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Em entrevista à RFI, o Presidente de Cabo Verde, José Maria Neves, evoca o centenário do nascimento de Amílcar Cabral como um momento que revela "a heroicidade do povo cabo-verdiano, apesar de todas as adversidades, Cabo Verde é hoje um país independente, graças à liderança de Amílcar Cabral".
RFI: Cabo Verde assinala o centenário do nascimento de Amílcar Cabral. Foi depositada uma coroa de flores, feito descerramento de uma placa alusiva ao centenário. Esta é a homenagem justa ao pai da nacionalidade cabo-verdiana?
José Maria Neves: Para além dessas actividades, foram realizadas muitas outras, como o Simpósio 'Amílcar Cabral, um património nacional e universal'. Há debates em várias universidades, manifestações culturais. Penso que a sociedade civil está a comemorar com algum entusiasmo o centenário do nascimento de Amílcar Cabral, que é hoje uma figura consensual em Cabo Verde e que se destaca como um dos principais heróis nacionais.
O que é que esta data lhe evoca?
Evoca heroicidade do povo cabo-verdiano, apesar de todas as adversidades, Cabo Verde é hoje um país independente, graças à liderança de Amílcar Cabral e está a construir o seu desenvolvimento. Cabral colocou sempre no centro da sua luta a dignidade da pessoa humana e hoje os cabo-verdianos vivem mais dignos com liberdade, em democracia. Estamos a construir os alicerces de um desenvolvimento durável. Considero que Cabral deu um enorme contributo para que hoje pudéssemos ter este Cabo Verde mais digno e com uma grande abertura de espírito para construir um futuro melhor para todos.
Uma das maiores inquietações e preocupações de Cabral era a educação, eram as crianças. Essa continua a ser uma prioridade, uma vez que a maioria da população é muito jovem em Cabo Verde?
Claro, os investimentos nas pessoas, particularmente educação, saúde e segurança social, eram preocupações fundamentais de Cabral. Após a independência investimos na educação, na democratização do acesso à escola e hoje temos escolas por todo o país liceus, universidades e temos uma população formada e educada. Eliminámos o analfabetismo e houve uma expansão do sistema nacional de saúde, do sistema de segurança social. Estamos com indicadores muito elevados nesses domínios. Fizemos o que tínhamos que fazer nesses 50 anos da nossa independência. Agora é dar o salto e fazer melhor, sofisticar mais e continuar a investir na educação, na saúde, na segurança social e, finalmente, na melhoria da qualidade de vida das pessoas.
Este centenário não tem o mesmo eco nos dois países de Cabral. Consegue entender porquê?
Bom, há alguns ruídos, alguns problemas. Aqui em Cabo Verde, Cabral é herói nacional, segundo um diploma de Estado. Cabral tem sido homenageado por todos os chefes de Estado cabo-verdianos da democracia. Ainda em 2000, no quadro das comemorações dos 25 anos da Independência, foi inaugurado o mausoléu e fez-se o descerramento da placa por António Mascarenhas Monteiro, homenageando Cabral enquanto fundador da nacionalidade cabo-verdiana. É importante reconhecermos esses pontos, esses factos e respeitarmos os símbolos nacionais, respeitarmos a história do país.
Um país tem de ter alicerces espirituais muito fortes para poder construir o futuro. E aqui as datas nacionais o 20 de Janeiro, o 5 de Julho, o 13 de Janeiro, a bandeira, o hino, os heróis nacionais são seivas importantes para irrigar a espiritualidade, a identidade cabo-verdiana e podermos, assim, de mãos dadas, construir o futuro. Portanto, em Cabo Verde respeitamos, queremos ser um país livre, com grande abertura de espírito, um país democrático e é isso que está em causa.
