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Neste episódio falamos sobre o conflito entre Elon Musk e a justiça brasileira. Você irá descobrir as nuances do caso X (Twitter) vs. STF, a liberdade de expressão e o bloqueio de redes sociais no país.
Guilherme Goulart e Vinícius Serafim analisam a fundo a polêmica envolvendo Elon Musk e o STF, debatendo os limites da liberdade de expressão e a regulação de redes sociais. A discussão aborda o poder das Big Techs, o papel do X (Twitter) como esfera pública, e as controversas decisões judiciais, como o bloqueio de VPNs e a multa por uso de subterfúgios. O episódio explora as implicações para a soberania digital do Brasil, o combate à desinformação e os desafios do Direito da Tecnologia diante de plataformas globais, mencionando o Marco Civil da Internet e o inquérito das milícias digitais. Não perca esta análise crítica sobre tecnologia e sociedade. Siga, avalie e compartilhe para apoiar o Segurança Legal!.
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ShowNotes
📝 Transcrição do Episódio
00:07) Sejam todos muito bem-vindos e bem-vindas. Estamos de volta com o Segurança Legal, o seu podcast de segurança da informação e direito da tecnologia. Eu sou o Guilherme Goulart e aqui comigo está o meu amigo Vinícius Serafim. De volta, Vinícius! Como está?
De volta, Guilherme, de volta. Estava com uma baita dor de cabeça na última sexta-feira, uma enxaqueca violenta daquela que não deixava pensar. A gente conversou e eu disse: “Cara, não vou conseguir dizer nada que preste”. Do jeito que eu estava, não ia dar nada.
(00:38) E o Guilherme fez um solo. O Dimas, nosso amigo e ouvinte de longa data, encontrou a minha esposa no banco e perguntou: “Escuta, o que tem o Vinícius? Por que ele não estava no último episódio?”. Mas foi uma dor de cabeça violenta que me pegou de tarde e me tirou do sério. Não teve paracetamol que desse jeito. Hoje, estou aqui, descabelado, mas estou de volta. Olá aos nossos ouvintes, que eu não disse.
(01:17) O pessoal lá do grupo também perguntou como estava o Vinícius. Eu comentei com o Hamilton também e disse que foi só uma coisa passageira, uma indisposição. E acontece, às vezes. Agora liguei minha luz para ficar um pouco melhor. Ainda bem, tinha esquecido a luz.
Sempre lembrando que, para nós, é fundamental a participação de todos por meio de perguntas, críticas e sugestões de tema. Para isso, estamos à disposição dos ouvintes pelo e-mail [email protected], no YouTube em youtube.com/segurancalegal, (01:48) onde você pode ver este vídeo, se já não estiver vendo. Mas se quiser ver nossos rostinhos bonitos, também estamos lá no Mastodon, no @[email protected]. E aí que vem a questão, Vinícius: no Twitter ou X, no @segurancalegal, ainda no ar, não sabemos por quanto tempo. Você já ouviu, não tem como fazer mistério, que o assunto de hoje vai ser a questão do Twitter/X, Musk e a justiça brasileira. Fomos atraídos para esse furacão. Depois falamos sobre isso.
(02:31) Mas preciso dizer que temos a nossa campanha de financiamento coletivo no Apoia.se: apoia.se/segurancalegal. Nós conclamamos que vocês contribuam para este projeto independente de produção de conteúdo. Permita, com seu apoio, que o podcast Segurança Legal continue existindo.
Perfeito, Guilherme. Antes de a gente seguir, eu gostaria de trazer um link do nosso amigo Lucas Lago, que esteve em outro podcast famoso por aí, não tão famoso quanto o nosso, mas famoso, o “Medo e Delírio em Brasília”. Ele esteve lá.
(03:11) Mas por que a gente vem agora aqui trazer o link? Ele falou do projeto Cozinhas Solidárias aqui do Rio Grande do Sul, o mapeamento de cozinhas solidárias. E, finalmente, como ele diz, “finalmente saiu”, e aqui está o site. O link é mapacozinhas-rs.org.br. (03:36) O link, obviamente, vai estar no show notes. Então, está aqui o site sobre o projeto, uma iniciativa do CONSEA-RS com apoio do Instituto Aaron Swartz para fornecer informações de qualidade para a população. O site é desenvolvido com solidariedade e software livre, a partir de um fork de um projeto da Silo Arte e Latitude Rural. Dá para cadastrar cozinhas. O Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do Rio Grande do Sul está apoiando esta ideia. (04:14) Tem lá o botãozinho, para quem está olhando no YouTube, para cadastrar a cozinha. Então, quem sabe de cozinhas solidárias ou tem uma, está aí o site do mapeamento de cozinhas solidárias do Aaron Swartz e do CONSEA-RS.
Bom, perfeito. Um abraço, Lucas, valeu! Firmando aquela ideia de como as pessoas podem ajudar de formas muito diferentes, contribuir de formas muito diferentes. Essa é uma delas, com conhecimento também.
(04:52) Perfeito. Vinícius, a gente tem que falar que nós tivemos uma longa discussão antes para saber se íamos falar sobre o caso Musk, o caso Twitter ou X. Se já não tem bastante conteúdo sobre esse tema. A gente tinha programado outra pauta. Eu não sei se falamos ou deixamos em suspenso. Só digo que tem a ver com educação. Então, para quem gosta de educação e tecnologia de maneira geral, a pauta estava pronta. A gente chega agora, sexta, dia 30 de agosto, e o assunto Musk domina os noticiários. (05:31) Tudo que você abre na internet, só se fala nisso, os grupos de WhatsApp e tal. E nós fomos atraídos para o centro do furacão. A gente pensou se falávamos ou não, como eu dizia antes, mas o Vinícius, eu acho, sintetizou bem a coisa, e talvez esse seja um pouco o objetivo do Elon Musk: fica impossível não falar, fica impossível ignorar esse assunto.
(06:13) Até porque, como eu também comentei no nosso último episódio, no episódio solo, a gente tem essa questão das novas formas de buscar atenção, da nova dinâmica das redes sociais e sobre como certos comportamentos geram mais engajamento. E o Elon Musk, nessa história toda, personifica muito bem o Twitter. Ele é um bom representante do Twitter, porque ele age fora da plataforma, nas suas relações e na forma de resolver problemas, com aquela forma que o Twitter funciona. Então, você tem agressividade, memes, quase como um comportamento de um troll.
(06:55) Deboche, debochando. Sim. E isso nos coloca com certa perplexidade, porque este podcast também se propõe a falar sobre temas de tecnologia e sociedade. E quando a gente olha para uma rede social, uma empresa desse tamanho, e um problema dessa complexidade, dessas nuances e dessa profundidade, fica difícil não falar sobre isso também aqui, mesmo que seja um tema um tanto quanto lateral para nós.
(07:30) Sim, a gente comentou várias vezes sobre a questão das redes sociais, e essa é mais uma. E inúmeras vezes sempre em um tom crítico, Guilherme, no sentido de que você não pode confiar nesses lugares como sendo, de fato, um espaço público, que muitas vezes o pessoal acha que é. Cara, se fosse espaço público, tinha que ser do governo, tinha que ser uma coisa pública. Não é um espaço público, é um espaço privado aberto ao público, o que é muito diferente.
Tem uma cidade aqui perto de Três de Maio, perto de Boa Vista do Buricá. (08:10) Uma cidadezinha que eu esqueci o nome, que tem o festival do porco e tal. No meio da cidade, tem uma praça muito legal. E essa praça é um espaço privado, ela pertence a uma pessoa. Inclusive, tem a plaquinha dizendo a quem pertence. Mas é uma praça que te dá (08:43) acesso público. Então, você pode ir lá, sentar, ver os peixinhos. É um lugar agradável, porém um espaço privado. Obviamente, quem é dono daquele espaço põe as regras. E esses espaços que a gente tem, Twitter, Facebook, Instagram, Threads… (09:14) eles nunca foram espaços públicos, nunca foram espaços livres. Sempre tiveram algoritmos para, de alguma maneira, te prender ali dentro. E para te prender, eles têm que criar certas bolhas informacionais e (09:58) te segurar dentro dessas bolhas o maior tempo possível. O Facebook tem um estudo publicado sobre contágio emocional em massa. A gente falou milhares de vezes desse estudo aqui. O próprio pessoal do Facebook fez o estudo, publicou em revista científica renomada e os resultados mostram que há, sim, contágio emocional em massa, há essa possibilidade nas redes sociais.
Mas o que a gente está vendo com o Twitter é uma coisa (10:34) que está exacerbando. E, gente, não achem que é só Alexandre de Moraes, que é o Brasil. Galera, é só procurar as notícias, eu vou largar depois no show notes para vocês. Tem Reuters, CNN Internacional, The Guardian… tem o que vocês quiserem do pessoal chamando a atenção lá fora, nem citando o Brasil. Os caras estão dizendo que o Musk tem um comportamento autoritário dentro do Twitter e que ele tenta influenciar políticas públicas e legislações (11:11) de uma maneira absurda, que nunca se viu. Ou seja, a ponto de algumas matérias, uma do The Guardian, acho que o título é mais ou menos “botar rédeas no Musk”. Então, há essa clara percepção de que ele cruzou a linha no sentido de fazer o que quer com o seu produto, que influencia tanta gente. De novo, gente, Facebook não é santo, com Instagram e tudo mais.
(11:52) Mas o Musk foi a um nível blaster. Parece que ele quebrou uma certa linha em que essas empresas, claramente com seus interesses e seus lobbies em grande parte dos Estados, tinham esses interesses, mas isso ficava um pouco escondido, atrás de um certo véu, talvez um verniz civilizatório. E ele parece que rompe essa barreira, inaugurando uma forma muito diferente de lidar com problemas sérios, não acha?
(12:40) Sim. E, para quem já não está informado sobre isso, o Musk tem um lance pessoal envolvido na brincadeira toda, não só aqui no Brasil, mas de maneira geral, principalmente lá nos Estados Unidos: o fato de o filho dele ter feito uma transição de gênero. Então, hoje seria a filha, que ele não reconhece, e diz que o filho dele morreu e ponto final. Cada um… eu acho absurdo isso, mas enfim. É absurdo o comportamento dele com relação à filha dele. (13:18) Mas ele dá como morto o filho dele. E esse cara entrou numa pira de: “Cara, vou combater o movimento que fez com que meu filho se transformasse, ou morresse”, segundo as palavras dele. Então, quando ele compra o Twitter, ele não está comprando só para um investimento, ele está comprando com um plano ideológico. Exato. Ele não está simplesmente comprando uma empresa, ele está comprando com um fim ideológico. E aí, ele abraçou uma série de teorias e umas bobagens que a gente ouve sendo ditas por aí.
