Se o neofascismo patrocinado pelo governo federal invadiu todos os terrenos da sociedade brasileira, da educação à saúde, do meio ambiente às relações internacionais, da economia ao comportamento, por que o esporte haveria de ficar de fora?
Nos últimos dias, numa sucessão que parecia um compacto dos piores momentos, Bolsonaro conseguiu puxar o ataque para mais um 7x1 contra a liberdade e a democracia.
A condenação pelo tribunal desportivo da jogadora de vôlei Carol Solberg, que se manifestou criticamente ao presidente depois de um jogo (“Fora, Bolsonaro!”), sublinhou a lei não escrita da liberdade relativa, que confunde valores universais com interesses de governo. Como cidadã, ela não apenas pode como deve se manifestar na arena pública sempre que julgar relevante.
O que mais chamou atenção foi a decisão que reforça a tendência de fazer valer pesos e medidas diferentes. No mesmo esporte, quando o caso foi de aprovação do presidente, como fizeram os jogadores Maurício e Wallace, a leitura foi a da liberdade de opinião. Quando é de crítica, considera-se uma extrapolação dos objetivos do esporte, passível de punição e ameaça de corte de patrocínio por empresas públicas (“públicas” e não “governamentais”, bem entendido).
Se os atletas decidissem abrir mão de participação no diálogo público, não teríamos os gestos de Jesse Owen que afrontaram o nazismo de Hitler e, mais recentemente, dos atletas do basquete norte-americano contra o racismo, ou do piloto Lewis Hamilton em favor do black lives matter.
São atitudes que mostram que o esporte, com seu poder de mobilização social, não é vizinho indesejável da política, mas uma de suas formas de expressão privilegiada.
Já conhecemos bem o potencial de manipulação do esporte pelos detentores do poder. Se o exemplo mais marcante, no caso do futebol, foi a Copa do Mundo da Itália, de 1934, no auge do fascismo, outros torneios, entre eles as Olimpíadas, sempre se prestaram ao uso ideológico, da afirmação de raças superiores ao expurgo de países ou retirada de delegações como forma de protesto.
Entre nós, quem já passou dos 60 se lembra do alienante “pra frente Brasil”, retomado saudosamente por Regina Duarte em sua patética passagem pela Secretaria de Cultura.
Outro caso recente envolveu a transmissão do jogo das eliminatórias da Copa do Mundo, entre Brasil e Peru, que não foi transmitido pela TV aberta, o que se não é inédito é pelo menos muito raro. Numa queda de braço entre Globo e Planalto, não faltam desrazão nos dois lados. Não é fácil dar vitória para qualquer desses times.
De um lado, o interesse no monopólio que se tornou quase uma regra; de outro, o propósito em se vingar do que julga ser uma perseguição. Costuma-se dizer que o conflito ético é uma situação na qual os dois lados estão certos. Neste caso, o avesso da moral pública mostra como os dois times em campo podem estar errados.
No entanto, o que é mais grave é o prejuízo para o público, que deveria ser o principal ativo no caso de transmissões esportivas. O governo federal apressou-se em divulgar que a partida só seria assistida por compradores de uma assinatura de canal de streaming, de pouca circulação, valorizando o mercado da TV paga, em detrimento da empresa inimiga.
Do outro lado, a emissora global rebaixou o patamar de informações sobre a partida, deixando seu público desinformado, na mais canalha prática que prega que o que a Globo não mostra, não existiu.