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Está actualmente disponível nas livrarias em Portugal o livro "O Petróleo de Angola - Uma História colonial (1881-1974)" de Franco Tomassoni, doutorado em estudos sobre globalização e investigador do Laboratório Colaborativo para o Trabalho, o Emprego e a Protecção Social em Lisboa, cuja obra que vem na sequência de várias pesquisas anteriormente feitas sobre o ouro negro em Angola.
Ao folhearmos este livro, esboça-se um império colonial português que vê na exploração de petróleo de Angola uma janela para consolidar a sua posição política e económica num mundo em que convive com potências muito mais fortes e concentradas, como o império francês ou britânico.
Contudo, em vez de ser uma oportunidade para a administração de Lisboa, o petróleo angolano acaba por cair quase por completo nas mãos de interesses privados que vão acabar por ditar a própria existência do império.
Esta é a história que nos conta o investigador Franco Tomassoni na entrevista que concedeu à RFI, uma história que começa em finais do século XIX, com as primeiras missões de geólogos no interior de territórios praticamente desconhecidos, e que termina com os movimentos anticoloniais sustentados nomeadamente por boicotes às companhias que apoiam o regime colonial português, em finais da década de 60 e início dos anos 70.
RFI: Quando e como começa a história da prospecção de petróleo em Angola?
Franco Tomassoni: Já no final do século XIX começa a estruturar-se aquilo que eu defino como um programa extractivista para as colónias portuguesas. Esse programa é um programa que emerge num espaço geográfico bastante amplo, como eu reconstruo no livro. Esse programa deve-se muito à missão que foi feita nos Estados Unidos por um geólogo português que, voltando depois a Lisboa, dá uma conferência na Sociedade de Geografia e começa a estruturar um programa pela exploração das terras e dos recursos minerais de Angola. Estamos, grosso modo, em 1880. E este interesse avança já rapidamente, chegando a formular-se a primeira lei das minas, que também inclui a exploração de todo o subsolo angolano em 1906, que é depois actualizada com uma lei sobre a exploração petrolífera em 1909. E logo de seguida, começam um conjunto de explorações do território que envolvem várias companhias petrolíferas internacionais, designadamente belgas, francesas, britânicas e americanas. Trata-se da primeira fase de prospecção, porque nunca se chega, no fundo, a encontrar poços economicamente sustentáveis. Mas os primeiros projectos de exploração, vasta do ponto de vista petrolíferos, mas não só de Angola, começam mesmo no início do século XX.
RFI: O que é também interessante nesses primórdios da prospecção do petróleo em Angola é que efectivamente fala nas missões de geólogos. Muitas dessas missões não são propriamente financiadas pelo próprio Estado, mas por companhias privadas. E coloca se, no fundo, já uma questão que continua muito actual, que é o uso da ciência para funções práticas, ou seja, a prospecção de recursos e não simplesmente pela ciência, pelo conhecimento, nunca é uma coisa gratuita.
Franco Tomassoni: Sim, exactamente. Esta é uma coisa que é recorrente até aos anos 70, que é onde depois a minha investigação pára. Ou seja, nós observamos que grandes missões de geólogos no território angolano são financiadas por empresas privadas às quais o Estado português garantia essa concessão. E o que é que acontecia? Acontecia que essas grandes missões de prospecção do território adquiriam um conjunto de informações sobre as riquezas minerais do território angolano, que não partilhavam com o seu concessionário, o Estado português, mas antes pelo contrário, era o Estado português a pagar os custos de defesa porque havia vários geólogos que foram mortos nessas missões exactamente pela revolta das populações locais que não se queriam submeter a este processo de colonização. Portanto, o Estado português pagava os custos de defesa. Mas estes geólogos, estas grandes empresas, mantinham o conhecimento do território em posse privada, sem, pois, transmitir as informações essenciais do Estado. É um processo de acumulação, de dominação do conhecimento que depois tem um desenvolvimento e um paradigma que depois se estende até aos anos 70.