(14:05) E ele demonstra que é um baita de um hipócrita, porque ele defende a liberdade de expressão, mas não a suporta. Esse é o primeiro ponto. Tem matéria da Reuters mostrando que ele estava atacando e cerceando diretamente os tweets e as contas de pessoas que eram críticas a ele. Então, “ah, liberdade de expressão, a gente pode falar o que quiser”. Sim, mas não pode falar nada contra mim. (14:39) É um baita hipócrita nesse sentido. Ele defende a liberdade de expressão, mas tem a fábrica dele, a Tesla, na China. Ele tem acordos com a China, feliz da vida, principalmente porque a Hertz, nos Estados Unidos, começou a vender (15:06) 30.000 Teslas que tinha comprado, porque não estava valendo a pena para alugar. E ele está feliz da vida que a China considerou, há pouco tempo, que, como a Tesla fabrica lá, o veículo é nacional e pode ser vendido dentro do país. Elon Musk ficou feliz da vida. E não está nem aí para o governo chinês.
(15:42) Na Turquia, ele detona as contas daqueles que são contra o Erdogan. Sem problema nenhum. Fez acordo com o governo indiano também para suprimir as contas de algumas pessoas de interesse do governo. E estava ouvindo no podcast do New York Times, o Hard Fork, que o governo da Arábia Saudita tem um pedacinho do Twitter, ainda é sócio. Então, no momento em que ele tem essa postura… e eu não estou discutindo se há ou não exagero do STF, (16:33) isso é outro baile. Mas se ele lida tão bem com esses outros lugares, com governos que ele diz serem autoritários, e esses de fato são… como que ele quer bancar o defensor da liberdade de expressão aqui no Brasil, sendo que ele faz o que faz? Isso não se sustenta.
E você tem ele com esse poder econômico todo, fazendo propaganda para o Trump. Tentou fazer uma entrevista com o Trump no (17:16) Twitter, o negócio caiu no meio do caminho, e ele disse que foi atacado. Mas isso não se sustenta. Não vi ninguém da imprensa norte-americana dizendo que sim, foi atacado. Todo mundo diz: “ele diz que foi atacado, mas parece que teve uma falha deles, não foi um ataque”. Isso está chamando a atenção, o fato de ele estar usando seu poder econômico para interferir na campanha.
(17:49) E esse movimento que ele faz, da maneira que está fazendo, respondendo com memes e tudo mais, sendo que esse cara tem grana para contratar os melhores advogados e juristas, não só do Brasil, mas do mundo, para marcar a posição dele. Então, poxa, quer discutir, quer brigar? Então, vem e discute. E talvez seja bom. Mas não, ele prefere bancar o pombo no tabuleiro de xadrez. (18:24) Em vez de jogar o jogo, de confrontar, o cara simplesmente faz o que o pombo faz: caga no tabuleiro, derruba tudo, sai voando e diz que ganhou.
(18:24) Eu acho que tem várias coisas aí. Primeiro, a questão dessa esfera pública. Não sou o estudioso dessa dinâmica, mas é um conceito de um sociólogo e filósofo do direito, Jürgen Habermas, que cria essa ideia de esfera pública pré-internet, mas ligada também à mídia. (19:00) E ele compreende a dinâmica do que viria a ser a esfera pública. Mas esse espaço, tradicionalmente, é um espaço de debate, de conversa, de consenso, porque é isso que você espera numa esfera pública de um estado democrático, de racionalidade, sobretudo. Eu acho que a grande mudança que a gente vê nesses casos talvez seja que novas empresas acabam mediando a esfera pública de uma nova forma.
(19:46) Isso já acontecia com os meios de comunicação tradicionais: rádio, TV e tudo mais. Você sempre teve meios de comunicação com interesses. Desde o nascimento dos jornais, você começa a ler a história do Brasil e vê: “esse aqui era Republicano, aquele era Monarquista”. Então, você sempre teve isso, com certos graus de interferência no que seria o resultado dessa esfera, que seriam os consensos.
(20:23) O que muda, tanto de maneira quantitativa quanto qualitativa, é a forma como as redes atuam. E isso se notou muito quando ele comprou a rede: certos direcionamentos, favorecimentos, impulsionamentos. O fato de ele impulsionar a própria conta dele com discursos ideológicos. Naquela reportagem que você me mandou hoje de manhã, do The Guardian, fala que o Center for Countering Digital Hate apontou que ele mesmo postou 50 mensagens falsas sobre as eleições neste ano, o que implicou um total de 1.2 bilhão de visualizações.
(21:13) Acho que o primeiro ponto é essa questão da própria esfera pública, que está completamente zoada. E você ainda tem como saída essa nova dinâmica, que não é nem um debate, mas uma dinâmica troll. Porque, vamos imaginar que a gente tenha problemas institucionais. Vamos usar uma palavra em português: deboche. Debochar, incomodar, espinhar, fazer bullying. Por quê? Porque isso gera um engajamento tão grande, e é tão forte, que nós estamos aqui falando sobre isso. Eu nem sei se queria (21:53) estar falando sobre isso. Nós fomos puxados. É um negócio que te puxa para isso. E aí todo mundo fica falando sobre isso.
Eu acho que temos que olhar para essa nova dinâmica e notar que os Estados, de maneira geral, não estão conseguindo lidar com isso. Essa é a primeira constatação. E o Estado, por meio do próprio Judiciário, não consegue lidar com isso, sobretudo diante de companhias globais. (22:25) A discussão da própria saída, que eu fiz no último episódio, eu disse que uma das possíveis motivações me parece ser fugir do controle judicial e de possíveis ordens. Mas tem outro interesse que me parece muito claro: um movimento mundial pela não regulação de espaços de redes sociais. E isso fica muito claro com o X/Twitter. Não vejo isso acontecendo com tanta intensidade com outras Big Techs, mas, claro, elas agem pela via do lobby, (23:05) elas têm poder econômico para isso. A gente pode criticar, mas ainda está dentro de um quadro em que o lobby não é proibido. Que seja transparente e tudo mais.
Então, você cria com essa carta da liberdade de expressão, que é algo importante, quase um estado de coisas mundial, muito forte aqui no Brasil, de que você não poderia discutir controle de conteúdo, sobretudo conteúdo ilícito. (23:50) E o fato da empresa X se posicionar de uma forma que nega o cumprimento de ordens judiciais é um problema muito grave aqui. Sobretudo quando isso acontece no movimento de saída do Brasil com a intenção, aparentemente, de descumprimento da ordem. Porque se você é uma empresa que vende bens físicos, materiais, você sai do país e sua operação fica complicada. (24:35) Com a internet e com empresas desse porte, de fato, o serviço consegue continuar sendo prestado sem a presença de responsáveis e da própria empresa no país.
E aí chegamos numa encruzilhada, de você ter ordens judiciais deliberadamente sendo descumpridas. E a saída do país nesse contexto, e esse interesse de desregulação… A briga de Musk na União Europeia se dá também pelas novas regulações, o Digital Services Act. O mesmo acontecendo, como comentei, na Austrália, (25:22) dele se insurgir contra o cumprimento dessas normas. Porque, veja, imaginando que essas normas sejam problemáticas, não me parece que seja o caso, você tem instrumentos para lidar com isso. E com o poder que ele tem, ele teria instrumentos mais legítimos. A questão é usar esse novo meio de discussão, do troll, do engajamento e da descredibilização das instituições mundiais. Se a gente fosse admitir isso, quem tomaria essas decisões? Seria ele? Ou vamos transformar as redes sociais (26:07) num tipo de negócio à prova de regulações? Será que isso seria bom? É uma reflexão que podemos fazer. Não acredito que seja.
Mas nota que estamos entrando num tipo de discussão sobre a própria legitimidade e o poder, não falo só do Brasil, falo de todos os Estados. Todos os Estados deveriam estar preocupados com o que acontece. “Ah, mas o STF está exagerando”. Pode ser que sim. Tem algumas coisas muito discutíveis nesse último aspecto jurídico.
(26:46) E uma delas, pode me interrompendo, Vinícius, foi a própria questão da Starlink. O X sai do Brasil, ficam multas sem pagamento, se notifica um dos representantes para ele dizer se ainda era, e eles não respondem. E vem toda aquela questão da citação pelo próprio Twitter, que é uma questão super discutível dentro do direito. Mas vem um bloqueio de valores da Starlink, (27:32) que pertenceria ao mesmo grupo. Você teria essa movimentação do Supremo, que é super delicada. Primeiro, essa questão do grupo econômico de fato. Eu estava dando uma pesquisada, não é bem minha área, mas não é algo estranho para o direito brasileiro. Existe a figura do grupo econômico de fato, que não é formalmente definido, mas poderia ser considerado. Isso está presente tanto na Lei das S.A. (28:10), no artigo 243, quanto na lei que estrutura a defesa da concorrência no Brasil, que estabeleceria a responsabilidade solidária para empresas dentro do mesmo grupo. Mas estamos falando de infrações da ordem econômica, o que não me parece ser o caso. E também na Lei Anticorrupção, que prevê a necessidade de que grupos econômicos de fato respeitem acordos de leniência, o que também não é o caso aqui. E o próprio Marco Civil exigindo o respeito às (28:50) normas brasileiras para companhias estrangeiras.
Então, o STF traz essa figura do grupo econômico de fato para tentar atingir o X pela via da Starlink. Mas sabe o que a Starlink fez? Eu vi agora há pouco, Vinícius. Vou te dar em primeira mão. A Starlink fez o que qualquer empresa e qualquer pessoa deveria fazer: ela recorre ao STF contra a decisão de Moraes e pede o desbloqueio de contas da empresa. Perfeito, isso é o certo.
(29:29) “Ah, mas o STF está passando da conta”. Veja, eu acho que nós também temos um outro problema de soberania aqui, porque esse é um problema nosso, dos brasileiros. Não sei se é do Elon Musk ou de uma rede social. Porque aí a gente começa a ver qual a função dessas empresas. Ou qual a função que a gente quer para elas. Será que queremos essas empresas interferindo em política doméstica? Será que essa vai ser a nova forma dos Estados pós-internet? (30:07) Nós vamos virar corporações? E eu repito: isso não desqualifica a discussão de como o STF está agindo, de forma nenhuma. Mas não acho que seja ele, o Musk, a fazer isso, e tampouco da forma como está fazendo. Poderia ser ele a desafiar o STF, mas tem a forma correta de desafiar.
(30:52) E mais eficiente, diga-se de passagem. Desse jeito, você só cria confusão. Olha o que a Apple fez há muitos anos, a gente chegou a comentar aqui. Quando a NSA, FBI, etc., vieram com o papo de botar um backdoor nos iOS, eles confrontaram, entraram na justiça contra. E tiveram várias gag orders, aquelas ordens sigilosas que você não pode publicar. E várias dessas gag orders foram desafiadas, inclusive publicadas por essas empresas. Lembrando que é isso que o Musk diz que está (31:44) acontecendo aqui, que ele está recebendo ordens judiciais sigilosas sobre as quais não pode falar. Então, se ele acha que está errado, que isso prejudica o bem público, assume o risco, faz uma desobediência civil e publica a ordem. Ele fez isso? Não, ele não fez com tudo. Ele fez com aqueles Twitter Files, algumas delas, mas não foi tudo. (32:23) E, claro, ele está desobedecendo uma ordem judicial ainda assim, mas não está publicando meme na internet. Isso é coisa de moleque.
