'Sim, nós fizemos'; leia a íntegra do discurso de despedida de Obama
DE SÃO PAULO 11/01/2017 08h40
Barack Obama, fez nesta terça-feira (10) seu discurso de despedida da Presidência dos Estados Unidos.
O pronunciamento ocorreu em Chicago, cidade onde o democrata iniciou sua carreira política.
O mandatário fará em 20 de janeiro a transição para o seu sucessor, Donald Trump.
Leia, abaixo, a íntegra do último discurso de Obama.
*
É bom estar em casa. Meus concidadãos americanos, Michelle e eu estamos comovidos com todos os bons votos que recebemos nas últimas semanas. Mas hoje é minha vez de dizer obrigado. Quer tenhamos coincidido em nossas posições ou raramente tenhamos concordado, minhas conversas com vocês, americanos –em salas de estar e escolas; em fazendas e fábricas; em restaurantes populares ou em postos avançados distantes– são o que me mantiveram honesto, me mantiveram inspirado e me deram força para seguir adiante. Aprendi com vocês todos os dias. Vocês me fizeram um presidente melhor e vocês me fizeram um homem melhor.
Vim para Chicago originalmente quando tinha 20 e poucos anos, ainda tentando decifrar quem eu era, ainda à procura de um objetivo na vida. Foi em bairros não muito distantes daqui que comecei a trabalhar com grupos de igreja à sombra de siderúrgicas fechadas. Foi nestas ruas que testemunhei o poder da fé e a dignidade discreta de pessoas trabalhadoras confrontadas com dificuldades e perdas. Foi aqui que aprendi que a transformação só acontece quando pessoas comuns se envolvem, se engajam e se unem para reivindicá-la.
Após oito anos como seu presidente, ainda acredito nisso. E não sou apenas eu quem acredita. Esse é o coração latejante de nossa ideia americana –nosso experimento ousado com o autogoverno.
É a convicção de que todos fomos criados iguais, dotados por nosso Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade.
É a insistência em que esses direitos, embora sejam manifestos, nunca foram autoexecutados; que nós, o povo, por meio do instrumento de nossa democracia, podemos formar uma união mais perfeita.
Essa é a grande dádiva que nossos fundadores nos legaram. A liberdade de correr atrás de nossos sonhos individuais, com nossa suor, trabalho e imaginação –e o imperativo de lutarmos juntos, também, para alcançar um bem maior.
Há 240 anos o chamado de nossa nação à cidadania confere trabalho e objetivos a cada nova geração. Foi esse chamado que levou patriotas a escolher a república e não a tirania, que levou os pioneiros a abrir caminho rumo ao oeste do país, que inspirou escravos a aventurar-se naquele caminho arriscado rumo à liberdade. Foi o que atraiu imigrantes e refugiados a cruzar oceanos e o rio Grande, que impeliu mulheres a buscar o direito de votar, que inspirou trabalhadores a se organizar. Foi por isso que soldados americanos sacrificaram suas vidas na praia de Omaha e em Iwo Jima, no Iraque e no Afeganistão; foi por isso que homens e mulheres de Selma a Stonewall se dispuseram de sacrificar as suas, também.
Então é isso o que queremos dizer quando falamos que a América é excepcional. Não que nosso país tenha sido perfeito desde o começo, mas que demonstramos a capacidade de mudar e de melhorar a vida daqueles que vêm depois.
Sim, nosso progresso tem sido desigual. O trabalho da democracia sempre foi árduo, contencioso e por vezes sangrento. Para cada dois passos à frente, muitas vezes temos a impressão de termos recuado um. Mas o longo avanço da América vem sendo definido pelo movimento para frente, por uma constante ampliação de nosso credo fundador, de modo a abraçar todos, e não apenas alguns.
Se eu tivesse lhes dito oito anos atrás que a América reverteria uma grande recessão, revigoraria nossa indústria automotiva e daria início à fase mais longa de geração de empregos de nossa história... se eu tivesse dito que abriríamos um capítulo novo com o povo cubano, que fecharíamos o programa iraniano de armas nucleares sem disparar um único tiro e que eliminaríamos o arquiteto do 11 de setembro... se eu tivesse dito que conquistaríamos o casamento entre pessoas do mesmo sexo e que garantiríamos a outros 20 milhões de nossos concidadãos o direito a um plano de saúde –vocês talvez tivessem dito que estávamos querendo demais.
Mas foi o que fizemos. Foi o que vocês fizeram. Vocês foram a transformação. Vocês responderam às esperanças das pessoas, e por causa de vocês, segundo praticamente qualquer critério, a América é um lugar melhor e mais forte hoje do que era quando começamos.
Dentro de dez dias o mundo vai assistir a um ato que caracteriza nossa democracia: a transferência pacífica de poder de um presidente livremente eleito a outro. Prometi ao presidente eleito Trump que minha administração asseguraria a transição mais tranquila possível, como o presidente Bush fez comigo. Porque cabe a todos nós assegurar que nosso governo possa nos ajudar a fazer frente aos muitos desafios que ainda enfrentamos.
Dispomos do que precisamos para isso. Afinal, ainda somos o país mais rico, mais poderoso e mais respeitado da Terra. Nossa juventude e garra, nossa diversidade e abertura, nossa capacidade ilimitada de risco e reinvenção significam que o futuro deve nos pertencer.