RFI: Para além de não ter propriamente pessoal qualificado para saber exatamente o que é que existe em termos de recursos minerais e de petróleo em Angola, também não há absolutamente ninguém para fiscalizar as actividades dessas empresas em Angola, enquanto outras potências têm um número infinito de pessoas qualificadas para vigiar e para ter completamente sob controlo essas actividades.
Franco Tomassoni: Exatamente. Ou seja, o que nós observamos das fontes, dos arquivos e em particular, no Arquivo Ultramarino é exactamente isso. Nós temos na administração portuguesa uma ausência de figuras importantes que dispunham do conhecimento. Mais uma vez, a dominação privada do conhecimento, que é das partes técnicas, quer das dimensões de mercadorização do próprio petróleo por parte dos agentes privados. A administração portuguesa não tinha, por exemplo, engenheiros que conseguissem ler os relatórios que as empresas privadas enviavam. Já no final dos anos 60, para a administração colonial portuguesa. Portanto, a administração colonial portuguesa não dispunha dos conhecimentos para a gestão autónoma da indústria e não dispunha dos conhecimentos para fiscalizar a actividade dessas empresas. Ou, dito de outra forma, o que existia nos contratos de concessão entre as empresas e o poder metropolitano, simplesmente, em muitos casos não se dava porque o governo não tinha capacidade, não tinha conhecimento, não tinha uma malha administrativa suficientemente capilar e capaz de poder fiscalizar esta actividade. Isso teve depois impacto a nível do território colonial de várias maneiras. Vale a pena assinalar, por exemplo, o facto de que representantes do poder colonial de Angola se opõe a um certo tipo de complacência chamada mesmo "complacência" do governo metropolitano perante estas empresas. Ou, por exemplo, como o Governo português, por influência destas companhias, orientava a sua relação com organizações internacionais como a Organização Internacional do Trabalho. É bastante interessante notar como, desde a segunda metade dos anos 60, a Comissão de Petróleo da Organização Internacional do Trabalho pedia ao Governo português informações sobre qual é que eram as condições de trabalho ou os contratos em vigor no sector petrolífero. O Governo português não dava essa resposta porque dizia "se nós damos informações a estas instituições internacionais, poderíamos, por exemplo, comprometer a nossa relação com grandes interesses petrolíferos na colónia". Portanto, é interessante ver também que papel os investimentos petrolíferos em Angola tiveram no posicionamento nas instituições internacionais do Governo metropolitano de Lisboa.
RFI: Recuando um pouco no tempo, quando é que começa exactamente a exploração de petróleo em Angola e aonde?
Franco Tomassoni: A exploração petrolífera economicamente sustentável começa em 1955 na zona do Congo Interior, do Kwanza e nos arredores de Luanda. É uma exploração pouco significativa pelos volumes de exploração da altura à escala mundial. É uma exploração que já no início dos anos 60, começa a ser significativa no contexto angolano, porque pode tornar a colónia autosuficiente. E rapidamente também todo o conjunto das colónias e do Império. Mas digamos que o chamado "Eldorado do petróleo angolano" dá-se no enclave de Cabinda. No enclave de Cabinda, a exploração petrolífera como actividade económica começa no final dos anos 60, em Novembro de 1967 e tem um desenvolvimento muito, muito rápido e é um aumento muito rápido dos volumes extraídos e comercializado. E é em Cabinda que nós observamos todo um conjunto de impactos efectivos desse território. Acho que vale a pena aqui sublinhar dois impactos. Já observamos um pouco uma dimensão "macro", que tem a ver o impacto desses investimentos no posicionamento internacional. Se quisermos, num nível intermédio, podemos observar, por exemplo, como esses investimentos em Cabinda são relevantes ao ponto de alterar mesmo a divisão administrativa do território. A nível "micro" são ainda mais interessantes porque há um conjunto de relatórios da PIDE que, por exemplo, demonstram o impacto dos trabalhadores expatriados, portanto americanos, canadianos, noruegueses e britânicos que trabalhavam na indústria petrolífera em Cabinda no final dos anos 60. Esses relatórios recolhem um conjunto de informações, por exemplo, uma dificuldade de integração entre esses "expats" e a população local. Os relatórios descrevem, por exemplo, rixas nocturnas ou o aparecimento em Cabinda de um fluxo migratório que vem de Luanda, de prostituição branca, que servia, exactamente essas comunidades de expatriados. São elementos bastante interessantes, porque tem a ver com a transformação da paisagem social e económica. Por exemplo, um outro impacto desses grandes investimentos, é uma subida -faz um pouco lembrar os tempos presentes em Lisboa - mas é uma subida abrupta dos preços da habitação, de aluguer. O custo de habitação torna-se também insustentável para boa parte da população em Cabinda, porque o mercado começa a orientar-se exactamente para essa comunidade de "expats".