Ao mesmo tempo, a gente vê que isso movimenta um certo público, tanto aqui como nos Estados Unidos. O objetivo dele, no final das contas, não é realmente desafiar o STF. Ele quer (33:03) causar. Senão, ele estaria fazendo isso mundo afora. Ele faz onde pode, de alguma maneira, se beneficiar. Ele não é o líder mundial da liberdade de expressão. Até porque esse é um elemento importante: as redes sociais, de maneira geral, quando permitem que seus próprios algoritmos organizem e priorizem conteúdos, isso também é um problema de liberdade de expressão, se a gente quiser. As redes se tornaram intermediadoras (33:46) dessa esfera pública. O problema é que talvez esta nova forma de resolver problemas, pelo meio do engajamento, não seja a melhor para a sociedade. Acaba virando também um problema político, que é a própria morte da política, enquanto meio de consenso buscado através do acordo, em que as partes deliberam e se escutam. (34:25) Se isso acabar, nós vamos ter um problema de ordem mundial.
Agora, claro, se quiser falar sobre aspectos jurídicos, tem a própria questão da citação feita pelo Twitter. Até onde vi, é a primeira vez que isso acontece. E você tem uma necessidade de rigidez muito grande na questão das citações e intimações por outros meios que não os estabelecidos em lei, porque você tem que ter certeza que a pessoa foi adequadamente cientificada daquilo. (35:03) Nós temos decisões do STJ nos dois sentidos: uma permitindo a citação por WhatsApp e outra proibindo via redes sociais, justamente pela dificuldade de saber se a pessoa realmente foi cientificada. E esse pode ter sido o erro do Musk, porque ele respondeu aquilo. Mas nota, a gente não pode violar a lei para lidar com outras questões de violação. É um princípio democrático respeitar a lei dentro do processo.
(35:50) Mas é inegável que a jogada dele foi cavar essa falta. Mas veja, como o Estado lida com uma situação em que o sujeito sai do país para evitar ordens judiciais, mas o alcance da sua atividade continua atingindo o país, a despeito das fronteiras? (36:33) Como você lida com isso? Tradicionalmente, você precisaria de cartas rogatórias, mas pode demorar semanas. Você precisaria atualizar a legislação. E, de fato, nós tínhamos o PL 2630, que foi engavetado. Ou seja, se bloqueou um debate sobre controles de redes sociais e agora nós estamos nessa encruzilhada. Não sei se é bem uma encruzilhada, porque o Estado está se mostrando também ineficiente para lidar com isso. E não é só o caso do Musk; você tem outros casos mais comuns (37:21) de conteúdos flagrantemente criminosos que não são retirados do ar.
Claro, é bom para qualquer empresa que não tem uma boa orientação ética atuar num ambiente em que pode fazer o que bem entender e não precisa respeitar as leis locais. É mais fácil. Mas, enfim, o direito é essa forma, cheia de problemas, que (37:52) a gente encontrou para resolver as nossas questões importantes. Se acaba com o direito, você vai resolver os problemas com quê? Com aposta? Vai voltar a fazer duelos? Quem grita mais ganha? Quem vai ter mais likes? Como vai ser?
(38:31) Eu gosto muito da analogia do xadrez. Quando você joga, você desafia o oponente dentro de certas regras. E no xadrez, você pode até desistir. Mas é uma ofensa se a pessoa sai derrubando tudo ou fica brava porque perdeu. Você nunca mais joga. Dar um soco no tabuleiro, jogar as peças no chão… isso não é uma coisa que o xadrez admite. Mas esse é o jogo que as pessoas não têm paciência de jogar.
(39:17) Acho que, no final das contas, elas querem uma mudança muito imediata e acabam confundindo as coisas. Tudo que é complexo exige tempo para ser analisado, modificado, ajustado. O próprio processo judicial, ter esse meio para discutirmos as coisas, é uma evolução de milhares de anos. (40:03) Você começa a entender que não pode simplesmente matar seu vizinho porque ele pegou uma parte do seu terreno. Mesmo que você tenha razão na disputa, o ato que você cometeu é um crime, você vai ser preso e acabou.
Eu vou mais além. Se o sujeito invade um terreno seu, você não presenciou, e a posse dele se consolida, você não pode retirar a posse dele manualmente, violentamente. (40:40) Você vai precisar de uma ação de reintegração de posse, mesmo que todo mundo tenha visto o sujeito invadindo. Porque a posse terá sua proteção. Você não pode simplesmente entrar lá com uma arma. O Estado é que tem esse monopólio da violência.
(41:22) Uma coisa legal que recomendo a leitura é “O Leviatã”, de Thomas Hobbes. Ele trata justamente dessa discussão de a gente criar esse “super-humano”, que é o Estado, e dar a ele “superpoderes” para resolver nossos conflitos. Só que isso é complexo, é difícil. Quem já teve algum processo judicial sabe que nem sempre a coisa é justa do jeito que a gente acha. (41:59) E há certas decisões que são tomadas, que são perfeitamente legais, e que a gente ainda assim não aceita, não se conforma. Mas tem espaço para discutir, tem formas. E temos outros problemas, claro, que não afetariam o Musk, como a morosidade no sistema judicial.
(42:36) É por isso que não entendo por que ele faz as coisas desse jeito, age como um pombo. É engajamento, cara. A gente está aqui falando dele. Exato. Mas estou tentando atribuir a ele uma coisa que, pelo próprio comportamento, ele está deixando claro que não é o que quer. Ele não é um cara burro. Mas a forma como ele está fazendo demonstra uma coisa meio infantil, meio maluca. Porque o cara que tem os recursos que ele tem… (43:22) ele tem acesso VIP ao STF com quem ele puder contratar. Ele tem como trazer à tona discussões muito relevantes, inclusive aqui no Brasil, se quisesse. Mas o que ele quer é bagunçar, zoar.
(44:01) Eu separei algumas headlines. Tenho aqui do The Nation, por exemplo: “Elon Musk é uma ameaça para a democracia”. Você tem o foreignpolicy.com: “O Twitter de Elon Musk está se tornando um esgoto de desinformação”. Isso é bem objetivo. Ele publica voluntariamente desinformação, que é outro problema. (44:50) Ele publicou esses dias uma imagem de Inteligência Artificial para induzir as pessoas, relacionada à Kamala Harris. Veja, não há discussão quanto a isso: ele é um propagador de desinformação, ele, pessoa física.
E ele não lida bem com a liberdade de expressão. Ele zera todo mundo que o critica e que seja relevante. Nós acho que não vamos ser zerados, mas ele bloqueia, cerceia. Ele teve uma entrevista com um cara que ele tinha recém-contratado, que tirou da CNN. (45:34) O cara disse: “Beleza, quero que a primeira entrevista seja contigo”. Ele topou. “Não tem nada que eu não possa perguntar?”. “Ok”. É o Don Lemon, que fez a entrevista. Elon Musk sabe como ele trabalha. (46:15) Ele o contratou para ter um programa no Twitter. Ele entrevista o Musk e confronta as ideias malucas que o Musk tem disseminado, pessoalmente e no Twitter. (47:02) Resultado: o Elon Musk ficou vermelho, ficou roxo, começou a ficar bravo e disse: “Aproveita bem teu tempo, que tu tens mais uns minutos só para terminar essa entrevista”. Obviamente, o cara foi dispensado posteriormente. Ele saiu de lá e recebeu a mensagem do Elon Musk dispensando-o. Então, esse cara não lida bem com liberdade de expressão. Ponto.
(47:42) Eu preciso dizer, acerca das críticas: eu tenho sim minhas preocupações quanto, por exemplo, a todo esse inquérito que tramita no STF das milícias digitais. O negócio está lá há muito tempo. Você tem ordens sigilosas. Qual o problema da ordem sigilosa? Ela tem que ser a exceção, porque você não consegue submeter ao escrutínio público. Claro, o direito eventualmente a investigações, a polícia não precisa divulgar que vai fazer uma busca e apreensão. (48:28) Você tem expedientes que precisam ser, de fato, sigilosos. O problema não é o sigilo em si, o problema é que estes sigilos, durante tanto tempo, começam a causar uma certa dúvida legítima na sociedade, que quer saber: “Mas que perfis são esses? Contra quem são essas ordens?”. Você não consegue fazer esse escrutínio público. Mas veja, não é algo que não possa ser feito ou que seja proibido.
(49:08) Esse é o vídeo da entrevista para o Don Lemon. É o primeiro e último vídeo que ia sair no Twitter. A gente vai tomar um strike aqui no nosso canal. Mas olha a face dele no final do vídeo. Ele está ficando vermelho, já está bravo. Foi uma entrevista bem interessante para se ver. (49:40) O link eu vou deixar no show notes, porque ali você vê o quanto ele resiste à liberdade de expressão, o quanto ele está aberto a discutir um determinado tema de forma tranquila.
(50:21) Tem o caso Pavel Durov, do Telegram. A gente não tinha preparado nada sobre isso. Em novembro de 2021, o Tribunal de Propriedade Intelectual de Lisboa instou Durov, detido essa semana, enquanto gestor do Telegram, a bloquear o acesso a 17 grupos que partilhavam filmes, séries e jornais gratuitamente, em violação aos direitos de autor. A justiça nunca conseguiu notificar os Durov. (50:58) A sede do Telegram está registrada em Dubai, mas a Embaixada dos Emirados Árabes informou que não foi possível localizar seus proprietários. Em 2022, na sequência de outro pedido, foram encerrados 11 canais. Uma investigação inédita da Polícia Judiciária chegou aos alegados autores de um desses grupos, e o Telegram conseguiu pela primeira vez identificar e constituir dois arguidos. Mas o caminho é sempre muito lento. (51:31) E a justiça continua a perder terreno numa área em que o direito não consegue ou não consegue adequadamente atuar. Os tempos são diferentes. E se o sujeito tem poder suficiente, ele consegue escapar do direito. Isso está acontecendo também com o Durov. Essa reportagem do Diário de Notícias traz um pouquinho das dificuldades que os Estados estão tendo no mundo inteiro, e a partir daí, as tentativas de regulação.
(52:16) Não é violar a liberdade de expressão quando a gente olha para o Digital Services Act. O objetivo não é esse. E por isso que seria útil conhecer todo esse inquérito, para que a sociedade tenha o direito de afastar, eventualmente, a ilicitude, ou conseguir escrutinar o que está acontecendo. Me parece que a justiça também erra ao seguir dessa maneira, mas reconheço a possibilidade de que inquéritos sejam conduzidos de (53:02) maneira sigilosa.
Perfeito, Guilherme. Eu queria chamar a atenção para uma coisa que a gente não entrou: teve ameaça de bloqueio. Em tese, estaria para acontecer. Eu ouvi o jornalista Pedro Doria dizendo que essa demora pode ser indicativo de que está havendo alguma negociação nos bastidores, justamente pelo STF entender que não é uma medida muito popular tirar uma rede (53:48) social do ar, e também não é muito eficaz.
