SEXTA, 26/08/2022: O ex-presidente Lula foi o entrevistado de ontem no Jornal Nacional. Ele demonstrou bom-humor, um discurso enérgico, uma capacidade incrível de usar metáforas, inclusive futebolísticas, e de colocar os entrevistadores no seu lugar. Lula não deixou perguntas sem resposta, mesmo as mais espinhosas para ele e para o PT.
Os questionamentos foram previsíveis e incômodos, a começar pela corrupção, que ocupou os 15 primeiros minutos da entrevista, de um total de 40. E a pergunta "como o senhor vai evitar que novos casos de corrupção aconteçam?" foi feita quatro vezes em momentos diferentes.
Lula falou ainda que o orçamento secreto foi pior que o mensalão, denunciou a Lava Jato como uma operação que se tornou política, disse que a polarização é saudável, admitiu que houve sim casos de corrupção durante seus mandatos, fez elogios e críticas à gestão da sucessora Dilma Rousseff, respondeu sobre o agronegócio que a Globo ama e a relação com o MST, revelou ter ciúmes do Alckmin porque ele está conquistando o PT e ainda criticou governos autoritários e defendeu a alternância no poder.
Foi a primeira entrevista de Lula na Globo desde que ele deixou a prisão. O Jornal Nacional foi o grande palco da operação Lava Jato. Durante anos as denúncias eram divulgadas no principal telejornal do país como se fossem sentenças - e Lula usou isso para alfinetar a imprensa. Vocês lembram que a Vaza Jato revelou como os procuradores de Curitiba tinham contato direto com repórteres da emissora. E foi neste telejornal que os apresentadores interpretaram um grampo ilegal feito pelo ex-juiz Sérgio Moro. Além disso, quando falava de Lula, o cenário do jornal trazia dutos jorrando dinheiro, algo que incomodou o presidente e sobre o qual ele já se referiu muitas vezes - mas não falou sobre isso na entrevista. Lula também já cobrou publicamente um pedido de desculpas da Globo pelo que fez com ele. E esse pedido veio, muito sutilmente, mas veio.
Logo no início, o apresentador William Bonner introduzia o tema corrupção quando levantou a bandeira branca para o ex-presidente.
Essa mea culpa de Bonner deu o tom da entrevista. Era tudo o que Lula precisava ouvir para se sentir à vontade num ambiente outrora inóspito a ele ou a qualquer esquerdista. Lula provou porque é o maior político vivo do Brasil. Ao ser questionado sobre os erros do governo Dilma, brincou com Bonner, dizendo que quando ele for substituído na bancada do JN ele vai entender o que significa "rei morto, rei posto". Quando questionado sobre polarização, usou metáfora futebolística para defender que, na política, as pessoas devem ser adversárias e não inimigas. Quando perguntado pela Renata sobre o MST, convidou a apresentadora a conhecer o trabalho do movimento que, hoje, é o maior produtor de arroz orgânico do Brasil.
A pauta da entrevista foi, no mínimo, questionável. Os primeiros 15 minutos foram só sobre casos de corrupção de mais de 10 anos atrás. E mesmo Lula respondendo que para combater a corrupção é necessário deixar que se investigue, os apresentadores repetiram a pergunta outras 3 vezes. Na hora de falar de economia, ao invés de se preocupar com os 33 milhões de brasileiros e brasileiras passando fome, Bonner questionou como o presidente vai lidar com a bomba fiscal deixada por Bolsonaro. Ao falar sobre polarização, o apresentador revelou que sentiu as cobranças da militância petista sobre ele e questionou a agressividade dos defensores de Lula. Curiosamente ele não perguntou isso ao Bolsonaro. A Globo resolveu pautar também o agronegócio, que eles defendem nas famigeradas propagandas do "agro é pop". Neste momento, Lula falou sobre preservação ambiental e Renata interpelou dizendo que o agro e o meio ambiente são parceiros. Lula se saiu muito bem ao separar o setor, dizendo que há o agro comprometido e o agro fascista e bolsonarista.
Ao perguntar sobre a indicação do PGR, Renata insistiu que Lula deveria se comprometer a escolher alguém da tal lista tríplice, algo que ele fez quando era presidente até porque foi ele quem inventou isso. Essa lista tríplice é uma ferramenta que o Lula criou em 2003 para dar autonomia ao Ministério Público. Eles indicam três nomes e o presidente escolhe um para ser o PGR. Lula sempre escolheu o primeiro da lista. Bolsonaro ignorou a escolheu o Augusto Aras, que nem na lista estava. Para a Renata, a escolha do futuro PGR era um tema super relevante. Ela só esqueceu que o Ministério Público está contaminado pelo bolsonarismo. Lula fez muito bem em não se comprometer a seguir a lista porque a chance do MP indicar três Deltans Dallagnols na tal lista é grande.
Outra bola fora da Renata foi quando questionou o ex-presidente sobre o mensalão. Não pela pergunta, claro, porque cabia - embora o tema corrupção já tivesse sido tratado nos primeiros 15 minutos de entrevista. A apresentadora questionou como Lula teria apoio do Congresso sem uma "moeda de troca" como o orçamento secreto. Foi neste momento que Lula aproveitou para cunhar um novo apelido para o presidente Bolsonaro. Apelido que pegou e está desde ontem no topo dos trends do Twitter: o bobo da corte.
Todas as análises pós-entrevista coincidem de que o ex-presidente foi muito bem. E foi mesmo. Diferente de Bolsonaro, ele não se sentiu acuado e não precisou ser desmentido ao vivo pelos apresentadores. No máximo, houve réplicas ao que Lula falava. Diferente de Ciro Gomes, Lula falou de um jeito que todo mundo entendeu. Quando ele se distanciou de governos de esquerda autoritários mundo afora, por exemplo, começou dizendo que defende a "autodeterminação dos povos" e, na sequência, explicou o que isso significa: "cada país cuida do seu nariz". Simples, direto e compreensível para todo mundo.
A entrevista de Lula ao JN foi, até aqui, o momento mais esperado dessa campanha eleitoral. E quem esperou não se decepcionou. Seja apoiador do ex-presidente, porque ele de fato foi muito bem em todas as respostas, ou um crítico de Lula, porque os apresentadores ignoraram temas relevantes como a fome para pressionar Lula sobre corrupção e outros temas sensíveis.
Só quem se decepcionou foram os apoiadores do Bolsonaro, provavelmente porque perceberam que Lula não tem medo de cara feia nem de pergunta espinhosa. E mais do que isso: diferente do amigo de miliciano que ocupa a presidência, Lula não precisa recorrer a mentiras deslavadas para responder a qualquer coisa.
ANÁLISE COM CYNARA MENEZES
Depois de ouvirmos um resumo da entrevista de Lula ao JN, vamos receber a jornalista Cynara Menezes, editora do site Socialista Morena e apresentadora da TV Fórum, para uma análise sobre esta entrevista que foi o fato político da semana.
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