RFI: Entretanto, o que é também interessante no caso de Cabinda é que Portugal, entrega a exploração do petróleo de Cabinda, praticamente de mão beijada para os americanos, para a companhia Gulf. Como é que se poderia explicar o facto de Portugal, no fundo, ter dado aquilo praticamente ao desbarato?
Franco Tomassoni: Explica-se por várias razões. Portugal tinha um grande interesse, obviamente, em encontrar aliados internacionais no contexto económico. É uma coisa que na minha investigação procuro frisar: é esta ideia de um império fechado e de um governo metropolitano que faz algo pelos interesses económicos dos grandes grupos portugueses, é uma ideia coxa. Não é uma ideia que corresponde totalmente à verdade. O Governo português, já depois da Segunda Guerra Mundial, começa a perceber que existe um conjunto de reivindicações anticoloniais à escala global, que não apenas reivindica uma independência política, mas reivindica uma independência económica. E, nesse sentido, vê de bom grado a possibilidade de entregar a exploração dos seus recursos a interesses internacionais. Exactamente em oposição ao aparecimento de um conjunto de reivindicações anticoloniais que também procura um reequilíbrio nos mecanismos de distribuição da riqueza. Portanto, há, digamos assim, uma aliança de facto daquilo que eu chamo o "campo conservador", que é composto por essas potências coloniais e por grandes interesses económicos à escala internacional que se opõe ao processo de descolonização. Depois, há um factor relevante de que já falamos: a incapacidade do Estado português de adquirir conhecimento e de formar os seus quadros para uma gestão autónoma dos recursos petrolíferos. Uma incapacidade também de direccionar o investimento para essas mesmas explorações. E depois, há um contexto em que a burocracia imperial é facilmente cooptada por esses grandes interesses. Relativamente a isto, gostava aqui de dar dois exemplos. Como disse antes, a Lei de Minas é uma lei de 1906 que nunca foi alterada substantivamente. O que acontece é que na segunda metade dos anos 60, Rui Patrício, então secretário do Fomento Ultramarino, dá uma entrevista numa comissão interna que se ocupava da exploração mineira na colónia. Diz "Temos que actualizar esta lei". Poucos meses depois, com a Gulf declarar a exploração económica da colónia, Rui Patrício, que tinha dito que essa lei era desadequada à época, dá uma entrevista no "Diário Popular" a dizer no fundo que "a Lei de Minas de 1906 não tem que ser tocada, porque é uma lei que permite uma certa flexibilidade de mercado". Portanto, muda radicalmente esta posição. Do outro lado temos o Vasco Garin, o Vasco Garin, que tinha sido o embaixador português junto das Nações Unidas e depois junto da embaixada nos Estados Unidos. E depois torna-se administrador na Cabinda Gulf Oil, que é a subsidiária da empresa Gulf, que se ocupa da exploração petrolífera em Cabinda. E Vasco Garin consegue negociar com o Governo português um conjunto de preços e medidas económicas que são muito mais convenientes para a companhia privada de que aquelas que se aplicavam à escala internacional. Portanto, Vasco Garin, um representante do Estado, do aparelho estatal português, da diplomacia portuguesa, da grande burocracia pública, passa a ser director de uma empresa privada e a negociar condições mais favoráveis para essa empresa face ao governo português do que aquelas que se aplicavam internacionalmente.
