Eu só soltei as duas mãos do guidon da bicicleta com 18 anos. Desde criança eu ando de bicicleta, segundo minha mãe, tardiamente comparado às outras crianças, lá pelos 7 anos dei minha primeira pedalada, acredito que consegui soltar uma das mãos apenas com 13 anos, mesmo assim ou era a mão direita ou a esquerda, nunca as duas.
Eu não sei ao certo o que causava esse medo, afinal era medo? Não sei até hoje, mas devia ser. O tempo passou, passei pelas turbulências da adolescência, e ou era a mão direita ou a esquerda, dei meu primeiro beijo, entrei na minha primeira briga, escrevi um livro, escrevi minhas primeiras músicas, aprendi a tocar violão e ainda nesse tempo ou era uma mão ou outra na bicicleta.
Passei por tantas coisas, chorei, sorri, amei, morri, pelo menos três vezes, de forma figurada, mas apenas uma mão por vez soltava do guidon da bicicleta.
Acabei a escola, passei as férias e mesmo assim eu mantinha uma mão, fiz vestibular, aprendi coisas novas, passei no vestibular mesmo odiando matemática e puta que pariu a minha mão não solta do guidon!
Amei de novo, chorei de novo, sorri outra vez, morri pelo menos mais dez, deixei minha casa, morreram, eu sobrevivi e ainda assim, uma das mãos ficava naquele maldito lugar.
Nessa parte me adianto em dizer que foi só no ano passado em que olhei o horizonte e não me importei de cair, não me importei nenhum pouco, eu lembro a rua, a hora e o dia e também lembro do meu sorriso ao conseguir, tirei a mão esquerda e lentamente subi a mão direita. No momento em que aconteceu, todas as memórias vieram na minha cabeça, me desequilibrei num ato falho e um caminhão me atropelou fazendo com que minha cabeça em migalhas sangrentas se espalhassem pelo asfalto. - Gustavo Sobral (26/09/2019)