#SOA_007 | rabiscos que nos movem
crescer pode ser esquecer, mas também significa exercitar a memória como um músculo potente de imaginação.
Estou cheia de ideias, meu cérebro cheira a gasolina, e meu corpo se lambe em fogo. Elas nascem num frenesi da alma, entre carne e sangue, e acabam espetando a cabeça por dentro, refletindo numa dor intensa no ombro. Fico tão tensionada com uma nova ideia que as palavras saem mais altas e descontroladas, e meus ombros ficam erguidos e tensos. Hoje, reconheço meu corpo dizendo que algo está em movimento intenso dentro de mim, e preciso aceitar para não me esvaidecer.
Essa emoção, que muitos de nós conhecemos, surge de ser um veículo sensível num mundo atormentado pelo caos – onde as ideias querem nascer, mas a calça jeans apertada no escritório e o metrô abarrotado nos sufocam. Sem oxigênio, explodimos em direções opostas à criação.
Não sabemos por onde começar, se devemos, o que é isso, se tem nome, ou porquê. Ideias não nascem para dar razão. Eu as chamo de faíscas, que sobem pela espinha, provocam curto-circuitos e gritinhos. É a metáfora mais próxima do que sinto de cheiro e movimento criativo – pode virar incêndio na alma, mas também aquecer medos e angústias. A direção e força do vento voam como um baloiço em tempestade, sempre em movimento, nunca repousando. E essas faíscas podem fertilizar muitos terrenos.
Para começar essa jornada, sugiro que você leia essa carta ao som da incrível Margarida Campelo
Rabiscar
Desde criança, organizo meus estalinhos criativos falando (muito) ou escrevendo. Recentemente, lembrei que também organizava desenhando, mas perdi a prática. Atrás das portas do meu quarto de infância, havia desenhos meus (ainda devem estar lá, né, mamãe? ;) – o espaço seguro da folha em branco, sem julgamento, só derramamento.
Quando tive esse "clarão", olhei as paredes da minha casa e ri. Recupero essa prática com as crianças ao meu redor – minhas sobrinhas amadas, que me emprestam a melhor versão de mim mesma: ser tia. Quem entra na minha casa vê desenhos espalhados pelas paredes, no frigorífico, até no banheiro. Para mim, eles são post-its de memória, lembretes de que a comunicação através da arte está sempre conosco, desde a centelha inicial.
Nunca havia racionalizado sobre minhas ilustrações infantis na casa da "tiChai". Acho é graça nessas redescorbertas. E aqui estou, de onde escrevo: olhando para uma parede cheia de colagens e nunca tirei esse quadro, o primeiro presente que ganhei para meu lar em Lisboa – um presente luminar que completa dois anos comigo da artista miúda Julieta Corteze:
Lembrar do que não esquecer
Quando foi a última vez que você desenhou ou brincou com sua criatividade? Sentou-se ao lado de sua criança interior e deixou-a rir do seu adulto de hoje? Você lembra como desenhava as casas e as árvores? Aqui vai um lembrete semanal para você que me lê.
A infância é um exercício que devemos honrar, uma musculação da mente. Aprender coisas novas, aceitar conselhos e dicas, manter a curiosidade viva – os rabiscos do crescimento. Na sala de aula, você rabiscava seus cadernos? Por que parou? Rabiscos livres e potentes podem formar a base de ideias que não cabem na linguagem verbal. Mas como manter esse estado vivo quando a vida adulta exige tanta organização e lógica?
Deixar as ideias respirarem
Foi dessa necessidade que surgiu minha oficina. Eu sempre senti que muitas vezes as ideias mais importantes nascem do desconforto, da raiva, do ódio mesmo, do caos, de uma vontade quase desesperada de criar – desse sufocamento angustiante. Mas, às vezes, elas surgem e ficam ali, presas. Sabemos que elas têm potência, mas não conseguimos dar forma. Eu realmente acredito que esse momento, esse fogo inicial, é o mais precioso. Ao redescobrir o prazer de criar, o desejo de compartilhar com outros artistas e criativos floresceu, e assim nasceu a oficina "Estado Bruto: da Faísca da Ideia ao Movimento de Criação".