RFI: O que também condicionou o próprio império português, no fundo, foram as pressões internacionais e o boicote à própria Gulf nos Estados Unidos, as reivindicações das populações negras nos Estados Unidos, que também incidiam sobre os próprios direitos à autodeterminação das populações ainda sob o regime colonial. O que é que nos pode dizer sobre esse aspecto?
Franco Tomassoni: Era exatamente esse aspecto que eu queria colocar, porque acho que esse é um aspecto interessantíssimo. É um caso aliás nada conhecido. E eu reconstruo no detalhe nesse livro. E, no fundo, reflecte como a internacionalização dos interesses económicos no Império português correspondia também a uma coordenação internacional da luta contra o colonialismo português. Acontecem várias iniciativas de boicote à Gulf nos Estados Unidos pelo seu apoio ao governo português em vários territórios dos Estados Unidos. Mas o caso mais interessante é, eventualmente, aquilo que acontece na Universidade de Harvard. A Universidade de Harvard detinha acções da companhia petrolífera Gulf. E o que acontece é que há vários pedidos por parte de estudantes e professores para a Universidade de Harvard para retirar e vender as suas acções na Gulf, exactamente porque a Gulf apoiava o colonialismo português em Angola. Então a Universidade de Harvard decide organizar uma missão para verificar a situação no terreno e os resultados da missão, claramente, são favoráveis à manutenção da Universidade de Harvard como accionista da Gulf. Então começa um conjunto de mobilizações que chegam à ocupação da reitoria da Universidade de Harvard, exactamente em solidariedade com a luta anticolonial. Nesse mesmo contexto, emerge um conjunto de figuras bastante importante. Uma delas, Randall Robinson, que participa do movimento dos direitos civis nos Estados Unidos que também estão cansados com determinadas coisas. Achavam que esses movimentos não eram suficientemente radicais ou pelo menos não respeitavam um conjunto de reivindicações. E vai à procura de outros tipos de relações e de orientações políticas em África e vai, designadamente a Tanzânia. A Tanzânia, naqueles anos, entre finais dos anos 60 e princípio dos anos 70, a sua capital, Dar Es Salaam, é uma cidade extremamente interessante, porque o Randall Robinson vai lá a encontrar líderes dos movimentos anticoloniais portugueses, quer da luta anticolonial em Moçambique, quer da luta anticolonial na Guiné, quer da luta anticolonial em Angola. Mas encontra também outro conjunto de figuras. Por exemplo, estavam o Giovanni Arrighi, o Clyde Mitchell, o Wallerstein, que eram professores na Rodésia e depois da declaração unilateral da independência da Rodésia, da declaração da supremacia branca, são expulsos do país e também de lá. Portanto, Dar Es Salaam torna-se, um contexto atravessado exactamente por esses diferentes grupos que se encontram, que se unem e produzem grandes elaborações teóricas que, ainda hoje, formam e interessam a realidade e, do outro lado, os vários projectos de construção do socialismo no chamado socialismo africano e a mobilização estudantil na Tanzânia que se opunha ao governo independente para não ser suficientemente consequente. Portanto, é a versão de um retrato da luta anticolonial profundamente internacionalizada. E, sobretudo, a reconstrução de um facto que ninguém conhecia, que é exatamente a acção dos estudantes de Harvard. Uma acção à qual a embaixada portuguesa nos Estados Unidos se opõe, levando à frente uma campanha mediática muito forte que eu descrevo ao pormenor no livro.
