Recordemo-nos ter Cristo apelado para o que existia “no princípio”, quando foi interrogado sobre a unidade e a indissolubilidade do matrimônio. Citou as palavras escritas nos primeiros capítulos do Gênesis. Procuramos por isso, no decurso das presentes reflexões, penetrar no sentido próprio destas palavras e destes capítulos. O significado da unidade original do homem, que Deus criou “macho e fêmea”, obtém-se (particularmente à luz de Gênesis 2, 23) conhecendo o homem na completa dotação do seu ser, isto é, em toda a riqueza daquele mistério da criação, que está na base da antropologia teológica. Este conhecimento, quer dizer, a busca da identidade humana daquele que no princípio está “só”, deve passar sempre através da dualidade, da “comunhão”. Recordemo-nos da passagem de Gênesis 2, 23: “Ao vê-la, o homem exclamou: ‘Esta é realmente o osso dos meus ossos e a carne da minha carne. Chamar-se-á mulher, visto ter sido tirada do homem'”. À luz deste texto, compreendemos que o conhecimento do homem passa pela masculinidade e pela feminilidade, que são como duas “encarnações” da mesma solidão metafísica, diante de Deus e do mundo —como dois modos de “ser corpo” e ao mesmo tempo homem, que se complementam reciprocamente— como duas dimensões complementares da autoconsciência e da autodeterminação e, ao mesmo tempo, como duas consciências complementares do significado do corpo. Como já mostra Gênesis 2, 23, a feminilidade encontra-se, em certo sentido, a si mesma, diante da masculinidade, ao passo que a masculinidade se confirma através da feminilidade. Precisamente a função do sexo, que é, em certo sentido, “constitutivo da pessoa” (não apenas “atributo da pessoa”), mostra quão profundamente o ser humano, com toda a sua solidão espiritual, com a unicidade e irrepetibilidade própria da pessoa, é constituído pelo corpo como “ele” e como “ela”. A presença do elemento feminino, ao lado do masculino e juntamente com ele, tem o significado dum enriquecimento para o homem em toda a perspectiva da sua história, incluindo a história da salvação. Todo este ensinamento sobre a unidade foi já expresso originalmente em Gênesis 2, 23.