Mas esse potencial só será realizado se nossa democracia funcionar. Será realizado apenas se nossa política refletir a decência de nosso povo. Apenas se todos nós, independentemente de nossa filiação partidária ou de nossos interesses particulares, ajudarmos a restaurar o senso de objetivos comuns que nos é tão seriamente necessário agora.
É disso que quero tratar hoje: o estado de nossa democracia.
Entendam que a democracia não requer uniformidade. Nossos fundadores brigaram, fizeram concessões e esperaram que fizéssemos o mesmo. Mas eles sabiam que a democracia requer, sim, um senso básico de solidariedade –a ideia de que, não obstante todas nossas diferenças externas, estamos nesta juntos; que nos elevamos ou tombamos com um só.
Houve momentos ao longo de nossa história que ameaçaram romper essa solidariedade. O início deste século tem sido um desses momentos. Um mundo cada vez menor, a desigualdade crescente; as mudanças demográficas e o espectro do terrorismo –essas forças puseram à prova não apenas nossa segurança e prosperidade, mas também nossa democracia. E o modo como enfrentamos esses desafios à nossa democracia vai determinar nossa capacidade de educar nossos filhos, gerar bons empregos e proteger nossa pátria.
Em outras palavras, vai determinar nosso futuro.
Nossa democracia não vai funcionar sem a ideia de que todos têm oportunidades econômicas. Hoje a economia está crescendo outra vez; os salários, as rendas, o valor dos imóveis e as aposentadorias estão voltando a subir, e a pobreza voltou a diminuir. Os ricos estão pagando uma parcela mais justa de impostos, ao mesmo tempo em que o mercado acionário quebra recordes. O índice de desemprego se aproxima do nível mais baixo em dez anos. O índice de pessoas sem seguro nunca foi mais baixo. Os custos da saúde estão subindo no ritmo mais lento em 50 anos. E, se alguém puder montar um plano que seja comprovadamente melhor que as melhorias que promovemos ao nosso sistema de saúde –que cubra o mesmo número de pessoas a um custo mais baixo-, eu darei apoio público.
É por isso, afinal, que servimos nosso país –para fazer a vida da população ser melhor, não pior.
Mas, apesar de todos os avanços reais que conquistamos, sabemos que não são o suficiente. Nossa economia não funciona tão bem nem cresce tanto quando poucos prosperam às expensas de uma classe média crescente. A desigualdade gritante também corrói nossos princípios democráticos. Enquanto os 10% mais ricos acumularam uma parcela maior da riqueza e receita, muitas famílias demais, nos centros pobres das grandes cidades e nos condados rurais, ficaram para trás: operários de fábricas demitidos, garçonetes e profissionais de saúde que têm dificuldade em pagar suas contas, convencidos de que a situação é armada para ser desfavorável a eles, que seu governo defende apenas os interesses dos poderosos. É uma receita de mais cinismo e polarização de nossa política.
Não existem soluções fáceis para esta tendência de longo prazo. Concordo que nosso comércio deve ser justo, e não apenas livre. Mas a próxima onda de deslocamento econômico não virá dó exterior. Virá como consequência do avanço implacável da automatização, que torna obsoletos muitos empregos bons da classe média.
Por isso precisamos forjar um novo pacto social –para garantir a todos nossos filhos a educação que necessitam; para conferir aos trabalhadores o poder de se sindicalizarem em busca de salários melhores; para modernizar a rede de segurança social de modo a refletir o modo como vivemos hoje e empreender mais reformas tributárias, para que as empresas e os indivíduos que lucram mais com a nova economia não evitem cumprir suas obrigações ao país que possibilitou seu sucesso. Podemos discutir sobre as melhores maneiras de alcançar esses objetivos. Mas não podemos transigir em relação aos próprios objetivos. Pois, se não gerarmos oportunidades para todas as pessoas, os desafetos e divisões que paralisaram nosso progresso vão apenas se intensificar nos próximos anos.
Existe uma segunda ameaça à nossa democracia, uma ameaça que é tão velha quanto nosso próprio país. Após minha eleição, falou-se em uma América pós-racial. Por bem-intencionada que fosse, essa visão nunca foi realista. A raça continua a ser uma força poderosa e divisiva em nossa sociedade. Já vivi o suficiente para saber que as relações raciais estão melhores hoje do que eram dez, 20 ou 30 anos atrás –isso é visível não apenas nas estatísticas, mas nas atitudes de jovens americanos de todo o espectro político.
Mas não chegamos onde precisamos chegar. Todos nós temos mais trabalho a fazer. Afinal, se todo problema econômico é apresentado como uma luta entre uma classe média branca que trabalha arduamente e minorias que não são merecedoras, então trabalhadores de todas as cores serão relegados a disputar as sobras, enquanto os ricos se retiram ainda mais dentro de seus enclaves privados. Se nos negarmos a investir nos filhos de imigrantes, apenas porque eles não se parecem conosco, prejudicaremos as perspectivas futuras de nossos próprios filhos –porque essas crianças morenas vão representar uma parcela maior da força de trabalho da América. E nossa economia não precisa ser um cálculo em que alguns ganham tudo e outros ficam com nada. No ano passado houve um aumento de renda para todas as raças, todas as faixas etárias, para homens e mulheres.
Daqui em diante, precisamos respeitar e implementar as leis contra a discriminação –nas contratações, no setor habitacional, na educação e no sistema de justiça criminal. É o que exigem nossa Constituição e nossos ideais mais elevados. Mas as leis não serão o bastante, por si sós. É preciso que os corações mudem.
文本限制,完整版文本请看链接 http://kuaibao.qq.com/s/20170112A00GLL00