Está actualmente disponível nas livrarias em Portugal o livro "O Petróleo de Angola - Uma História colonial (1881-1974)" de Franco Tomassoni, doutorado em estudos sobre globalização e investigador do Laboratório Colaborativo para o Trabalho, o Emprego e a Protecção Social em Lisboa, cuja obra que vem na sequência de várias pesquisas anteriormente feitas sobre o ouro negro em Angola.
Ao folhearmos este livro, esboça-se um império colonial português que vê na exploração de petróleo de Angola uma janela para consolidar a sua posição política e económica num mundo em que convive com potências muito mais fortes e concentradas, como o império francês ou britânico.
Contudo, em vez de ser uma oportunidade para a administração de Lisboa, o petróleo angolano acaba por cair quase por completo nas mãos de interesses privados que vão acabar por ditar a própria existência do império.
Esta é a história que nos conta o investigador Franco Tomassoni na entrevista que concedeu à RFI, uma história que começa em finais do século XIX, com as primeiras missões de geólogos no interior de territórios praticamente desconhecidos, e que termina com os movimentos anticoloniais sustentados nomeadamente por boicotes às companhias que apoiam o regime colonial português, em finais da década de 60 e início dos anos 70.
RFI: Quando e como começa a história da prospecção de petróleo em Angola?
Franco Tomassoni: Já no final do século XIX começa a estruturar-se aquilo que eu defino como um programa extractivista para as colónias portuguesas. Esse programa é um programa que emerge num espaço geográfico bastante amplo, como eu reconstruo no livro. Esse programa deve-se muito à missão que foi feita nos Estados Unidos por um geólogo português que, voltando depois a Lisboa, dá uma conferência na Sociedade de Geografia e começa a estruturar um programa pela exploração das terras e dos recursos minerais de Angola. Estamos, grosso modo, em 1880. E este interesse avança já rapidamente, chegando a formular-se a primeira lei das minas, que também inclui a exploração de todo o subsolo angolano em 1906, que é depois actualizada com uma lei sobre a exploração petrolífera em 1909. E logo de seguida, começam um conjunto de explorações do território que envolvem várias companhias petrolíferas internacionais, designadamente belgas, francesas, britânicas e americanas. Trata-se da primeira fase de prospecção, porque nunca se chega, no fundo, a encontrar poços economicamente sustentáveis. Mas os primeiros projectos de exploração, vasta do ponto de vista petrolíferos, mas não só de Angola, começam mesmo no início do século XX.
RFI: O que é também interessante nesses primórdios da prospecção do petróleo em Angola é que efectivamente fala nas missões de geólogos. Muitas dessas missões não são propriamente financiadas pelo próprio Estado, mas por companhias privadas. E coloca se, no fundo, já uma questão que continua muito actual, que é o uso da ciência para funções práticas, ou seja, a prospecção de recursos e não simplesmente pela ciência, pelo conhecimento, nunca é uma coisa gratuita.
Franco Tomassoni: Sim, exactamente. Esta é uma coisa que é recorrente até aos anos 70, que é onde depois a minha investigação pára. Ou seja, nós observamos que grandes missões de geólogos no território angolano são financiadas por empresas privadas às quais o Estado português garantia essa concessão. E o que é que acontecia? Acontecia que essas grandes missões de prospecção do território adquiriam um conjunto de informações sobre as riquezas minerais do território angolano, que não partilhavam com o seu concessionário, o Estado português, mas antes pelo contrário, era o Estado português a pagar os custos de defesa porque havia vários geólogos que foram mortos nessas missões exactamente pela revolta das populações locais que não se queriam submeter a este processo de colonização. Portanto, o Estado português pagava os custos de defesa. Mas estes geólogos, estas grandes empresas, mantinham o conhecimento do território em posse privada, sem, pois, transmitir as informações essenciais do Estado. É um processo de acumulação, de dominação do conhecimento que depois tem um desenvolvimento e um paradigma que depois se estende até aos anos 70.
