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O executivo angolano quer criminalizar a disseminação de informações falsas na internet, com penas entre um e dez anos de prisão. A medida vem expressa na proposta de Lei sobre a Disseminação de Informações Falsas na Internet. Um enquadramento legal que, segundo Cesaltina Abreu, investigadora independente em ciências sociais e humanidades, representa mais uma tentativa de limitar as liberdades de expressão e de informação no país. Cesaltina Abreu afirma ainda que, se o objectivo é combater as notícias falsas, o Governo devia começar por regular os órgãos de comunicação públicos, que a investigadora acusa de serem os principais agentes de desinformação no país.
O que prevê esta proposta de Lei do Ministério que tutela a Comunicação Social em Angola?
Esta proposta de lei insere-se no âmbito de um conjunto de medidas que vêm sendo tomadas e que, de alguma forma, visam a securitização do Estado em Angola e a preparação para 2027.
Refere-se ao período eleitoral…
Sim. Vários cenários estão a ser preparados para 2027. Desde a criação de impossibilidades, como é o caso, aparentemente, da nova divisão político-administrativa, e uma série de outros aspectos que visam, de facto, criminalizar, usando o respaldo da implementação destas disposições da Lei Maior, da Constituição da República de Angola, para defender todas essas leis.
A iniciativa legislativa afirma que a Constituição da República de Angola salvaguarda as liberdades de expressão e de informação de todos os cidadãos, respeitando os limites do direito de todos ao bom nome. É disto que se trata, ou estamos diante de uma tentativa de limitar as liberdades de expressão e de informação?
Sim, mais uma tentativa que deve ser percebida. Esse “todos” não existe, assim como não existe esse respeito pelos direitos. Basta ver as classificações de Angola no que se refere aos índices de democracia. As pessoas sabem que a classificação de Angola no índice de democracia do jornal The Economist, em 2024, deveu-se à conquista de mais espaço cívico, espaço público, uma conquista da sociedade civil, dos angolanos, e não uma concessão da parte do Governo. Foi uma conquista das pessoas que não desistem de lutar pelos seus direitos.
O Governo angolano diz que está a registar um acentuado número de notícias falsas no actual contexto nacional e internacional, associado ao elevado crescimento tecnológico. Estamos aqui a falar, nomeadamente, da inteligência artificial. Esta realidade não justifica a existência de um novo quadro legal?
Esta é uma situação que afeta todos os países, mais uns do que outros, mas é uma realidade mundial com a qual vamos ter de lidar. Se tivermos ambientes democráticos, com inclusão, não haverá necessidade de recorrer ao uso de fake news. No entanto, parece que [esta proposta de lei] é mais uma iniciativa no âmbito de muitas outras. Refiro-me à lei das ONGs, da Segurança de Estado, no ano passado, à lei da vandalização dos bens públicos ou à criação de um instituto que vai supervisionar as acções das comunidades (...). Não há nos registos de actividades criminais, relacionados com terrorismo, nenhuma referência às actividades de ONGs ou de grupos de cidadãos. Existem, sim, registos de empresas que estão associadas ao poder.
A revisão da lei eleitoral, onde já existe a intenção de retirar as actas, as actas simples, o instrumento que usámos nas eleições passadas para poder ir acompanhando os resultados à medida que a eleição ia acontecendo. A sensação que temos é que isto é um atentado às liberdades individuais das pessoas e que, se o objectivo for combater a desinformação, então o Governo que olhe para si próprio e que pergunte até que ponto não é o Governo, enquanto entidade colectiva, e os meios de comunicação social públicos que são os principais agentes da desinformação.
O Governo considera que este diploma pretende fortalecer o processo democrático através do combate à desinformação, e desencorajar a utilização de contas falsas para acabar com a desinformação…
Uma pessoa, por exemplo, que seja analfabeta pelo facto de reencaminhar alguma coisa — que de alguma maneira seja um atentado à boa imagem — pode ser penalizada. Temos uma série de casos de pessoas detidas em Angola por mostrarem solidariedade em relação a grupos. A 23 de Setembro de 2024, quatro jovens foram detidos por mostrarem solidariedade com os motoqueiros [que protestavam contra o desemprego no país].
Quais são as penas que incorrem as pessoas que não respeitarem esta lei?
Acho que uma das penas previstas é de dez anos, que tem a ver com o bom nome. Uma das coisas que eu tenho interrogado, em relação a todas essas leis, perguntei isso quando foi da lei da vandalização de bens públicos, é o que está ali em causa. E o que se pretende é impedir as manifestações, os protestos, uma série de outras acções, através das quais as pessoas mostram o seu descontentamento e procuram lutar por aquilo que são os seus direitos.
Obviamente que eu reconheço que há aproveitamentos nisso tudo. Agora, do meu ponto de vista, tanto a salvaguarda da segurança nacional quanto o fortalecimento de valores democráticos não se fazem com leis dessa natureza, mais leis produzidas por uma iniciativa em geral do Executivo. A Assembleia que temos, aparentemente, só lá está para dizer “amém”! Não temos as condições para que haja um diálogo, porque não há esse diálogo entre os poderes instituídos e a sociedade.