Há outros conflitos, outros problemas na Guiné-Bissau, mas há também esforços de algumas comunidades no sentido de comemorarem condignamente o 12 de Setembro e espero que possamos ultrapassar os conflitos, os problemas existentes, porque Cabral lutou sobretudo para forjar uma nação guineense forte, onde as pessoas pudessem viver com liberdade e com dignidade.
Como é que vê a Guiné-Bissau hoje, como histórico do PAICV, como vê a relação com o PAIGC?
Acho que a nível do Estado, que é o que eu posso falar, temos feito um esforço para haver boas relações com a Guiné-Bissau. Fiz já uma visita de Estado à Guiné-Bissau, fiz uma outra visita para participar na cimeira da CEDEAO. O Presidente já fez uma visita de Estado a Cabo Verde. Já esteve nas comemorações dos 50 anos da libertação dos presos políticos e, portanto, é muito importante que essas relações entre os Estados se concretizem com abertura e de uma forma construtiva. Há conflitos na Guiné-Bissau, mas caberá às elites políticas, às principais lideranças, encontrarem, autonomamente, formas para resolverem os seus próprios problemas.
Em 2020, um conjunto de historiadores na BBC considerou que Amilcar Cabral é a segunda figura mais importante do século XX. Cabral é um herói nacional, mas é também um herói aclamado no mundo?
Sim, Cabral é muito debatido, mesmo em Portugal porque Cabral, nos seus textos, tem um grande carinho, uma grande amizade pelo povo português e dizia até que após a independência, deveríamos estabelecer relações especiais com Portugal.
É o caso?
E é o caso, Cabo Verde tem relações muito especiais com Portugal e é importante termos em conta que Cabral também promovia muito a língua portuguesa e disse que talvez fosse a principal herança que nós teríamos de Portugal. A sua primeira mulher era portuguesa e sentia-se, pela sua formação, pelo seu discurso, que Cabral tinha uma grande admiração pelo povo português, pela cultura portuguesa, pela língua portuguesa. Isso influenciou muito, desde a independência, as relações entre Cabo Verde e Portugal.
Há quem defenda que a melhor forma de homenagear Cabral é dizer a verdade sobre a sua morte sobre o assassínio. O que é que tem a dizer em relação a isto?
Eu acho que os actores materiais do crime já foram identificados. A questão tem a ver com autoria moral. Mas é claramente pelos acontecimentos, pela história, pelos antecedentes, que Cabral terá sido assassinado a mando da PIDE/DGS. E isso é cada vez mais evidente para quem conhece os antecedentes e toda a história da morte de Cabral. Ainda que pairem dúvidas sobre esta matéria, havia muitas contradições, muitos conflitos. Mas é evidente, cada vez mais, que os autores morais desse crime têm a ver com agentes do colonialismo.
O Presidente Pedro Pires dizia-nos que Amilcar Cabral doou a vida pelo povo cabo-verdiano e guineense. Concorda?
Sim. Amílcar Cabral morreu pela independência da Guiné e de Cabo Verde. Há dias, Pedro Pires terá dito que tem uma dívida trágica com Cabral porque permitiram que ele fosse assassinado, que foi uma falha. As lutas com essa dimensão acabam por conter falhas desta natureza. Mas Cabral é efectivamente o homem que doou a sua juventude e doou a sua própria vida à causa da libertação da África e particularmente dos povos da Guiné e Cabo Verde.
O Senhor Presidente recorda-se, devia ser muito novo na altura, do dia 20 de Janeiro de 1973?
Eu recordo-me, mas por um fenómeno fortuito. Havia uma pequena gráfica em Santa Catarina. Havia um grupo de jovens que trabalhavam nessa gráfica no dia da morte de Amílcar Cabral. Foram distribuídos panfletos, panfletos na Assomada que denunciavam a morte de Amílcar Cabral. Os jovens que trabalhavam nessa gráfica foram todos presos pela PIDE e interrogados para saber se eles é que tinham impresso esses panfletos, que eram coloridos, e foram imediatamente recolhidos. Não entendi bem porque é que tinham sido recolhidos. Eu estava no ciclo preparatório. A ideia era que tinha sido morto um grande terrorista que quis derrubar Salazar. Para os mais velhos, na altura era uma grande ousadia um homem africano querer derrubar Salazar. Foi a partir desse elemento fortuito que eu tomei conhecimento, mas não tinha a dimensão da luta das principais questões que se referiam à libertação da África e da Guiné e Cabo Verde.