RFI: Para além de não ter propriamente pessoal qualificado para saber exatamente o que é que existe em termos de recursos minerais e de petróleo em Angola, também não há absolutamente ninguém para fiscalizar as actividades dessas empresas em Angola, enquanto outras potências têm um número infinito de pessoas qualificadas para vigiar e para ter completamente sob controlo essas actividades.
Franco Tomassoni: Exatamente. Ou seja, o que nós observamos das fontes, dos arquivos e em particular, no Arquivo Ultramarino é exactamente isso. Nós temos na administração portuguesa uma ausência de figuras importantes que dispunham do conhecimento. Mais uma vez, a dominação privada do conhecimento, que é das partes técnicas, quer das dimensões de mercadorização do próprio petróleo por parte dos agentes privados. A administração portuguesa não tinha, por exemplo, engenheiros que conseguissem ler os relatórios que as empresas privadas enviavam. Já no final dos anos 60, para a administração colonial portuguesa. Portanto, a administração colonial portuguesa não dispunha dos conhecimentos para a gestão autónoma da indústria e não dispunha dos conhecimentos para fiscalizar a actividade dessas empresas. Ou, dito de outra forma, o que existia nos contratos de concessão entre as empresas e o poder metropolitano, simplesmente, em muitos casos não se dava porque o governo não tinha capacidade, não tinha conhecimento, não tinha uma malha administrativa suficientemente capilar e capaz de poder fiscalizar esta actividade. Isso teve depois impacto a nível do território colonial de várias maneiras. Vale a pena assinalar, por exemplo, o facto de que representantes do poder colonial de Angola se opõe a um certo tipo de complacência chamada mesmo "complacência" do governo metropolitano perante estas empresas. Ou, por exemplo, como o Governo português, por influência destas companhias, orientava a sua relação com organizações internacionais como a Organização Internacional do Trabalho. É bastante interessante notar como, desde a segunda metade dos anos 60, a Comissão de Petróleo da Organização Internacional do Trabalho pedia ao Governo português informações sobre qual é que eram as condições de trabalho ou os contratos em vigor no sector petrolífero. O Governo português não dava essa resposta porque dizia "se nós damos informações a estas instituições internacionais, poderíamos, por exemplo, comprometer a nossa relação com grandes interesses petrolíferos na colónia". Portanto, é interessante ver também que papel os investimentos petrolíferos em Angola tiveram no posicionamento nas instituições internacionais do Governo metropolitano de Lisboa.
RFI: Recuando um pouco no tempo, quando é que começa exactamente a exploração de petróleo em Angola e aonde?
Franco Tomassoni: A exploração petrolífera economicamente sustentável começa em 1955 na zona do Congo Interior, do Kwanza e nos arredores de Luanda. É uma exploração pouco significativa pelos volumes de exploração da altura à escala mundial. É uma exploração que já no início dos anos 60, começa a ser significativa no contexto angolano, porque pode tornar a colónia autosuficiente. E rapidamente também todo o conjunto das colónias e do Império. Mas digamos que o chamado "Eldorado do petróleo angolano" dá-se no enclave de Cabinda. No enclave de Cabinda, a exploração petrolífera como actividade económica começa no final dos anos 60, em Novembro de 1967 e tem um desenvolvimento muito, muito rápido e é um aumento muito rápido dos volumes extraídos e comercializado. E é em Cabinda que nós observamos todo um conjunto de impactos efectivos desse território. Acho que vale a pena aqui sublinhar dois impactos. Já observamos um pouco uma dimensão "macro", que tem a ver o impacto desses investimentos no posicionamento internacional. Se quisermos, num nível intermédio, podemos observar, por exemplo, como esses investimentos em Cabinda são relevantes ao ponto de alterar mesmo a divisão administrativa do território. A nível "micro" são ainda mais interessantes porque há um conjunto de relatórios da PIDE que, por exemplo, demonstram o impacto dos trabalhadores expatriados, portanto americanos, canadianos, noruegueses e britânicos que trabalhavam na indústria petrolífera em Cabinda no final dos anos 60. Esses relatórios recolhem um conjunto de informações, por exemplo, uma dificuldade de integração entre esses "expats" e a população local. Os relatórios descrevem, por exemplo, rixas nocturnas ou o aparecimento em Cabinda de um fluxo migratório que vem de Luanda, de prostituição branca, que servia, exactamente essas comunidades de expatriados. São elementos bastante interessantes, porque tem a ver com a transformação da paisagem social e económica. Por exemplo, um outro impacto desses grandes investimentos, é uma subida -faz um pouco lembrar os tempos presentes em Lisboa - mas é uma subida abrupta dos preços da habitação, de aluguer. O custo de habitação torna-se também insustentável para boa parte da população em Cabinda, porque o mercado começa a orientar-se exactamente para essa comunidade de "expats".