Esse projeto de alguma maneira honra a Chaiana dos 10 anos e a dos últimos 15 anos como produtora de imagens pelo cinema. É para quem sente faíscas criativas, mas ainda não sabe como, ou se deve, trazê-las ao mundo. Não buscamos resultados perfeitos ou fórmulas prontas. A proposta é acolher o processo criativo, desbloquear ideias, relaxar com o fluxo e criar, mesmo com um cadinho de medo.
Da faísca à criação coletiva
Serão dois encontros online, nos dias 15 e 17 de outubro. Vamos explorar essas faíscas criativas juntos, num formato íntimo e colaborativo, com trocas de experiências e consultorias coletivas. A turma será pequena, com poucas vagas, para garantir que todos possam se expressar e sentir-se acolhidos. Se suas ideias precisam de espaço para respirar e crescer, essa oficina é para você.
As inscrições estão abertas até o dia 13 de outubro.
Hoje, o dia que te escrevo, terça (08/10), restam apenas 8 vagas, então ;)
Garanta sua vaga aqui: [link para inscrição]
Muito obrigada por estar comigo participando dessa jornada.
E gratidão imensa aos retornos, em especial ao email mais que carinhoso que recebi sobre a carta da semana passada em que parte dizia:
“É muito mais fácil criticar o trabalho dos outros do que idealizar, organizar a mente, sentar e executar, refinar, enfim. Você decidiu por um caminho público, um trabalho que demanda uma interação constante com o interlocutor, de forma que é natural absorver algum feedback, claro. Mas pode ser que com o tempo você perceba que as críticas não cessam e que você fique num looping infinito de chegar ao modelo perfeito de comunicação. Sendo que o modelo perfeito é o que te traz alegria. Alegria na execução. Não no feedback. Na execução!”
Sim, ando feliz demais de estar publicamente sendo sensível e extremamente vulnerável no processo de criar. E isso é bom.
Com carinho e energia,
Chaiana Furtado ou TiChai ;)Beijos de #FocanaLuz ✨
☂️ S.O.S da semana:
* A curadoria de inspiração da semana vem atráves do convite para conhecer o trabalho da artista visual de Lisboa Maria Imaginário. Segundo a própria, ela tem desenvolvido ume stilo pessoal agri doce com emoções, ironia e sentido de humor. Constroi um universo com instalações, esculturas e pintura em telas e murais. Uma “doçura”. <3
🔦 Lanterna da Foca:
Escrever sobre o tema me despertou leituras antigas, livros amados que, assim como meus desenhos, estão lá na casa da mamãe, do outro lado do oceano. Deixo a indicação deles aqui, caso conheçam, lembrando como eu – caso desconheçam, indico um momento oportuno para esse mergulho entre rabiscos, sonhos e criações:
* O mestre ignorante - Cinco lições sobre a emancipação intelectual, por Jacques Rancière.
* A paixão de conhecer o mundo: Relatos de uma professora por Madalena Freire (juro! Esse livro tem em mim um papel de presente guardado na memória de amor! E sim, ela é filha do Paulo Freire ;)
☎️ Chamadas abertas em destaque - Portugal💥
* Convocatória para intervenções artísticas (a preto e branco) na Rua da Restauração, Porto. Até 18 de Outubro.
* Open Call: Common LAB 2025. Até 15 de Outubro.
* Bolsas de Criação: O Espaço do Tempo ET / BPI / "la Caixa" (5.ª edição). Até 8 Novembro
* Bolsa de Criação - Outdoor Arts Portugal 2025. Até 15 de Novembro.
* Culture Moves Europe: acção Mobilidade Individual. Até 29 de Novembro.
🔮 Se Organiza, Artista meu!
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