Mas há uma questão técnica que podemos comentar sobre tirar sites do ar. Tem, na real, três maneiras. Uma é mexer no DNS, o serviço que resolve nomes. Quando você digita x.com, (54:30) ele te devolve o endereço IP para onde sua máquina se conecta. Você pode impedir que seja feita essa busca. Você tenta resolver x.com e não recebe resposta nenhuma. (54:57) Essa é uma maneira. Só que aí o que você faz? Você aponta para DNSs estrangeiros. Por exemplo, se a Vivo, a Oi, a Claro forem intimadas a fazer o bloqueio, o cara vai lá, muda o DNS dele para 1.1.1.1 (55:30) e vai continuar acessando o X sem VPN, sem nada.
A outra forma seria sair bloqueando o endereço IP, as rotas para chegar até os servidores do X. Só que não temos um Great Firewall como na China, que faz a filtragem de todo o nosso tráfego. (56:15) Existem várias saídas. Você teria que mexer no roteamento da internet brasileira, que não é uma empresa, são várias interagindo. E a VPN fura esse bloqueio. No ano passado, as pessoas já fizeram isso e, o pior, (56:57) acabam usando VPNs de origem duvidosa e ficando em risco. Se você não sabe como usar uma VPN, é melhor ficar sem o X.
(57:43) Existem VPNs confiáveis como Surfshark, Kaspersky, Cloudflare, ProtonVPN e a NordVPN. Mas o risco ao fazer uma modificação dessa… eu aposto que o CGI.br não deve gostar nem um pouco dessas ideias de sair mexendo em roteamento. (58:24) Isso também pode ser ineficiente, porque você vai ter que começar a catar todos os IPs que os servidores do X estão utilizando. E eles poderiam, de sacanagem, ficar mudando de IP.
Uma terceira possibilidade é a remoção do aplicativo das lojas brasileiras, das App Stores. (59:02) Isso eu não ouvi falar nesse momento, mas é uma medida que já foi aventada no passado. É bastante invasiva, e para a maior parte dos usuários, bastante eficiente. Porém, quem está no iOS teria maiores problemas. Em Android, teríamos outra ação arriscada: (59:46) os usuários poderiam ser levados a ativar a instalação de aplicativos de fontes desconhecidas e acessar algum outro site para instalar o aplicativo do X. O pessoal vai começar a mandar o APK pelo WhatsApp. Vai ser golpe que não termina mais.
(1:00:21) O bloqueio é sempre a pior medida, porque não funciona direito, é complexo, caro, burocrático, tem riscos de comprometer outros serviços. Não deveria haver bloqueio. É a demonstração máxima de: “não tenho o que fazer, então vou bloquear, mesmo que não vá funcionar direito”.
(1:01:01) A gente já viu situações em que se bloqueia o aplicativo e a ordem estipula multa para quem acessar por VPN. Lembro que teve isso. Até onde sei, essas multas não foram aplicadas. E se caso venha isso, estamos entrando numa medida bastante complicada. Não vejo como lícita, me parece uma medida bastante condenável. E você teria que discutir isso judicialmente. Mas, bloqueou, bloqueou. (1:01:46) Como controlar o que o sujeito acessa se ele usar VPN para outras coisas, como nós usamos? É uma medida bem complicada e discutível estabelecer multa para quem usar VPN para acessar o X.
(1:02:29) Mas nota que a coisa já saiu dos trilhos, não está legal em ambos os lados. E, no final das contas, a solução… como é o jeito certo de fazer a coisa errada? Não tem. Esses bloqueios não são legais, não devem acontecer. Mas, ao mesmo tempo, o que a justiça poderia fazer? Nada? (1:03:07) É muito delicado. O jogo está sendo jogado errado. Esse é o maior problema.
Você pega, hoje saiu a suspensão do treinamento da IA pela ANPD da Meta. E hoje voltou. Vi uma notícia dizendo que a ANPD acata a proposta da Meta e libera o uso de dados de brasileiros para treinar IA. (1:03:53) Não sei quais foram as medidas, mas dá para ver a decisão no site da ANPD. É assim que você resolve um problema. Você colaborou com a autoridade, resolveu potencialmente o problema. E você tem outras redes colaborando, (1:04:37) sobretudo em um momento eleitoral. O sistema eleitoral brasileiro tem problemas a serem melhorados, ninguém discute. Mas vamos começar a descumprir ordem judicial sem a utilização do recurso adequado, como a Starlink acabou de fazer? Porque também é um tipo de pressão para o próprio judiciário.
(1:05:20) É delicado também para o Judiciário saber que o sujeito sequer vai recorrer. Diz ele que tentou e não foi ouvido. Mas quando você abandona o processo, é ruim. Porque, ora, se é tão ilegal e injusta, recorra e demonstre isso. (1:06:09) Ao não fazer, fica só uma questão de “eu não concordo com a ordem, mas não vou recorrer”. Eu não consigo demonstrar juridicamente por que eu estaria certo.
Cara, acho que não tenho mais nada a dizer sobre esse assunto por enquanto. Vamos ver o que vai acontecer. Mas estamos numa situação, num jogo meio lamentável. Estou com vergonha alheia. (1:06:50) É como aquela expressão em inglês, um catch-22, uma situação em que qualquer saída é ruim. E eu digo mais uma vez: não me isento de criticar a posição do Musk, mas você tem sim questões muito discutíveis, jurídicas, (1:07:29) do lado do STF. E esse debate precisa ser feito. A gente precisa aprovar uma legislação para que os juízes saibam o que pode ser feito. Mas o próprio comportamento do Musk meio que interdita certos debates. (1:08:04) Essa dinâmica faz com que certos debates fiquem muito difíceis de serem feitos. Eu termino com uma sensação bem ruim de ter conversado sobre isso.
(1:08:50) Sim. Mas nosso próximo assunto é mais legal, para cima. Deixa eu terminar aqui, Vinícius. Acabei de receber no WhatsApp. É o José Simão. Ele disse: “Do X: brasileiros querem que Moraes acabe com os grupos de família no WhatsApp”. Ah, eu gosto dos meus grupos de família, são bons. (1:09:58) Eu não tenho. Quer dizer, tenho uns ali, mas não uso WhatsApp. Pergunta para quem tenta falar comigo via WhatsApp. Eu sei, às vezes te mando uns WhatsApps e você não responde.
(1:09:58) Vamos terminar com uma mensagem boa, Vinícius. Traz uma mensagem positiva. De improviso… eu gosto muito do “Coach do Fracasso” no Instagram. Tem uma sabedoria ali. (1:10:35) Vou deixar minha mensagem, que é do “Coach do Fracasso”. Vou até mudar o tom: “A vida é feita de obstáculos e você vai tropeçar em cada um deles”. Essa é a minha mensagem.
(1:10:35) Eu peguei uma aleatória aqui do Fernando Pessoa. Ah, pronto, lá vem. Eu venho com o “Coach do Fracasso”, ele vem com Pessoa. “Ouçam, às vezes, passar o vento; e só de ouvir o vento passar, já vale a pena ter nascido”.
(11:11:6) Ah, e tem o nosso passarinho também. “Eles passarão, eu passarinho”. É do Mário Quintana. “Todos esses que aí estão, atravancando meu caminho, eles passarão… eu passarinho”. (1:11:58) E era isso. Até a próxima.
Tudo bom. Então, aguardamos todos no próximo episódio, mais light, do podcast Segurança Legal. Até a próxima!
Plantão, Guilherme, plantão! Terminamos de gravar e vem a bomba. Saiu a decisão ordenando o bloqueio. (1:12:45) É uma decisão de 51 páginas. Obviamente não deu tempo de ler com atenção, mas o que importa são as últimas páginas. Vou passar a ler a determinação.
(1:13:20) “Determino a suspensão imediata e integral do funcionamento do X Brasil na internet em território nacional, até que todas as ordens judiciais sejam cumpridas, as multas devidamente pagas e seja indicado em juízo o representante em território nacional. […] O presidente da Anatel deve ser intimado para que adote imediatamente todas as providências, (1:13:58) comunicando esta corte em no máximo 24 horas. […] A intimação para cumprimento no prazo de 5 dias das empresas Apple e Google no Brasil para que insiram obstáculos tecnológicos capazes de inviabilizar a utilização do aplicativo X […] e removam o aplicativo das lojas App Store e Google Play Store.”
(1:14:33) E aqui vem a parte mais problemática. O que vem agora eu não lembro de ter visto. Isso aqui é punk, amigo. É pavoroso. É a retirada das lojas das VPNs, de aplicativos que possibilitem o uso de VPN. E tem, exemplificativamente, ExpressVPN, NordVPN, Surfshark… Cara, eu pago o Surfshark. Como ele vai tirar do ar um (1:15:08) serviço que eu estou pagando? E toda a questão da proteção da privacidade e segurança de pessoas que vão usar VPN para outras coisas. Cara, isso aqui não tem cabimento. Com toda a vênia, não tem sentido isso aqui.
Vai acontecer justamente a porcaria que eu disse: (1:15:48) “Cuidado, se cair o serviço, não pegue qualquer VPN por aí”. Bloqueia essas, e vai ter outras, justamente as porcarias que vão ficar. E vão empurrar a galera ainda mais para o negócio errado. Lamento, mas essa parte está errada.
(1:16:27) Ele foi por todas as frentes possíveis: roteamento, DNS, provedores. Mas tem uma outra coisa: ele não impediu que você use VPN no computador. Deve ter um assessor lá que pensou: “só se usa VPN no celular e a única utilidade é furar controles que o STF quer”. (1:17:04) Perfeito. Ninguém usa VPN para trabalhar. Exatamente. Nós usamos todo dia VPN para trabalhar.
(1:18:16) E agora vem a aplicação de multa diária de R$50.000,00 às pessoas naturais e jurídicas que incorrerem em condutas no sentido de utilização de subterfúgios tecnológicos para a continuidade das comunicações ocorridas pelo X, tal como o uso de VPN. Fica aquela dúvida: se usar VPN já é crime, ou se é usar VPN para acessar o X. E outra, se você usa uma VPN, as pessoas do mundo externo não conseguem saber o que você está acessando.
(1:19:41) Imagino que ele tenha escrito isso para caso as pessoas que ele está mirando contornem as ordens. Mas do jeito que está aqui, é para todo e qualquer cidadão. Se você subir uma VPN para trabalhar, no nosso caso, e acessar um site que tenha algum social plugin do X, você automaticamente se comunica com o X. (1:20:18) O problema é não compreender para que serve uma VPN. E o pior: não vai funcionar. Eu saio de casa, estou com VPN ativa. É como aquelas tentativas de bloquear criptografia.
(1:22:24) A multa se aplica para qualquer subterfúgio tecnológico para acessar o X, não apenas VPN. Por exemplo, se eu acesso uma máquina virtual na Amazon e de lá acesso o X. Veja, não estou usando VPN. Isso também estaria coberto pela multa. E não é uma situação em que as pessoas envolvidas no inquérito poderiam usar esses subterfúgios. (1:23:08) Aqui é qualquer pessoa que não tem nada a ver com a história. Bom, vamos dormir com um barulho desses. Até a próxima.