RFI: Entretanto, o que é também interessante no caso de Cabinda é que Portugal, entrega a exploração do petróleo de Cabinda, praticamente de mão beijada para os americanos, para a companhia Gulf. Como é que se poderia explicar o facto de Portugal, no fundo, ter dado aquilo praticamente ao desbarato?
Franco Tomassoni: Explica-se por várias razões. Portugal tinha um grande interesse, obviamente, em encontrar aliados internacionais no contexto económico. É uma coisa que na minha investigação procuro frisar: é esta ideia de um império fechado e de um governo metropolitano que faz algo pelos interesses económicos dos grandes grupos portugueses, é uma ideia coxa. Não é uma ideia que corresponde totalmente à verdade. O Governo português, já depois da Segunda Guerra Mundial, começa a perceber que existe um conjunto de reivindicações anticoloniais à escala global, que não apenas reivindica uma independência política, mas reivindica uma independência económica. E, nesse sentido, vê de bom grado a possibilidade de entregar a exploração dos seus recursos a interesses internacionais. Exactamente em oposição ao aparecimento de um conjunto de reivindicações anticoloniais que também procura um reequilíbrio nos mecanismos de distribuição da riqueza. Portanto, há, digamos assim, uma aliança de facto daquilo que eu chamo o "campo conservador", que é composto por essas potências coloniais e por grandes interesses económicos à escala internacional que se opõe ao processo de descolonização. Depois, há um factor relevante de que já falamos: a incapacidade do Estado português de adquirir conhecimento e de formar os seus quadros para uma gestão autónoma dos recursos petrolíferos. Uma incapacidade também de direccionar o investimento para essas mesmas explorações. E depois, há um contexto em que a burocracia imperial é facilmente cooptada por esses grandes interesses. Relativamente a isto, gostava aqui de dar dois exemplos. Como disse antes, a Lei de Minas é uma lei de 1906 que nunca foi alterada substantivamente. O que acontece é que na segunda metade dos anos 60, Rui Patrício, então secretário do Fomento Ultramarino, dá uma entrevista numa comissão interna que se ocupava da exploração mineira na colónia. Diz "Temos que actualizar esta lei". Poucos meses depois, com a Gulf declarar a exploração económica da colónia, Rui Patrício, que tinha dito que essa lei era desadequada à época, dá uma entrevista no "Diário Popular" a dizer no fundo que "a Lei de Minas de 1906 não tem que ser tocada, porque é uma lei que permite uma certa flexibilidade de mercado". Portanto, muda radicalmente esta posição. Do outro lado temos o Vasco Garin, o Vasco Garin, que tinha sido o embaixador português junto das Nações Unidas e depois junto da embaixada nos Estados Unidos. E depois torna-se administrador na Cabinda Gulf Oil, que é a subsidiária da empresa Gulf, que se ocupa da exploração petrolífera em Cabinda. E Vasco Garin consegue negociar com o Governo português um conjunto de preços e medidas económicas que são muito mais convenientes para a companhia privada de que aquelas que se aplicavam à escala internacional. Portanto, Vasco Garin, um representante do Estado, do aparelho estatal português, da diplomacia portuguesa, da grande burocracia pública, passa a ser director de uma empresa privada e a negociar condições mais favoráveis para essa empresa face ao governo português do que aquelas que se aplicavam internacionalmente.
