Ciência

2/6 Lixo espacial: Da ecologia espacial à soberania e segurança internacional


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O lixo espacial deixou de ser apenas um problema técnico e transformou-se numa questão de soberania e segurança internacional. Quem o diz é Ricardo Conde, presidente da Agência Espacial Portuguesa, numa entrevista à RFI realizada em Santa Maria, nos Açores, onde alertou também para os riscos associados à proliferação de satélites e detritos no espaço.

Mais do que uma preocupação ambiental, o tema do lixo espacial é hoje tratado como uma necessidade operacional para garantir o funcionamento seguro dos sistemas em órbita. A proliferação de satélites levanta questões geopolíticas, militares e de cibersegurança que ultrapassam a simples gestão de tráfego espacial.

Hoje o lixo espacial não é olhado de uma forma de preocupação genuinamente ambiental, a tal chamada ecologia espacial, é mais uma questão de necessidade.

Ou seja, tenho que ter isto limpo para ter condições de operação, caso contrário tenho problemas de operação. Levanta-se a questão das ameaças e daquilo que é a soberania.

A faixa entre os 500 e os 17.000 quilómetros de altitude - onde circulam satélites de comunicações, navegação e observação - encontra-se cada vez mais saturada. Constelações como a Starlink ou a Kuiper prevêem o lançamento de dezenas de milhares de novos satélites, aumentando os riscos de colisões em cadeia e dificultando a gestão do tráfego orbital.

Já há sinais de coordenação internacional, mas o desafio permanece. “Começam a aparecer empresas - nós temos algumas aqui em Portugal, pelo menos duas - a providenciar serviços de evitar colisões, gerar alertas de proximidade.”

Mas os riscos vão além das colisões. Para Ricardo Conde, o espaço está a tornar-se um domínio estratégico sensível, e os satélites podem ser considerados alvos em caso de conflito.

A questão das ameaças e daquilo que é a soberania.

Vamos imaginar que, por alguma razão e no contexto hoje da guerra na Europa, acontece alguma coisa a um satélite de comunicações. Isso é considerado uma ameaça.

É considerado uma ameaça como se fosse uma infra-estrutura de telecomunicações aqui dos nossos operadores.

O exemplo da guerra da Ucrânia, em que a rede Starlink foi usada como infra-estrutura militar, mostra como a distinção entre alvos civis e militares está a desaparecer. “O Starlink, a Viasat, foram cruciais e são cruciais na guerra da Ucrânia. Ou seja, significa que a capacidade privada está ao serviço da guerra.

Com o aumento do número de satélites e das capacidades tecnológicas de alguns Estados, o risco de manobras hostis é real. “Há neste momento um conjunto de satélites, que são braços robóticos, a desviar satélites. Já existe essa monitorização. Há um conjunto de satélites chineses que estão na cintura orbital, a 36.000 km, e há monitorização de manobras. Para quê? Para desviar, para fazer hacking, para interferir.

Os perigos de colisão em órbita são sérios e as consequências imprevisíveis. “Com a proliferação de detritos, a ameaça, na realidade, multiplica-se. Imagine o que é estarmos numa cintura orbital — e vai ser esse o padrão a partir de 2030 — com muitas estações internacionais e o lixo espacial a passar com velocidades e quantidades de movimentos enormes que são destrutivas. (...) É uma ameaça não só para a integridade da permanência no espaço, mas também para a destruição de outros alvos e destruição de outros satélites.

A resposta europeia a esta nova realidade é lenta e limitada, não por falta de normas, mas por falta de capacidade de fazer cumprir o direito internacional. “O problema não é a legislação, mas o cumprimento do direito internacional.

A ausência de regras claras e eficazes ameaça transformar o espaço numa nova “selva”. “Toda a gente tem [necessidade de coordenação]. Porque vai-se confrontar com uma selva.”

Para Ricardo Conde, há duas motivações por detrás da nova corrida espacial. “A primeira é a extensão geopolítica do território. Não há nenhum sítio no mundo por descobrir. Ora, como não há sítios [novos] para descobrir, o que é que fazem as grandes potências? Conquistam outras. É isso que está a acontecer.

A segunda motivação são os recursos. “Há quem diga que temos que ir para o mar, mas a terra para descobrir é o espaço.

A Lua é vista como um novo território de disputa. “Os americanos, em 1969, quando foram à Lua, colocaram a bandeira americana em nome da humanidade. Hoje se os americanos ou alguém, voltar à Lua, vai colocar uma bandeira em nome da humanidade? Vai colocar uma bandeira em seu nome. Significa hoje que são territórios de conquista. A Lua é um território de conquista.

O desafio está agora em definir uma governação eficaz do espaço. “Em 1967 fez-se um tratado de paz em que dizia que o espaço é um bem comum, pertencente a toda a humanidade. Ninguém se devia apropriar de alguma forma do espaço.” Agora, a comparação com os oceanos volta a ser inevitável. “O que se fez foi alocar os oceanos a uma parte aos países continentais. Daí a nossa extensão atlântica. Mas, depois, há o chamado mar de todos, onde se aplica o direito internacional. Mas há Estados que não respeitam,” o mesmo acontece no espaço.

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