By Guilherme Goulart e Vinícius Serafim4
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Neste episódio falamos sobre o conflito entre Elon Musk e a justiça brasileira. Você irá descobrir as nuances do caso X (Twitter) vs. STF, a liberdade de expressão e o bloqueio de redes sociais no país.
Guilherme Goulart e Vinícius Serafim analisam a fundo a polêmica envolvendo Elon Musk e o STF, debatendo os limites da liberdade de expressão e a regulação de redes sociais. A discussão aborda o poder das Big Techs, o papel do X (Twitter) como esfera pública, e as controversas decisões judiciais, como o bloqueio de VPNs e a multa por uso de subterfúgios. O episódio explora as implicações para a soberania digital do Brasil, o combate à desinformação e os desafios do Direito da Tecnologia diante de plataformas globais, mencionando o Marco Civil da Internet e o inquérito das milícias digitais. Não perca esta análise crítica sobre tecnologia e sociedade. Siga, avalie e compartilhe para apoiar o Segurança Legal!.
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ShowNotes
📝 Transcrição do Episódio
00:07) Sejam todos muito bem-vindos e bem-vindas. Estamos de volta com o Segurança Legal, o seu podcast de segurança da informação e direito da tecnologia. Eu sou o Guilherme Goulart e aqui comigo está o meu amigo Vinícius Serafim. De volta, Vinícius! Como está?
De volta, Guilherme, de volta. Estava com uma baita dor de cabeça na última sexta-feira, uma enxaqueca violenta daquela que não deixava pensar. A gente conversou e eu disse: “Cara, não vou conseguir dizer nada que preste”. Do jeito que eu estava, não ia dar nada.
(00:38) E o Guilherme fez um solo. O Dimas, nosso amigo e ouvinte de longa data, encontrou a minha esposa no banco e perguntou: “Escuta, o que tem o Vinícius? Por que ele não estava no último episódio?”. Mas foi uma dor de cabeça violenta que me pegou de tarde e me tirou do sério. Não teve paracetamol que desse jeito. Hoje, estou aqui, descabelado, mas estou de volta. Olá aos nossos ouvintes, que eu não disse.
(01:17) O pessoal lá do grupo também perguntou como estava o Vinícius. Eu comentei com o Hamilton também e disse que foi só uma coisa passageira, uma indisposição. E acontece, às vezes. Agora liguei minha luz para ficar um pouco melhor. Ainda bem, tinha esquecido a luz.
Sempre lembrando que, para nós, é fundamental a participação de todos por meio de perguntas, críticas e sugestões de tema. Para isso, estamos à disposição dos ouvintes pelo e-mail [email protected], no YouTube em youtube.com/segurancalegal, (01:48) onde você pode ver este vídeo, se já não estiver vendo. Mas se quiser ver nossos rostinhos bonitos, também estamos lá no Mastodon, no @[email protected]. E aí que vem a questão, Vinícius: no Twitter ou X, no @segurancalegal, ainda no ar, não sabemos por quanto tempo. Você já ouviu, não tem como fazer mistério, que o assunto de hoje vai ser a questão do Twitter/X, Musk e a justiça brasileira. Fomos atraídos para esse furacão. Depois falamos sobre isso.
(02:31) Mas preciso dizer que temos a nossa campanha de financiamento coletivo no Apoia.se: apoia.se/segurancalegal. Nós conclamamos que vocês contribuam para este projeto independente de produção de conteúdo. Permita, com seu apoio, que o podcast Segurança Legal continue existindo.
Perfeito, Guilherme. Antes de a gente seguir, eu gostaria de trazer um link do nosso amigo Lucas Lago, que esteve em outro podcast famoso por aí, não tão famoso quanto o nosso, mas famoso, o “Medo e Delírio em Brasília”. Ele esteve lá.
(03:11) Mas por que a gente vem agora aqui trazer o link? Ele falou do projeto Cozinhas Solidárias aqui do Rio Grande do Sul, o mapeamento de cozinhas solidárias. E, finalmente, como ele diz, “finalmente saiu”, e aqui está o site. O link é mapacozinhas-rs.org.br. (03:36) O link, obviamente, vai estar no show notes. Então, está aqui o site sobre o projeto, uma iniciativa do CONSEA-RS com apoio do Instituto Aaron Swartz para fornecer informações de qualidade para a população. O site é desenvolvido com solidariedade e software livre, a partir de um fork de um projeto da Silo Arte e Latitude Rural. Dá para cadastrar cozinhas. O Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do Rio Grande do Sul está apoiando esta ideia. (04:14) Tem lá o botãozinho, para quem está olhando no YouTube, para cadastrar a cozinha. Então, quem sabe de cozinhas solidárias ou tem uma, está aí o site do mapeamento de cozinhas solidárias do Aaron Swartz e do CONSEA-RS.
Bom, perfeito. Um abraço, Lucas, valeu! Firmando aquela ideia de como as pessoas podem ajudar de formas muito diferentes, contribuir de formas muito diferentes. Essa é uma delas, com conhecimento também.
(04:52) Perfeito. Vinícius, a gente tem que falar que nós tivemos uma longa discussão antes para saber se íamos falar sobre o caso Musk, o caso Twitter ou X. Se já não tem bastante conteúdo sobre esse tema. A gente tinha programado outra pauta. Eu não sei se falamos ou deixamos em suspenso. Só digo que tem a ver com educação. Então, para quem gosta de educação e tecnologia de maneira geral, a pauta estava pronta. A gente chega agora, sexta, dia 30 de agosto, e o assunto Musk domina os noticiários. (05:31) Tudo que você abre na internet, só se fala nisso, os grupos de WhatsApp e tal. E nós fomos atraídos para o centro do furacão. A gente pensou se falávamos ou não, como eu dizia antes, mas o Vinícius, eu acho, sintetizou bem a coisa, e talvez esse seja um pouco o objetivo do Elon Musk: fica impossível não falar, fica impossível ignorar esse assunto.
(06:13) Até porque, como eu também comentei no nosso último episódio, no episódio solo, a gente tem essa questão das novas formas de buscar atenção, da nova dinâmica das redes sociais e sobre como certos comportamentos geram mais engajamento. E o Elon Musk, nessa história toda, personifica muito bem o Twitter. Ele é um bom representante do Twitter, porque ele age fora da plataforma, nas suas relações e na forma de resolver problemas, com aquela forma que o Twitter funciona. Então, você tem agressividade, memes, quase como um comportamento de um troll.
(06:55) Deboche, debochando. Sim. E isso nos coloca com certa perplexidade, porque este podcast também se propõe a falar sobre temas de tecnologia e sociedade. E quando a gente olha para uma rede social, uma empresa desse tamanho, e um problema dessa complexidade, dessas nuances e dessa profundidade, fica difícil não falar sobre isso também aqui, mesmo que seja um tema um tanto quanto lateral para nós.
(07:30) Sim, a gente comentou várias vezes sobre a questão das redes sociais, e essa é mais uma. E inúmeras vezes sempre em um tom crítico, Guilherme, no sentido de que você não pode confiar nesses lugares como sendo, de fato, um espaço público, que muitas vezes o pessoal acha que é. Cara, se fosse espaço público, tinha que ser do governo, tinha que ser uma coisa pública. Não é um espaço público, é um espaço privado aberto ao público, o que é muito diferente.
Tem uma cidade aqui perto de Três de Maio, perto de Boa Vista do Buricá. (08:10) Uma cidadezinha que eu esqueci o nome, que tem o festival do porco e tal. No meio da cidade, tem uma praça muito legal. E essa praça é um espaço privado, ela pertence a uma pessoa. Inclusive, tem a plaquinha dizendo a quem pertence. Mas é uma praça que te dá (08:43) acesso público. Então, você pode ir lá, sentar, ver os peixinhos. É um lugar agradável, porém um espaço privado. Obviamente, quem é dono daquele espaço põe as regras. E esses espaços que a gente tem, Twitter, Facebook, Instagram, Threads… (09:14) eles nunca foram espaços públicos, nunca foram espaços livres. Sempre tiveram algoritmos para, de alguma maneira, te prender ali dentro. E para te prender, eles têm que criar certas bolhas informacionais e (09:58) te segurar dentro dessas bolhas o maior tempo possível. O Facebook tem um estudo publicado sobre contágio emocional em massa. A gente falou milhares de vezes desse estudo aqui. O próprio pessoal do Facebook fez o estudo, publicou em revista científica renomada e os resultados mostram que há, sim, contágio emocional em massa, há essa possibilidade nas redes sociais.
Mas o que a gente está vendo com o Twitter é uma coisa (10:34) que está exacerbando. E, gente, não achem que é só Alexandre de Moraes, que é o Brasil. Galera, é só procurar as notícias, eu vou largar depois no show notes para vocês. Tem Reuters, CNN Internacional, The Guardian… tem o que vocês quiserem do pessoal chamando a atenção lá fora, nem citando o Brasil. Os caras estão dizendo que o Musk tem um comportamento autoritário dentro do Twitter e que ele tenta influenciar políticas públicas e legislações (11:11) de uma maneira absurda, que nunca se viu. Ou seja, a ponto de algumas matérias, uma do The Guardian, acho que o título é mais ou menos “botar rédeas no Musk”. Então, há essa clara percepção de que ele cruzou a linha no sentido de fazer o que quer com o seu produto, que influencia tanta gente. De novo, gente, Facebook não é santo, com Instagram e tudo mais.
(11:52) Mas o Musk foi a um nível blaster. Parece que ele quebrou uma certa linha em que essas empresas, claramente com seus interesses e seus lobbies em grande parte dos Estados, tinham esses interesses, mas isso ficava um pouco escondido, atrás de um certo véu, talvez um verniz civilizatório. E ele parece que rompe essa barreira, inaugurando uma forma muito diferente de lidar com problemas sérios, não acha?
(12:40) Sim. E, para quem já não está informado sobre isso, o Musk tem um lance pessoal envolvido na brincadeira toda, não só aqui no Brasil, mas de maneira geral, principalmente lá nos Estados Unidos: o fato de o filho dele ter feito uma transição de gênero. Então, hoje seria a filha, que ele não reconhece, e diz que o filho dele morreu e ponto final. Cada um… eu acho absurdo isso, mas enfim. É absurdo o comportamento dele com relação à filha dele. (13:18) Mas ele dá como morto o filho dele. E esse cara entrou numa pira de: “Cara, vou combater o movimento que fez com que meu filho se transformasse, ou morresse”, segundo as palavras dele. Então, quando ele compra o Twitter, ele não está comprando só para um investimento, ele está comprando com um plano ideológico. Exato. Ele não está simplesmente comprando uma empresa, ele está comprando com um fim ideológico. E aí, ele abraçou uma série de teorias e umas bobagens que a gente ouve sendo ditas por aí.