Qual é o risco de não haver este diálogo, este debate?
O risco de não haver o debate é o de se caminhar para uma situação cada vez mais de divisão. O diálogo não é uma conversa de amigos. O diálogo é a tentativa de estabelecer pontes, de construir consensos, a partir das concepções das diferentes partes que estão envolvidas nesse diálogo e que, à partida, pensam de forma diferente. Em Angola não temos isso. E enquanto não tivermos isso, não construiremos, os entendimentos não serão suficientes para avançar. Não temos uma governação, não temos políticas públicas, embora esse seja o discurso oficial, porque, de facto, existem acções unilaterais, de cima para baixo, mas que não conseguem absorver aquilo que são as necessidades, as expectativas das pessoas para as quais deviam estar a governar.
Neste diploma indica-se que a lei é aplicável, mesmo que as actividades sejam realizadas por pessoas residentes ou sediadas no exterior do país, desde que se trate de informações falsas. O que é que isto significa?
Por um lado, é a tentativa de se ligar a outros regimes parecidos com estes regimes autocráticos. Por outro lado, é um pouco também a cultura do medo. É preciso lembrar que estas acções têm sempre por trás algo que está a ser criado para fomentar a cultura de medo e de intimidação. O passo seguinte é a opressão e o uso da coerção, usando meios físicos, usando a polícia e as armas. Mas, para já, a ideia é criar uma cultura do medo que paralisa as pessoas com medo das retaliações que podem sofrer por expressarem as suas opiniões.
Que impacto terá isto no trabalho dos jornalistas, no trabalho da sociedade civil?
Tem um impacto brutal, na medida em que é mais uma ação para limitar, coagir, de auto-censura, de omissão e de silêncio, que tem sido, infelizmente, as respostas de muitas pessoas por uma questão de salvaguarda de vida, de um bem maior.
A sociedade civil, os jornalistas, vão continuar a lutar pela liberdade de expressão?
Acredito que sim. Estamos preocupados, mas estamos principalmente, como temos procurado fazer aqui, a demonstrar que o que se pretende fazer não corresponde àquilo que vem na própria Lei de fundamentação. Estamos a criar evidências, dizendo: vocês estão a continuar com a vossa política de coerção, com a vossa política de intimidação, mas nós também vamos continuar com a nossa luta.
O executivo angolano quer criminalizar a disseminação de informações falsas na internet, com penas entre um e dez anos de prisão. A medida vem expressa na proposta de Lei sobre a Disseminação de Informações Falsas na Internet. Um enquadramento legal que, segundo Cesaltina Abreu, investigadora independente em ciências sociais e humanidades, representa mais uma tentativa de limitar as liberdades de expressão e de informação no país. Cesaltina Abreu afirma ainda que, se o objectivo é combater as notícias falsas, o Governo devia começar por regular os órgãos de comunicação públicos, que a investigadora acusa de serem os principais agentes de desinformação no país.
O que prevê esta proposta de Lei do Ministério que tutela a Comunicação Social em Angola?
Esta proposta de lei insere-se no âmbito de um conjunto de medidas que vêm sendo tomadas e que, de alguma forma, visam a securitização do Estado em Angola e a preparação para 2027.
Refere-se ao período eleitoral…
Sim. Vários cenários estão a ser preparados para 2027. Desde a criação de impossibilidades, como é o caso, aparentemente, da nova divisão político-administrativa, e uma série de outros aspectos que visam, de facto, criminalizar, usando o respaldo da implementação destas disposições da Lei Maior, da Constituição da República de Angola, para defender todas essas leis.
A iniciativa legislativa afirma que a Constituição da República de Angola salvaguarda as liberdades de expressão e de informação de todos os cidadãos, respeitando os limites do direito de todos ao bom nome. É disto que se trata, ou estamos diante de uma tentativa de limitar as liberdades de expressão e de informação?
Sim, mais uma tentativa que deve ser percebida. Esse “todos” não existe, assim como não existe esse respeito pelos direitos. Basta ver as classificações de Angola no que se refere aos índices de democracia. As pessoas sabem que a classificação de Angola no índice de democracia do jornal The Economist, em 2024, deveu-se à conquista de mais espaço cívico, espaço público, uma conquista da sociedade civil, dos angolanos, e não uma concessão da parte do Governo. Foi uma conquista das pessoas que não desistem de lutar pelos seus direitos.
O Governo angolano diz que está a registar um acentuado número de notícias falsas no actual contexto nacional e internacional, associado ao elevado crescimento tecnológico. Estamos aqui a falar, nomeadamente, da inteligência artificial. Esta realidade não justifica a existência de um novo quadro legal?