RFI: O que também condicionou o próprio império português, no fundo, foram as pressões internacionais e o boicote à própria Gulf nos Estados Unidos, as reivindicações das populações negras nos Estados Unidos, que também incidiam sobre os próprios direitos à autodeterminação das populações ainda sob o regime colonial. O que é que nos pode dizer sobre esse aspecto?
Franco Tomassoni: Era exatamente esse aspecto que eu queria colocar, porque acho que esse é um aspecto interessantíssimo. É um caso aliás nada conhecido. E eu reconstruo no detalhe nesse livro. E, no fundo, reflecte como a internacionalização dos interesses económicos no Império português correspondia também a uma coordenação internacional da luta contra o colonialismo português. Acontecem várias iniciativas de boicote à Gulf nos Estados Unidos pelo seu apoio ao governo português em vários territórios dos Estados Unidos. Mas o caso mais interessante é, eventualmente, aquilo que acontece na Universidade de Harvard. A Universidade de Harvard detinha acções da companhia petrolífera Gulf. E o que acontece é que há vários pedidos por parte de estudantes e professores para a Universidade de Harvard para retirar e vender as suas acções na Gulf, exactamente porque a Gulf apoiava o colonialismo português em Angola. Então a Universidade de Harvard decide organizar uma missão para verificar a situação no terreno e os resultados da missão, claramente, são favoráveis à manutenção da Universidade de Harvard como accionista da Gulf. Então começa um conjunto de mobilizações que chegam à ocupação da reitoria da Universidade de Harvard, exactamente em solidariedade com a luta anticolonial. Nesse mesmo contexto, emerge um conjunto de figuras bastante importante. Uma delas, Randall Robinson, que participa do movimento dos direitos civis nos Estados Unidos que também estão cansados com determinadas coisas. Achavam que esses movimentos não eram suficientemente radicais ou pelo menos não respeitavam um conjunto de reivindicações. E vai à procura de outros tipos de relações e de orientações políticas em África e vai, designadamente a Tanzânia. A Tanzânia, naqueles anos, entre finais dos anos 60 e princípio dos anos 70, a sua capital, Dar Es Salaam, é uma cidade extremamente interessante, porque o Randall Robinson vai lá a encontrar líderes dos movimentos anticoloniais portugueses, quer da luta anticolonial em Moçambique, quer da luta anticolonial na Guiné, quer da luta anticolonial em Angola. Mas encontra também outro conjunto de figuras. Por exemplo, estavam o Giovanni Arrighi, o Clyde Mitchell, o Wallerstein, que eram professores na Rodésia e depois da declaração unilateral da independência da Rodésia, da declaração da supremacia branca, são expulsos do país e também de lá. Portanto, Dar Es Salaam torna-se, um contexto atravessado exactamente por esses diferentes grupos que se encontram, que se unem e produzem grandes elaborações teóricas que, ainda hoje, formam e interessam a realidade e, do outro lado, os vários projectos de construção do socialismo no chamado socialismo africano e a mobilização estudantil na Tanzânia que se opunha ao governo independente para não ser suficientemente consequente. Portanto, é a versão de um retrato da luta anticolonial profundamente internacionalizada. E, sobretudo, a reconstrução de um facto que ninguém conhecia, que é exatamente a acção dos estudantes de Harvard. Uma acção à qual a embaixada portuguesa nos Estados Unidos se opõe, levando à frente uma campanha mediática muito forte que eu descrevo ao pormenor no livro.
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