TERÇA, 23/08/2022: Bolsonaro foi o primeiro candidato entrevistado pelo Jornal Nacional ontem. O presidente foi questionado sobre os ataques às urnas eletrônicas, sobre a tragédia da pandemia, sobre a situação econômica, sobre as suspeitas de corrupção no MEC, sobre a destruição ambiental patrocinada pelo seu governo, sobre o fato de ser a tchutchuca do centrão e sobre interferir na Polícia Federal.
E o que ele fez? Mentiu sobre absolutamente tudo. Mas, ao mentir, Bolsonaro não perde um único voto. Levantamento da agência Aos Fatos mostra que o presidente mentiu, pelo menos, 22 vezes. Bolsonaro foi ao Jornal Nacional para confundir, não para explicar. No final, Bonner agradeceu o presidente pelos esclarecimentos prestados. Quais esclarecimentos?
Diante de todas as perguntas, ele respondeu o que quis. Os apresentadores até tentaram questionar o presidente sobre suas mentiras, mas sem sucesso. A mentira que mais repercutiu foi a negativa veemente de Bolsonaro de que ele imitou pessoas com falta de ar no auge da pandemia. Ele imitou sim e mais de uma vez. E você já deve ter visto os vídeos recuperados na internet.
Faltou falar de muita coisa. Mesmo com 40 minutos de entrevista, nem todos os temas importantes foram abordados. Não se falou do orçamento secreto, nem da família dele enrolada na rachadinha, nem da ligação dele com as milícias. Mas, principalmente, não se falou sobre a fome. Provavelmente porque nenhum dos três naquela bancada passa ou passou fome na vida…
Um tempo gigante foi gasto com temas que interessam mais ao Bolsonaro do que ao povo brasileiro, como o ataque contra as urnas eletrônicas e ao processo eleitoral. Outros assuntos como a questão ambiental e a aliança com o centrão, apesar de relevantes, não são assuntos do dia-a-dia do povo.
O excesso de contextualização das perguntas por Bonner e Renata deram a possibilidade para Bolsonaro responder o que quis. As perguntas para mentirosos devem ser curtas e grossas: por que o senhor fez isso? Como o senhor vai fazer aquilo? Quando os entrevistadores decidem citar várias coisas numa pergunta que poderia ser objetiva, abrem margem para o entrevistado escolher o que quer responder. Em resumo, o presidente e o jornalismo da Globo se merecem.
Bolsonaro estava mais calmo e falou as maiores barbaridades sem nenhum constrangimento. Só levantou a voz contra Renata Vasconcellos algumas vezes. Com Bonner, foi só sorrisos e brincadeirinhas. Um machista clássico. Renata, aliás, foi coadjuvante na entrevista, sendo interrompida pelo presidente e pelo colega de bancada.
O presidente também tinha uma cola na mão com quatro assuntos. Nenhum dos assuntos foi citado por ele na entrevista. Em alguns momentos, ele levantou a mão fazendo questão de mostrar a cola para a câmera. A nova analista política do Brasil, Anitta, que se gaba de ser entendida de estratégia de redes, caiu na armadilha do presidente. Ela, assim como outros influencers, postou a imagem no Twitter. O presidente retuitou e agradeceu pedindo que as pessoas pesquisem sobre os temas. Ela se deu conta que caiu na do presidente e apagou o tweet.
Os assuntos que ele anotou na mão não eram para serem falados na entrevista, mas sim para gerarem curiosidade. Vejam bem: em 2018, nessa mesma entrevista, ele tinha escrito na mão três tópicos: armas, pesquisas e Lula. Na época, ele falou dos três assuntos e foi ridicularizado na internet. Nessa entrevista, eram quatro tópicos, três deles sensíveis para a esquerda e um incômodo para a Globo: Nicarágua, país governado pela esquerda onde há perseguição contra opositores, Argentina, que passa por uma grave crise econômica e também é governado pela esquerda, Colômbia, onde a esquerda acaba de chegar ao poder e recentemente o presidente defendeu a legalização do plantio de maconha, e Dario Messer, conhecido como o doleiro dos doleiros que em delação ao Ministério Público Federal do Rio de Janeiro em 2020, disse que durante a década de 90 entregava "em várias ocasiões" quantias entre US$ 50 mil e US$ 300 mil a integrantes da família Marinho, dona da Globo. À época, durante a edição do Jornal Nacional, a Globo negou as acusações.
Bolsonaro não perdeu nenhum voto por causa dessa entrevista. Talvez também não ganhe nenhum, até porque, acuado entre explicações para confundir, não conseguiu prometer absolutamente nada.
Mas, mais importante do que isso, ele se sentiu confortável na bancada do principal telejornal do país para repetir o que vem dizendo nas suas lives. O saldo é de derrota para a democracia. Porque um presidente golpista, mentiroso, antidemocrático, desumano e incompetente foi tratado como candidato normal pela principal emissora do país. E, além disso, esse ser vai concluir o seu mandato. Não interessa se ele vai perder a eleição e ir para a lata de lixo da história ou para a cadeira, pelo que temos até aqui já perdemos e a entrevista de ontem prova o tamanho gigantesco dessa derrota civilizatória.
Em instantes vamos falar mais sobre a entrevista de Bolsonaro ao JN.
BATE CAFÉ, COM ADRIANO VIARO
A vinda do coração de Dom Pedro I para o Brasil para as comemorações do bicentenário da independência é o tema do comentário do historiador Adriano Viaro.
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