Esta é uma situação que afeta todos os países, mais uns do que outros, mas é uma realidade mundial com a qual vamos ter de lidar. Se tivermos ambientes democráticos, com inclusão, não haverá necessidade de recorrer ao uso de fake news. No entanto, parece que [esta proposta de lei] é mais uma iniciativa no âmbito de muitas outras. Refiro-me à lei das ONGs, da Segurança de Estado, no ano passado, à lei da vandalização dos bens públicos ou à criação de um instituto que vai supervisionar as acções das comunidades (...). Não há nos registos de actividades criminais, relacionados com terrorismo, nenhuma referência às actividades de ONGs ou de grupos de cidadãos. Existem, sim, registos de empresas que estão associadas ao poder.
A revisão da lei eleitoral, onde já existe a intenção de retirar as actas, as actas simples, o instrumento que usámos nas eleições passadas para poder ir acompanhando os resultados à medida que a eleição ia acontecendo. A sensação que temos é que isto é um atentado às liberdades individuais das pessoas e que, se o objectivo for combater a desinformação, então o Governo que olhe para si próprio e que pergunte até que ponto não é o Governo, enquanto entidade colectiva, e os meios de comunicação social públicos que são os principais agentes da desinformação.
O Governo considera que este diploma pretende fortalecer o processo democrático através do combate à desinformação, e desencorajar a utilização de contas falsas para acabar com a desinformação…
Uma pessoa, por exemplo, que seja analfabeta pelo facto de reencaminhar alguma coisa — que de alguma maneira seja um atentado à boa imagem — pode ser penalizada. Temos uma série de casos de pessoas detidas em Angola por mostrarem solidariedade em relação a grupos. A 23 de Setembro de 2024, quatro jovens foram detidos por mostrarem solidariedade com os motoqueiros [que protestavam contra o desemprego no país].
Quais são as penas que incorrem as pessoas que não respeitarem esta lei?
Acho que uma das penas previstas é de dez anos, que tem a ver com o bom nome. Uma das coisas que eu tenho interrogado, em relação a todas essas leis, perguntei isso quando foi da lei da vandalização de bens públicos, é o que está ali em causa. E o que se pretende é impedir as manifestações, os protestos, uma série de outras acções, através das quais as pessoas mostram o seu descontentamento e procuram lutar por aquilo que são os seus direitos.
Obviamente que eu reconheço que há aproveitamentos nisso tudo. Agora, do meu ponto de vista, tanto a salvaguarda da segurança nacional quanto o fortalecimento de valores democráticos não se fazem com leis dessa natureza, mais leis produzidas por uma iniciativa em geral do Executivo. A Assembleia que temos, aparentemente, só lá está para dizer “amém”! Não temos as condições para que haja um diálogo, porque não há esse diálogo entre os poderes instituídos e a sociedade.
Qual é o risco de não haver este diálogo, este debate?
O risco de não haver o debate é o de se caminhar para uma situação cada vez mais de divisão. O diálogo não é uma conversa de amigos. O diálogo é a tentativa de estabelecer pontes, de construir consensos, a partir das concepções das diferentes partes que estão envolvidas nesse diálogo e que, à partida, pensam de forma diferente. Em Angola não temos isso. E enquanto não tivermos isso, não construiremos, os entendimentos não serão suficientes para avançar. Não temos uma governação, não temos políticas públicas, embora esse seja o discurso oficial, porque, de facto, existem acções unilaterais, de cima para baixo, mas que não conseguem absorver aquilo que são as necessidades, as expectativas das pessoas para as quais deviam estar a governar.
Neste diploma indica-se que a lei é aplicável, mesmo que as actividades sejam realizadas por pessoas residentes ou sediadas no exterior do país, desde que se trate de informações falsas. O que é que isto significa?
Por um lado, é a tentativa de se ligar a outros regimes parecidos com estes regimes autocráticos. Por outro lado, é um pouco também a cultura do medo. É preciso lembrar que estas acções têm sempre por trás algo que está a ser criado para fomentar a cultura de medo e de intimidação. O passo seguinte é a opressão e o uso da coerção, usando meios físicos, usando a polícia e as armas. Mas, para já, a ideia é criar uma cultura do medo que paralisa as pessoas com medo das retaliações que podem sofrer por expressarem as suas opiniões.
Que impacto terá isto no trabalho dos jornalistas, no trabalho da sociedade civil?
Tem um impacto brutal, na medida em que é mais uma ação para limitar, coagir, de auto-censura, de omissão e de silêncio, que tem sido, infelizmente, as respostas de muitas pessoas por uma questão de salvaguarda de vida, de um bem maior.
A sociedade civil, os jornalistas, vão continuar a lutar pela liberdade de expressão?
Acredito que sim. Estamos preocupados, mas estamos principalmente, como temos procurado fazer aqui, a demonstrar que o que se pretende fazer não corresponde àquilo que vem na própria Lei de fundamentação. Estamos a criar evidências, dizendo: vocês estão a continuar com a vossa política de coerção, com a vossa política de intimidação, mas nós também vamos continuar com a nossa luta.
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