda de ninguém. Eu não me troco por nenhum desses marmanjos que vejo por aí, completamente sedentários o dia na frente do computador. Mas se eu viver até os 95 anos e lúcida, como foi o caso da minha mãe, vou precisar da ajuda de alguém.
Só que o bicho pega é que a Cibele tem uma filha. E eu gosto muito de minha netinha, mas ela não dá folga nem um minuto. Está sempre perguntando isso, pedindo aquilo, e o pior é que não quer mais nem estudar. E isso desde miudinha, já se via que era preguiçosa e não ia dar para muita coisa. E hoje com 23 anos é que não tem mais esperança mesmo.
No final, não disse nem que sim nem que não. Disse que ia ver, mas vou ficar cozinhando a Cibele no banho-maria para ver até quando ela aguenta. Se eu não me apressar em dizer sim, ela mesma há de encontrar outra solução.