(14:05) E ele demonstra que é um baita de um hipócrita, porque ele defende a liberdade de expressão, mas não a suporta. Esse é o primeiro ponto. Tem matéria da Reuters mostrando que ele estava atacando e cerceando diretamente os tweets e as contas de pessoas que eram críticas a ele. Então, “ah, liberdade de expressão, a gente pode falar o que quiser”. Sim, mas não pode falar nada contra mim. (14:39) É um baita hipócrita nesse sentido. Ele defende a liberdade de expressão, mas tem a fábrica dele, a Tesla, na China. Ele tem acordos com a China, feliz da vida, principalmente porque a Hertz, nos Estados Unidos, começou a vender (15:06) 30.000 Teslas que tinha comprado, porque não estava valendo a pena para alugar. E ele está feliz da vida que a China considerou, há pouco tempo, que, como a Tesla fabrica lá, o veículo é nacional e pode ser vendido dentro do país. Elon Musk ficou feliz da vida. E não está nem aí para o governo chinês.
(15:42) Na Turquia, ele detona as contas daqueles que são contra o Erdogan. Sem problema nenhum. Fez acordo com o governo indiano também para suprimir as contas de algumas pessoas de interesse do governo. E estava ouvindo no podcast do New York Times, o Hard Fork, que o governo da Arábia Saudita tem um pedacinho do Twitter, ainda é sócio. Então, no momento em que ele tem essa postura… e eu não estou discutindo se há ou não exagero do STF, (16:33) isso é outro baile. Mas se ele lida tão bem com esses outros lugares, com governos que ele diz serem autoritários, e esses de fato são… como que ele quer bancar o defensor da liberdade de expressão aqui no Brasil, sendo que ele faz o que faz? Isso não se sustenta.
E você tem ele com esse poder econômico todo, fazendo propaganda para o Trump. Tentou fazer uma entrevista com o Trump no (17:16) Twitter, o negócio caiu no meio do caminho, e ele disse que foi atacado. Mas isso não se sustenta. Não vi ninguém da imprensa norte-americana dizendo que sim, foi atacado. Todo mundo diz: “ele diz que foi atacado, mas parece que teve uma falha deles, não foi um ataque”. Isso está chamando a atenção, o fato de ele estar usando seu poder econômico para interferir na campanha.
(17:49) E esse movimento que ele faz, da maneira que está fazendo, respondendo com memes e tudo mais, sendo que esse cara tem grana para contratar os melhores advogados e juristas, não só do Brasil, mas do mundo, para marcar a posição dele. Então, poxa, quer discutir, quer brigar? Então, vem e discute. E talvez seja bom. Mas não, ele prefere bancar o pombo no tabuleiro de xadrez. (18:24) Em vez de jogar o jogo, de confrontar, o cara simplesmente faz o que o pombo faz: caga no tabuleiro, derruba tudo, sai voando e diz que ganhou.
(18:24) Eu acho que tem várias coisas aí. Primeiro, a questão dessa esfera pública. Não sou o estudioso dessa dinâmica, mas é um conceito de um sociólogo e filósofo do direito, Jürgen Habermas, que cria essa ideia de esfera pública pré-internet, mas ligada também à mídia. (19:00) E ele compreende a dinâmica do que viria a ser a esfera pública. Mas esse espaço, tradicionalmente, é um espaço de debate, de conversa, de consenso, porque é isso que você espera numa esfera pública de um estado democrático, de racionalidade, sobretudo. Eu acho que a grande mudança que a gente vê nesses casos talvez seja que novas empresas acabam mediando a esfera pública de uma nova forma.
(19:46) Isso já acontecia com os meios de comunicação tradicionais: rádio, TV e tudo mais. Você sempre teve meios de comunicação com interesses. Desde o nascimento dos jornais, você começa a ler a história do Brasil e vê: “esse aqui era Republicano, aquele era Monarquista”. Então, você sempre teve isso, com certos graus de interferência no que seria o resultado dessa esfera, que seriam os consensos.
(20:23) O que muda, tanto de maneira quantitativa quanto qualitativa, é a forma como as redes atuam. E isso se notou muito quando ele comprou a rede: certos direcionamentos, favorecimentos, impulsionamentos. O fato de ele impulsionar a própria conta dele com discursos ideológicos. Naquela reportagem que você me mandou hoje de manhã, do The Guardian, fala que o Center for Countering Digital Hate apontou que ele mesmo postou 50 mensagens falsas sobre as eleições neste ano, o que implicou um total de 1.2 bilhão de visualizações.
(21:13) Acho que o primeiro ponto é essa questão da própria esfera pública, que está completamente zoada. E você ainda tem como saída essa nova dinâmica, que não é nem um debate, mas uma dinâmica troll. Porque, vamos imaginar que a gente tenha problemas institucionais. Vamos usar uma palavra em português: deboche. Debochar, incomodar, espinhar, fazer bullying. Por quê? Porque isso gera um engajamento tão grande, e é tão forte, que nós estamos aqui falando sobre isso. Eu nem sei se queria (21:53) estar falando sobre isso. Nós fomos puxados. É um negócio que te puxa para isso. E aí todo mundo fica falando sobre isso.
Eu acho que temos que olhar para essa nova dinâmica e notar que os Estados, de maneira geral, não estão conseguindo lidar com isso. Essa é a primeira constatação. E o Estado, por meio do próprio Judiciário, não consegue lidar com isso, sobretudo diante de companhias globais. (22:25) A discussão da própria saída, que eu fiz no último episódio, eu disse que uma das possíveis motivações me parece ser fugir do controle judicial e de possíveis ordens. Mas tem outro interesse que me parece muito claro: um movimento mundial pela não regulação de espaços de redes sociais. E isso fica muito claro com o X/Twitter. Não vejo isso acontecendo com tanta intensidade com outras Big Techs, mas, claro, elas agem pela via do lobby, (23:05) elas têm poder econômico para isso. A gente pode criticar, mas ainda está dentro de um quadro em que o lobby não é proibido. Que seja transparente e tudo mais.
Então, você cria com essa carta da liberdade de expressão, que é algo importante, quase um estado de coisas mundial, muito forte aqui no Brasil, de que você não poderia discutir controle de conteúdo, sobretudo conteúdo ilícito. (23:50) E o fato da empresa X se posicionar de uma forma que nega o cumprimento de ordens judiciais é um problema muito grave aqui. Sobretudo quando isso acontece no movimento de saída do Brasil com a intenção, aparentemente, de descumprimento da ordem. Porque se você é uma empresa que vende bens físicos, materiais, você sai do país e sua operação fica complicada. (24:35) Com a internet e com empresas desse porte, de fato, o serviço consegue continuar sendo prestado sem a presença de responsáveis e da própria empresa no país.
E aí chegamos numa encruzilhada, de você ter ordens judiciais deliberadamente sendo descumpridas. E a saída do país nesse contexto, e esse interesse de desregulação… A briga de Musk na União Europeia se dá também pelas novas regulações, o Digital Services Act. O mesmo acontecendo, como comentei, na Austrália, (25:22) dele se insurgir contra o cumprimento dessas normas. Porque, veja, imaginando que essas normas sejam problemáticas, não me parece que seja o caso, você tem instrumentos para lidar com isso. E com o poder que ele tem, ele teria instrumentos mais legítimos. A questão é usar esse novo meio de discussão, do troll, do engajamento e da descredibilização das instituições mundiais. Se a gente fosse admitir isso, quem tomaria essas decisões? Seria ele? Ou vamos transformar as redes sociais (26:07) num tipo de negócio à prova de regulações? Será que isso seria bom? É uma reflexão que podemos fazer. Não acredito que seja.
Mas nota que estamos entrando num tipo de discussão sobre a própria legitimidade e o poder, não falo só do Brasil, falo de todos os Estados. Todos os Estados deveriam estar preocupados com o que acontece. “Ah, mas o STF está exagerando”. Pode ser que sim. Tem algumas coisas muito discutíveis nesse último aspecto jurídico.
(26:46) E uma delas, pode me interrompendo, Vinícius, foi a própria questão da Starlink. O X sai do Brasil, ficam multas sem pagamento, se notifica um dos representantes para ele dizer se ainda era, e eles não respondem. E vem toda aquela questão da citação pelo próprio Twitter, que é uma questão super discutível dentro do direito. Mas vem um bloqueio de valores da Starlink, (27:32) que pertenceria ao mesmo grupo. Você teria essa movimentação do Supremo, que é super delicada. Primeiro, essa questão do grupo econômico de fato. Eu estava dando uma pesquisada, não é bem minha área, mas não é algo estranho para o direito brasileiro. Existe a figura do grupo econômico de fato, que não é formalmente definido, mas poderia ser considerado. Isso está presente tanto na Lei das S.A. (28:10), no artigo 243, quanto na lei que estrutura a defesa da concorrência no Brasil, que estabeleceria a responsabilidade solidária para empresas dentro do mesmo grupo. Mas estamos falando de infrações da ordem econômica, o que não me parece ser o caso. E também na Lei Anticorrupção, que prevê a necessidade de que grupos econômicos de fato respeitem acordos de leniência, o que também não é o caso aqui. E o próprio Marco Civil exigindo o respeito às (28:50) normas brasileiras para companhias estrangeiras.
Então, o STF traz essa figura do grupo econômico de fato para tentar atingir o X pela via da Starlink. Mas sabe o que a Starlink fez? Eu vi agora há pouco, Vinícius. Vou te dar em primeira mão. A Starlink fez o que qualquer empresa e qualquer pessoa deveria fazer: ela recorre ao STF contra a decisão de Moraes e pede o desbloqueio de contas da empresa. Perfeito, isso é o certo.
(29:29) “Ah, mas o STF está passando da conta”. Veja, eu acho que nós também temos um outro problema de soberania aqui, porque esse é um problema nosso, dos brasileiros. Não sei se é do Elon Musk ou de uma rede social. Porque aí a gente começa a ver qual a função dessas empresas. Ou qual a função que a gente quer para elas. Será que queremos essas empresas interferindo em política doméstica? Será que essa vai ser a nova forma dos Estados pós-internet? (30:07) Nós vamos virar corporações? E eu repito: isso não desqualifica a discussão de como o STF está agindo, de forma nenhuma. Mas não acho que seja ele, o Musk, a fazer isso, e tampouco da forma como está fazendo. Poderia ser ele a desafiar o STF, mas tem a forma correta de desafiar.
(30:52) E mais eficiente, diga-se de passagem. Desse jeito, você só cria confusão. Olha o que a Apple fez há muitos anos, a gente chegou a comentar aqui. Quando a NSA, FBI, etc., vieram com o papo de botar um backdoor nos iOS, eles confrontaram, entraram na justiça contra. E tiveram várias gag orders, aquelas ordens sigilosas que você não pode publicar. E várias dessas gag orders foram desafiadas, inclusive publicadas por essas empresas. Lembrando que é isso que o Musk diz que está (31:44) acontecendo aqui, que ele está recebendo ordens judiciais sigilosas sobre as quais não pode falar. Então, se ele acha que está errado, que isso prejudica o bem público, assume o risco, faz uma desobediência civil e publica a ordem. Ele fez isso? Não, ele não fez com tudo. Ele fez com aqueles Twitter Files, algumas delas, mas não foi tudo. (32:23) E, claro, ele está desobedecendo uma ordem judicial ainda assim, mas não está publicando meme na internet. Isso é coisa de moleque.
