Artes

Avignon: 32 artistas em residência no laboratório Transmissão Impossível


Listen Later

No Festival de Avignon, 32 artistas emergentes, entre eles, Alice Azevedo, Mai-Júli Machado e Romain Beltrão, reúnem-se sob direcção da coreógrafa francesa Mathilde Monnier para experimentar a arte de transmitir. A residência Transmission Impossible junta ao festival um laboratório de pensamento em movimento, onde os gestos, os silêncios e os corpos se tornam linguagem partilhada. 

Na 79ª  do Festival de Avignon, há uma vivenda criativa onde, durante dez dias, 32 jovens artistas franceses e internacionais partilham uma pergunta: Como se transmite o efémero dos espectáculos vivos? A residência artística Transmission Impossible, dirigida por Mathilde Monnier, transforma-se num lugar de escuta e reflexão, onde os gestos, os idiomas e até o silêncio ganham outra forma.

“É uma oportunidade muito grande para mim estar aqui, num espaço onde os projectos ainda procuram forma”, começa por dizer a coreógrafa e investigadora moçambicana Mai-Júli Machado, que vive em Paris. “Aqui é ainda mais interessante porque não são só bailarinos. Há actores, escritores… É muito rico. Muito interessante”, descreve. Esta residência, mais do que um espaço de produção, é um espaço de permissão: “Eu não vim com um plano ou um desejo. Só me permito viver e sentir. O que for para ser levado, será levado. O que não for, vai ficar”.

Do outro lado, a actriz e encenadora portuguesa Alice Azevedo, partilha o mesmo entusiasmo: “Está a ser extraordinário. É a minha primeira vez em Avignon. Nunca tinha vindo nem à cidade nem ao festival. E estou surpreendida, há tanta dança! Sempre pensei nisto como um festival de teatro. Mas é muito mais do que isso”. Para Alice Azevedo, a residência é “caótica, mas num bom sentido. Muita partilha, muitos cruzamentos disciplinares, investigações… e uma pequena Lisboa também, porque há imensos portugueses do teatro".

As rotinas da residência oscilam entre assistir a espectáculos, conversar com os artistas convidados e partilhar reflexões entre si. “É muito intenso,” diz Romain Beltrão, franco-brasileiro a viver em Lisboa e que trabalha em coreografia. “A gente partilha o tempo entre visionar espectáculos, conversar sobre eles, imaginar o que vamos apresentar. Mas para mim, o mais importante tem sido o encontro com outros artistas. Percebe-se logo que temos maneiras muito diferentes de trabalhar conforme o lugar de onde vimos”.

Essa diferença geográfica e cultural atravessa as práticas. Romain Beltrão trabalha com o que chama de “coreografia expandida”. “Uso texto, multimédia… Para mim, a coreografia é um modo de pensar. Organizo o pensamento no espaço e no tempo”. Em Avignon, foi no teatro que encontrou os dispositivos que mais o entusiasmaram: “La Distance" de Tiago Rodrigues, com o palco giratório onde os actores não se vêem, mas o público sim, foi muito justo para falar de distância. E Affaires familiales de Emilie Rousset, com actores a recriar conversas com advogados sobre temas como violência doméstica, foi um dos melhores momentos do festival”, descreve.

A residência propôs uma apresentação pública nos dias 13 e 14 de Julho. O que se mostra, no entanto, não é um espectáculo finalizado, mas o reflexo da experiência vivida. “A ideia é transformar aquilo que vimos ou sentimos numa proposta performativa,” explica Alice Azevedo. “Quero reflectir sobre mecanismos invisíveis de exclusão. Porque este festival é, por vezes, muito excludente. Há espectáculos sem legendas, falta de sinalização… É como se o público tivesse de saber já tudo”, sublinha.

A atenção aos corpos invisíveis, aos gestos omitidos, às presenças silenciadas, atravessa também o trabalho de Mai-Júli Machado. “Eu vi um espectáculo chamado Laaroussa Quartet, sobre um hospital de mulheres. Foi muito forte para mim. Eu tenho um solo que fala sobre mulheres e o novo trabalho vai nessa linha. Aqueles movimentos do quotidiano transformaram-se em algo muito bonito. Quero trabalhar a partir disso”. Quando lhe perguntam se a transmissão é mesmo impossível, responde: “Para mim, foi logo. Captei e já me senti inspirada. Então é possível, pode levar tempo, como também não”, afirma.

No centro deste laboratório está o corpo. Mas não apenas o corpo técnico, treinado, performativo: “Temos mulheres, homens, pessoas trans, homossexuais… e é interessante ver como tudo se transforma,” diz Mai-Júli Machado. “Criou-se em mim uma curiosidade nova de trabalhar com outros tipos de corpo, outras vivências”, completa.

Romain Beltrão reforça essa ideia de transformação no encontro: “As temáticas que encontro em Lisboa são diferentes das que encontro aqui em França ou deferente das de outros participantes. Mas é esse contraste que alimenta”. O mesmo diz Alice Azevedo: “Trouxe sobretudo vontade de conhecer. E uma enorme curiosidade pela programação do Tiago Rodrigues. Ele conseguiu tirar o Teatro Nacional de Portugal do museu”.

Ao longo dos dias, o que se partilha já não são apenas referências ou gostos artísticos, mas uma forma de estar. “Estamos a ver, a conversar e, a partir daí, criamos. Mas o importante são as relações,” diz Mai-Júli Machado. “As relações com as pessoas têm sido incríveis”, acrescenta. E talvez seja mesmo essa a única transmissão possível, a que se faz quando se escuta o outro, antes de querer ensinar.

Depois da apresentação dos projectos, não é um fim. É um ponto de passagem: “Não é uma performance acabada,” diz Romain Beltrão. “É uma experiência. O que trazemos são práticas que nascem do que vimos, do que nos tocou. Experimentações”, conclui.

...more
View all episodesView all episodes
Download on the App Store

ArtesBy RFI Português


More shows like Artes

View all
Convidado by RFI Português

Convidado

0 Listeners

Semana em África by RFI Português

Semana em África

0 Listeners

Em linha com o correspondente by RFI Português

Em linha com o correspondente

0 Listeners

Ciência by RFI Português

Ciência

0 Listeners

16h00 - 16h10 GMT by RFI Português

16h00 - 16h10 GMT

0 Listeners

19h10 - 19h30 GMT by RFI Português

19h10 - 19h30 GMT

0 Listeners

Em directo da redacção by RFI Português

Em directo da redacção

0 Listeners

Em linha com o ouvinte / internauta by RFI Português

Em linha com o ouvinte / internauta

0 Listeners

Vida em França by RFI Português

Vida em França

0 Listeners