Como dedicados seguidores das trends e dos últimos gritos da moda decidimos proporcionar aos nossos ouvintes aquilo que no marketing de ponta se convencionou designar de experiência imersiva. O objetivo é fazer com que o ouvinte se sinta parte do que está a ser apresentado e use os seus sentidos para explorá-la. O cenário é a festa das chouriças em Valverde e podem usar o sentido da audição para mergulhar na festa. Os sentidos do olfato e do paladar, caros amigos, ficou acessível somente a quem rumou à festa e conseguiu arrematar chouriças para encher o bandulho. Na verdade, o programa foi mais uma vez uma desculpa esfarrapada para beber uns quantos tintos, desta feita sem o inconveniente de ter que meter conversa com o povo em folguedo já que estava um cagaçal sónico do demonho. Mesmo assim conseguimos interessante entrevista com o canídeo Picasso, um serra da estrela de imponente porte que decidimos carinhosamente apelidar de ‘Pica’. Os latidos do Pica demonstram o seu elevado interesse pelos enchidos de Valverde e Carvalhal. De resto é contar com uma dose reforçada de música ambiente, música ao vivo e músico gravada enfiada de entremeio para cortar a gordura ao maná carnívoro. E claro, o acompanhamento da licitação de um par de chouriças. Lamentavelmente já não acompanhamos a rainha das chouriças arrebatada pela módica quantia de 320 euros. Certamente a terão confundido com uma lata de caviar Beluga contrafeito…

Ao acordar de madrugada temos tendências a tecer estranhas teias de ideias que se encadeiam como um emaranhado sem sentido, mas que, afinal, até tem algo de razoavelmente razoável. Foi assim neste dilúculo. Perante a perspetiva em ter de fazer um episodio e se ter esgotado o stock de paleio (a festa de aniversário foi dura e andamos meio azamboados logo estamos perdoados por ainda não termos voltado à carga) pensava no «L’Étranger» de Camus, que me levou ao “Killing an Arab” dos The Cure, e, da cura à desgraça foi um passo. Este episódio, sem conversa e muita música, é dedicado às vítimas não só do recente terramoto que abalou a Síria e a Turquia, mas também aos que sofrem na pele a fatalidade da indiferença e desconfiança pela diferença (que serve de mote para a abertura do episodio). Fazer um episodio com cinquenta e cinco minutos de silencio poderia, talvez, ser o apropriado (e até podíamos lá botar pelo meio os 4'33’’ do John Cage em versão grind core só para quebrar a monotonia) mas fazemos nossas as palavras do poeta Raouf Reda Habib: “Deem-me um livro [ou música, dizemos nós] e poderei mudar o mundo, deem-me uma arma e não haverá mundo para mudar.”

Foi bonita a festa do primeiro aniversário das Conversas da Abaladiça no café Estrela da Tarde, Fatela. Não foram muitos os presentes e nem convinha não se tratando de um programa para as massas (o que nos obrigaria a mudar o salsifré para o pavilhão multiusos e o calor humano evaporar-se-ia na frieza da imensidão do espaço) nem para as elites (ainda bem porque não tínhamos croquetes nem champanhe a oferecer aos habitues desse banco alimentar contra a fome versão glamour). Presentes estiveram amigos que estimamos e fatelenses curiosos. Apenas estranhamos a ausência dos nossos 3 ouvintes do Teixoso e da malta da Africa do Sul que, vá-se lá saber porque carga de água, nos elevou no itunes a nono programa mais escutado na categoria ‘Lazer’. Próximo ano fazemos a festa na Cidade do Cabo.

No Espanhol Bar no Carvalhal do Povo estivemos em conversa com André Almeida (aka André Caos ou Ratinho) vocalista dos albicastrenses Pussy Lickers uma banda destinada a não ficar espartilhada na interioridade beirã e que bem tem contribuído para abanar algum marasmo de uma cidade onde o rock já pulsou forte e feio. Aventuras e desventuras de cachopos brutti, sporchi e cattivi que já passaram por terras do fogoso Garibaldi, do ratinho Topo Gigio e da diva Cicciolina. Com direito a audição integral da obra dos Pussy Lickers. Curto e grosso, como convém.

No Café Estrela da Tarde em Fatela conversamos com a angolana Alkenia, mulher do amigo-artista Pedro ‘Bob The Builder’ Casca. Uma aventura globetrotter entre Luanda, Benguela, Alverca, Londres, Birmingham e Quintas da Torre com paragem em várias estações e apeadeiros.

Uma conversa que se inicia na Fatela com uma critica gastronómica da Francesinha à Estrela da Tarde e que descamba em salto à vara sobre o que será afinal a música ‘Pop’.

De regresso aos nossos estúdios do Monte da Virgem, ou seja o Espanhol Bar no Carvalhal do Povo, conversamos com Lúcio Chiquita Real pioneiro da música de baile na Cova da Beira e ‘patrão’ do mítico conjunto musical ‘Eclosão’ que foi escola para muitos músicos da região, incluindo o nosso comparsa Jerónimo Mateus que a frequentou com aproveitamento e nela levou pela primeira vez às massas juvenis da Beira Interior o sabor ao vivo e a cores do folk rock e do rock vitaminado. Uma empolgante aventura que envolve falta de corrente elétrica, degustação de gafanhotos, ir tocar sem se saber onde ou a distintos hotéis com músicos sem noção, sem camisa e movidos a baldes de whisky, encontros imediatos com trambalazanas de navalhas e muito mais. A não perder.

Regressamos à Fatela para gravar mais um episódio. Foi um prazer conversar e escutar a história do percurso da Isabel e do Trindade novos gerentes do café estrela da tarde . Estávamos em pulgas para saber o que leva um pescador de Matosinhos, iniciado na dura faina desde tenra idade e continuando uma tradição familiar, a deixar para trás a sua zona de conforto (o mar) para rumar à Fatela e nos brindar com petiscos dignos de um chef com estrela Michelin. Perde Matosinhos, ganha a Cova da Beira.

O trio da abaladiça despede-se do ano velho e entra a pés juntos no ano novo. Episódio gravado em duas rodadas, a primeira no Espanhol Bar no Carvalhal do Povo e a segunda no Café Rebordão no Fundão. Magoas do passado, previsões para o futuro e mais uma mão cheia de paleio edificante.

O trio da Abaladiça deixa-se imbuir pelo espírito da quadra natalícia e revive memórias da infância e juventude; e sem esquecer uma nota de critica social com o patrocínio de uma central sindical da qual já não se recorda o nome. O bom, o mau e um boratxo de barbas é a nossa prenda furtivamente deixada na vossa peúga rota pendurada na árvore de Natal.