Ao mesmo tempo, a gente vê que isso movimenta um certo público, tanto aqui como nos Estados Unidos. O objetivo dele, no final das contas, não é realmente desafiar o STF. Ele quer (33:03) causar. Senão, ele estaria fazendo isso mundo afora. Ele faz onde pode, de alguma maneira, se beneficiar. Ele não é o líder mundial da liberdade de expressão. Até porque esse é um elemento importante: as redes sociais, de maneira geral, quando permitem que seus próprios algoritmos organizem e priorizem conteúdos, isso também é um problema de liberdade de expressão, se a gente quiser. As redes se tornaram intermediadoras (33:46) dessa esfera pública. O problema é que talvez esta nova forma de resolver problemas, pelo meio do engajamento, não seja a melhor para a sociedade. Acaba virando também um problema político, que é a própria morte da política, enquanto meio de consenso buscado através do acordo, em que as partes deliberam e se escutam. (34:25) Se isso acabar, nós vamos ter um problema de ordem mundial.
Agora, claro, se quiser falar sobre aspectos jurídicos, tem a própria questão da citação feita pelo Twitter. Até onde vi, é a primeira vez que isso acontece. E você tem uma necessidade de rigidez muito grande na questão das citações e intimações por outros meios que não os estabelecidos em lei, porque você tem que ter certeza que a pessoa foi adequadamente cientificada daquilo. (35:03) Nós temos decisões do STJ nos dois sentidos: uma permitindo a citação por WhatsApp e outra proibindo via redes sociais, justamente pela dificuldade de saber se a pessoa realmente foi cientificada. E esse pode ter sido o erro do Musk, porque ele respondeu aquilo. Mas nota, a gente não pode violar a lei para lidar com outras questões de violação. É um princípio democrático respeitar a lei dentro do processo.
(35:50) Mas é inegável que a jogada dele foi cavar essa falta. Mas veja, como o Estado lida com uma situação em que o sujeito sai do país para evitar ordens judiciais, mas o alcance da sua atividade continua atingindo o país, a despeito das fronteiras? (36:33) Como você lida com isso? Tradicionalmente, você precisaria de cartas rogatórias, mas pode demorar semanas. Você precisaria atualizar a legislação. E, de fato, nós tínhamos o PL 2630, que foi engavetado. Ou seja, se bloqueou um debate sobre controles de redes sociais e agora nós estamos nessa encruzilhada. Não sei se é bem uma encruzilhada, porque o Estado está se mostrando também ineficiente para lidar com isso. E não é só o caso do Musk; você tem outros casos mais comuns (37:21) de conteúdos flagrantemente criminosos que não são retirados do ar.
Claro, é bom para qualquer empresa que não tem uma boa orientação ética atuar num ambiente em que pode fazer o que bem entender e não precisa respeitar as leis locais. É mais fácil. Mas, enfim, o direito é essa forma, cheia de problemas, que (37:52) a gente encontrou para resolver as nossas questões importantes. Se acaba com o direito, você vai resolver os problemas com quê? Com aposta? Vai voltar a fazer duelos? Quem grita mais ganha? Quem vai ter mais likes? Como vai ser?
(38:31) Eu gosto muito da analogia do xadrez. Quando você joga, você desafia o oponente dentro de certas regras. E no xadrez, você pode até desistir. Mas é uma ofensa se a pessoa sai derrubando tudo ou fica brava porque perdeu. Você nunca mais joga. Dar um soco no tabuleiro, jogar as peças no chão… isso não é uma coisa que o xadrez admite. Mas esse é o jogo que as pessoas não têm paciência de jogar.
(39:17) Acho que, no final das contas, elas querem uma mudança muito imediata e acabam confundindo as coisas. Tudo que é complexo exige tempo para ser analisado, modificado, ajustado. O próprio processo judicial, ter esse meio para discutirmos as coisas, é uma evolução de milhares de anos. (40:03) Você começa a entender que não pode simplesmente matar seu vizinho porque ele pegou uma parte do seu terreno. Mesmo que você tenha razão na disputa, o ato que você cometeu é um crime, você vai ser preso e acabou.
Eu vou mais além. Se o sujeito invade um terreno seu, você não presenciou, e a posse dele se consolida, você não pode retirar a posse dele manualmente, violentamente. (40:40) Você vai precisar de uma ação de reintegração de posse, mesmo que todo mundo tenha visto o sujeito invadindo. Porque a posse terá sua proteção. Você não pode simplesmente entrar lá com uma arma. O Estado é que tem esse monopólio da violência.
(41:22) Uma coisa legal que recomendo a leitura é “O Leviatã”, de Thomas Hobbes. Ele trata justamente dessa discussão de a gente criar esse “super-humano”, que é o Estado, e dar a ele “superpoderes” para resolver nossos conflitos. Só que isso é complexo, é difícil. Quem já teve algum processo judicial sabe que nem sempre a coisa é justa do jeito que a gente acha. (41:59) E há certas decisões que são tomadas, que são perfeitamente legais, e que a gente ainda assim não aceita, não se conforma. Mas tem espaço para discutir, tem formas. E temos outros problemas, claro, que não afetariam o Musk, como a morosidade no sistema judicial.
(42:36) É por isso que não entendo por que ele faz as coisas desse jeito, age como um pombo. É engajamento, cara. A gente está aqui falando dele. Exato. Mas estou tentando atribuir a ele uma coisa que, pelo próprio comportamento, ele está deixando claro que não é o que quer. Ele não é um cara burro. Mas a forma como ele está fazendo demonstra uma coisa meio infantil, meio maluca. Porque o cara que tem os recursos que ele tem… (43:22) ele tem acesso VIP ao STF com quem ele puder contratar. Ele tem como trazer à tona discussões muito relevantes, inclusive aqui no Brasil, se quisesse. Mas o que ele quer é bagunçar, zoar.
(44:01) Eu separei algumas headlines. Tenho aqui do The Nation, por exemplo: “Elon Musk é uma ameaça para a democracia”. Você tem o foreignpolicy.com: “O Twitter de Elon Musk está se tornando um esgoto de desinformação”. Isso é bem objetivo. Ele publica voluntariamente desinformação, que é outro problema. (44:50) Ele publicou esses dias uma imagem de Inteligência Artificial para induzir as pessoas, relacionada à Kamala Harris. Veja, não há discussão quanto a isso: ele é um propagador de desinformação, ele, pessoa física.
E ele não lida bem com a liberdade de expressão. Ele zera todo mundo que o critica e que seja relevante. Nós acho que não vamos ser zerados, mas ele bloqueia, cerceia. Ele teve uma entrevista com um cara que ele tinha recém-contratado, que tirou da CNN. (45:34) O cara disse: “Beleza, quero que a primeira entrevista seja contigo”. Ele topou. “Não tem nada que eu não possa perguntar?”. “Ok”. É o Don Lemon, que fez a entrevista. Elon Musk sabe como ele trabalha. (46:15) Ele o contratou para ter um programa no Twitter. Ele entrevista o Musk e confronta as ideias malucas que o Musk tem disseminado, pessoalmente e no Twitter. (47:02) Resultado: o Elon Musk ficou vermelho, ficou roxo, começou a ficar bravo e disse: “Aproveita bem teu tempo, que tu tens mais uns minutos só para terminar essa entrevista”. Obviamente, o cara foi dispensado posteriormente. Ele saiu de lá e recebeu a mensagem do Elon Musk dispensando-o. Então, esse cara não lida bem com liberdade de expressão. Ponto.
(47:42) Eu preciso dizer, acerca das críticas: eu tenho sim minhas preocupações quanto, por exemplo, a todo esse inquérito que tramita no STF das milícias digitais. O negócio está lá há muito tempo. Você tem ordens sigilosas. Qual o problema da ordem sigilosa? Ela tem que ser a exceção, porque você não consegue submeter ao escrutínio público. Claro, o direito eventualmente a investigações, a polícia não precisa divulgar que vai fazer uma busca e apreensão. (48:28) Você tem expedientes que precisam ser, de fato, sigilosos. O problema não é o sigilo em si, o problema é que estes sigilos, durante tanto tempo, começam a causar uma certa dúvida legítima na sociedade, que quer saber: “Mas que perfis são esses? Contra quem são essas ordens?”. Você não consegue fazer esse escrutínio público. Mas veja, não é algo que não possa ser feito ou que seja proibido.
(49:08) Esse é o vídeo da entrevista para o Don Lemon. É o primeiro e último vídeo que ia sair no Twitter. A gente vai tomar um strike aqui no nosso canal. Mas olha a face dele no final do vídeo. Ele está ficando vermelho, já está bravo. Foi uma entrevista bem interessante para se ver. (49:40) O link eu vou deixar no show notes, porque ali você vê o quanto ele resiste à liberdade de expressão, o quanto ele está aberto a discutir um determinado tema de forma tranquila.
(50:21) Tem o caso Pavel Durov, do Telegram. A gente não tinha preparado nada sobre isso. Em novembro de 2021, o Tribunal de Propriedade Intelectual de Lisboa instou Durov, detido essa semana, enquanto gestor do Telegram, a bloquear o acesso a 17 grupos que partilhavam filmes, séries e jornais gratuitamente, em violação aos direitos de autor. A justiça nunca conseguiu notificar os Durov. (50:58) A sede do Telegram está registrada em Dubai, mas a Embaixada dos Emirados Árabes informou que não foi possível localizar seus proprietários. Em 2022, na sequência de outro pedido, foram encerrados 11 canais. Uma investigação inédita da Polícia Judiciária chegou aos alegados autores de um desses grupos, e o Telegram conseguiu pela primeira vez identificar e constituir dois arguidos. Mas o caminho é sempre muito lento. (51:31) E a justiça continua a perder terreno numa área em que o direito não consegue ou não consegue adequadamente atuar. Os tempos são diferentes. E se o sujeito tem poder suficiente, ele consegue escapar do direito. Isso está acontecendo também com o Durov. Essa reportagem do Diário de Notícias traz um pouquinho das dificuldades que os Estados estão tendo no mundo inteiro, e a partir daí, as tentativas de regulação.
(52:16) Não é violar a liberdade de expressão quando a gente olha para o Digital Services Act. O objetivo não é esse. E por isso que seria útil conhecer todo esse inquérito, para que a sociedade tenha o direito de afastar, eventualmente, a ilicitude, ou conseguir escrutinar o que está acontecendo. Me parece que a justiça também erra ao seguir dessa maneira, mas reconheço a possibilidade de que inquéritos sejam conduzidos de (53:02) maneira sigilosa.
Perfeito, Guilherme. Eu queria chamar a atenção para uma coisa que a gente não entrou: teve ameaça de bloqueio. Em tese, estaria para acontecer. Eu ouvi o jornalista Pedro Doria dizendo que essa demora pode ser indicativo de que está havendo alguma negociação nos bastidores, justamente pelo STF entender que não é uma medida muito popular tirar uma rede (53:48) social do ar, e também não é muito eficaz.
Mas há uma questão técnica que podemos comentar sobre tirar sites do ar. Tem, na real, três maneiras. Uma é mexer no DNS, o serviço que resolve nomes. Quando você digita x.com, (54:30) ele te devolve o endereço IP para onde sua máquina se conecta. Você pode impedir que seja feita essa busca. Você tenta resolver x.com e não recebe resposta nenhuma. (54:57) Essa é uma maneira. Só que aí o que você faz? Você aponta para DNSs estrangeiros. Por exemplo, se a Vivo, a Oi, a Claro forem intimadas a fazer o bloqueio, o cara vai lá, muda o DNS dele para 1.1.1.1 (55:30) e vai continuar acessando o X sem VPN, sem nada.
A outra forma seria sair bloqueando o endereço IP, as rotas para chegar até os servidores do X. Só que não temos um Great Firewall como na China, que faz a filtragem de todo o nosso tráfego. (56:15) Existem várias saídas. Você teria que mexer no roteamento da internet brasileira, que não é uma empresa, são várias interagindo. E a VPN fura esse bloqueio. No ano passado, as pessoas já fizeram isso e, o pior, (56:57) acabam usando VPNs de origem duvidosa e ficando em risco. Se você não sabe como usar uma VPN, é melhor ficar sem o X.
(57:43) Existem VPNs confiáveis como Surfshark, Kaspersky, Cloudflare, ProtonVPN e a NordVPN. Mas o risco ao fazer uma modificação dessa… eu aposto que o CGI.br não deve gostar nem um pouco dessas ideias de sair mexendo em roteamento. (58:24) Isso também pode ser ineficiente, porque você vai ter que começar a catar todos os IPs que os servidores do X estão utilizando. E eles poderiam, de sacanagem, ficar mudando de IP.
Uma terceira possibilidade é a remoção do aplicativo das lojas brasileiras, das App Stores. (59:02) Isso eu não ouvi falar nesse momento, mas é uma medida que já foi aventada no passado. É bastante invasiva, e para a maior parte dos usuários, bastante eficiente. Porém, quem está no iOS teria maiores problemas. Em Android, teríamos outra ação arriscada: (59:46) os usuários poderiam ser levados a ativar a instalação de aplicativos de fontes desconhecidas e acessar algum outro site para instalar o aplicativo do X. O pessoal vai começar a mandar o APK pelo WhatsApp. Vai ser golpe que não termina mais.
(1:00:21) O bloqueio é sempre a pior medida, porque não funciona direito, é complexo, caro, burocrático, tem riscos de comprometer outros serviços. Não deveria haver bloqueio. É a demonstração máxima de: “não tenho o que fazer, então vou bloquear, mesmo que não vá funcionar direito”.
(1:01:01) A gente já viu situações em que se bloqueia o aplicativo e a ordem estipula multa para quem acessar por VPN. Lembro que teve isso. Até onde sei, essas multas não foram aplicadas. E se caso venha isso, estamos entrando numa medida bastante complicada. Não vejo como lícita, me parece uma medida bastante condenável. E você teria que discutir isso judicialmente. Mas, bloqueou, bloqueou. (1:01:46) Como controlar o que o sujeito acessa se ele usar VPN para outras coisas, como nós usamos? É uma medida bem complicada e discutível estabelecer multa para quem usar VPN para acessar o X.
(1:02:29) Mas nota que a coisa já saiu dos trilhos, não está legal em ambos os lados. E, no final das contas, a solução… como é o jeito certo de fazer a coisa errada? Não tem. Esses bloqueios não são legais, não devem acontecer. Mas, ao mesmo tempo, o que a justiça poderia fazer? Nada? (1:03:07) É muito delicado. O jogo está sendo jogado errado. Esse é o maior problema.
Você pega, hoje saiu a suspensão do treinamento da IA pela ANPD da Meta. E hoje voltou. Vi uma notícia dizendo que a ANPD acata a proposta da Meta e libera o uso de dados de brasileiros para treinar IA. (1:03:53) Não sei quais foram as medidas, mas dá para ver a decisão no site da ANPD. É assim que você resolve um problema. Você colaborou com a autoridade, resolveu potencialmente o problema. E você tem outras redes colaborando, (1:04:37) sobretudo em um momento eleitoral. O sistema eleitoral brasileiro tem problemas a serem melhorados, ninguém discute. Mas vamos começar a descumprir ordem judicial sem a utilização do recurso adequado, como a Starlink acabou de fazer? Porque também é um tipo de pressão para o próprio judiciário.
(1:05:20) É delicado também para o Judiciário saber que o sujeito sequer vai recorrer. Diz ele que tentou e não foi ouvido. Mas quando você abandona o processo, é ruim. Porque, ora, se é tão ilegal e injusta, recorra e demonstre isso. (1:06:09) Ao não fazer, fica só uma questão de “eu não concordo com a ordem, mas não vou recorrer”. Eu não consigo demonstrar juridicamente por que eu estaria certo.
Cara, acho que não tenho mais nada a dizer sobre esse assunto por enquanto. Vamos ver o que vai acontecer. Mas estamos numa situação, num jogo meio lamentável. Estou com vergonha alheia. (1:06:50) É como aquela expressão em inglês, um catch-22, uma situação em que qualquer saída é ruim. E eu digo mais uma vez: não me isento de criticar a posição do Musk, mas você tem sim questões muito discutíveis, jurídicas, (1:07:29) do lado do STF. E esse debate precisa ser feito. A gente precisa aprovar uma legislação para que os juízes saibam o que pode ser feito. Mas o próprio comportamento do Musk meio que interdita certos debates. (1:08:04) Essa dinâmica faz com que certos debates fiquem muito difíceis de serem feitos. Eu termino com uma sensação bem ruim de ter conversado sobre isso.
(1:08:50) Sim. Mas nosso próximo assunto é mais legal, para cima. Deixa eu terminar aqui, Vinícius. Acabei de receber no WhatsApp. É o José Simão. Ele disse: “Do X: brasileiros querem que Moraes acabe com os grupos de família no WhatsApp”. Ah, eu gosto dos meus grupos de família, são bons. (1:09:58) Eu não tenho. Quer dizer, tenho uns ali, mas não uso WhatsApp. Pergunta para quem tenta falar comigo via WhatsApp. Eu sei, às vezes te mando uns WhatsApps e você não responde.
(1:09:58) Vamos terminar com uma mensagem boa, Vinícius. Traz uma mensagem positiva. De improviso… eu gosto muito do “Coach do Fracasso” no Instagram. Tem uma sabedoria ali. (1:10:35) Vou deixar minha mensagem, que é do “Coach do Fracasso”. Vou até mudar o tom: “A vida é feita de obstáculos e você vai tropeçar em cada um deles”. Essa é a minha mensagem.
(1:10:35) Eu peguei uma aleatória aqui do Fernando Pessoa. Ah, pronto, lá vem. Eu venho com o “Coach do Fracasso”, ele vem com Pessoa. “Ouçam, às vezes, passar o vento; e só de ouvir o vento passar, já vale a pena ter nascido”.
(11:11:6) Ah, e tem o nosso passarinho também. “Eles passarão, eu passarinho”. É do Mário Quintana. “Todos esses que aí estão, atravancando meu caminho, eles passarão… eu passarinho”. (1:11:58) E era isso. Até a próxima.
Tudo bom. Então, aguardamos todos no próximo episódio, mais light, do podcast Segurança Legal. Até a próxima!
Plantão, Guilherme, plantão! Terminamos de gravar e vem a bomba. Saiu a decisão ordenando o bloqueio. (1:12:45) É uma decisão de 51 páginas. Obviamente não deu tempo de ler com atenção, mas o que importa são as últimas páginas. Vou passar a ler a determinação.
(1:13:20) “Determino a suspensão imediata e integral do funcionamento do X Brasil na internet em território nacional, até que todas as ordens judiciais sejam cumpridas, as multas devidamente pagas e seja indicado em juízo o representante em território nacional. […] O presidente da Anatel deve ser intimado para que adote imediatamente todas as providências, (1:13:58) comunicando esta corte em no máximo 24 horas. […] A intimação para cumprimento no prazo de 5 dias das empresas Apple e Google no Brasil para que insiram obstáculos tecnológicos capazes de inviabilizar a utilização do aplicativo X […] e removam o aplicativo das lojas App Store e Google Play Store.”
(1:14:33) E aqui vem a parte mais problemática. O que vem agora eu não lembro de ter visto. Isso aqui é punk, amigo. É pavoroso. É a retirada das lojas das VPNs, de aplicativos que possibilitem o uso de VPN. E tem, exemplificativamente, ExpressVPN, NordVPN, Surfshark… Cara, eu pago o Surfshark. Como ele vai tirar do ar um (1:15:08) serviço que eu estou pagando? E toda a questão da proteção da privacidade e segurança de pessoas que vão usar VPN para outras coisas. Cara, isso aqui não tem cabimento. Com toda a vênia, não tem sentido isso aqui.
Vai acontecer justamente a porcaria que eu disse: (1:15:48) “Cuidado, se cair o serviço, não pegue qualquer VPN por aí”. Bloqueia essas, e vai ter outras, justamente as porcarias que vão ficar. E vão empurrar a galera ainda mais para o negócio errado. Lamento, mas essa parte está errada.
(1:16:27) Ele foi por todas as frentes possíveis: roteamento, DNS, provedores. Mas tem uma outra coisa: ele não impediu que você use VPN no computador. Deve ter um assessor lá que pensou: “só se usa VPN no celular e a única utilidade é furar controles que o STF quer”. (1:17:04) Perfeito. Ninguém usa VPN para trabalhar. Exatamente. Nós usamos todo dia VPN para trabalhar.
(1:18:16) E agora vem a aplicação de multa diária de R$50.000,00 às pessoas naturais e jurídicas que incorrerem em condutas no sentido de utilização de subterfúgios tecnológicos para a continuidade das comunicações ocorridas pelo X, tal como o uso de VPN. Fica aquela dúvida: se usar VPN já é crime, ou se é usar VPN para acessar o X. E outra, se você usa uma VPN, as pessoas do mundo externo não conseguem saber o que você está acessando.
(1:19:41) Imagino que ele tenha escrito isso para caso as pessoas que ele está mirando contornem as ordens. Mas do jeito que está aqui, é para todo e qualquer cidadão. Se você subir uma VPN para trabalhar, no nosso caso, e acessar um site que tenha algum social plugin do X, você automaticamente se comunica com o X. (1:20:18) O problema é não compreender para que serve uma VPN. E o pior: não vai funcionar. Eu saio de casa, estou com VPN ativa. É como aquelas tentativas de bloquear criptografia.
(1:22:24) A multa se aplica para qualquer subterfúgio tecnológico para acessar o X, não apenas VPN. Por exemplo, se eu acesso uma máquina virtual na Amazon e de lá acesso o X. Veja, não estou usando VPN. Isso também estaria coberto pela multa. E não é uma situação em que as pessoas envolvidas no inquérito poderiam usar esses subterfúgios. (1:23:08) Aqui é qualquer pessoa que não tem nada a ver com a história. Bom, vamos dormir com um barulho desses. Até a próxima.

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