A traição e o assassínio de Amilcar Cabral foram um golpe devastador para o movimento. Como é que o PAIGC reagiu a essa perda e o que é que mudou depois?
Eu acho que, passado o trauma inicial, o PAIGC conseguiu reorganizar-se e conseguiu ter forças e energia um pouco para "vingar" a morte de Cabral. Foi o que aconteceu. Proclamaram a independência, houve recrudescimento da luta armada nas várias frentes e conseguiram efetivamente grandes ganhos no plano internacional e o PAIGC sobreviveu à morte de Cabral.
Em entrevista à RFI, o Presidente de Cabo Verde, José Maria Neves, evoca o centenário do nascimento de Amílcar Cabral como um momento que revela "a heroicidade do povo cabo-verdiano, apesar de todas as adversidades, Cabo Verde é hoje um país independente, graças à liderança de Amílcar Cabral".
RFI: Cabo Verde assinala o centenário do nascimento de Amílcar Cabral. Foi depositada uma coroa de flores, feito descerramento de uma placa alusiva ao centenário. Esta é a homenagem justa ao pai da nacionalidade cabo-verdiana?
José Maria Neves: Para além dessas actividades, foram realizadas muitas outras, como o Simpósio 'Amílcar Cabral, um património nacional e universal'. Há debates em várias universidades, manifestações culturais. Penso que a sociedade civil está a comemorar com algum entusiasmo o centenário do nascimento de Amílcar Cabral, que é hoje uma figura consensual em Cabo Verde e que se destaca como um dos principais heróis nacionais.
O que é que esta data lhe evoca?
Evoca heroicidade do povo cabo-verdiano, apesar de todas as adversidades, Cabo Verde é hoje um país independente, graças à liderança de Amílcar Cabral e está a construir o seu desenvolvimento. Cabral colocou sempre no centro da sua luta a dignidade da pessoa humana e hoje os cabo-verdianos vivem mais dignos com liberdade, em democracia. Estamos a construir os alicerces de um desenvolvimento durável. Considero que Cabral deu um enorme contributo para que hoje pudéssemos ter este Cabo Verde mais digno e com uma grande abertura de espírito para construir um futuro melhor para todos.
Uma das maiores inquietações e preocupações de Cabral era a educação, eram as crianças. Essa continua a ser uma prioridade, uma vez que a maioria da população é muito jovem em Cabo Verde?
Claro, os investimentos nas pessoas, particularmente educação, saúde e segurança social, eram preocupações fundamentais de Cabral. Após a independência investimos na educação, na democratização do acesso à escola e hoje temos escolas por todo o país liceus, universidades e temos uma população formada e educada. Eliminámos o analfabetismo e houve uma expansão do sistema nacional de saúde, do sistema de segurança social. Estamos com indicadores muito elevados nesses domínios. Fizemos o que tínhamos que fazer nesses 50 anos da nossa independência. Agora é dar o salto e fazer melhor, sofisticar mais e continuar a investir na educação, na saúde, na segurança social e, finalmente, na melhoria da qualidade de vida das pessoas.
Este centenário não tem o mesmo eco nos dois países de Cabral. Consegue entender porquê?
Bom, há alguns ruídos, alguns problemas. Aqui em Cabo Verde, Cabral é herói nacional, segundo um diploma de Estado. Cabral tem sido homenageado por todos os chefes de Estado cabo-verdianos da democracia. Ainda em 2000, no quadro das comemorações dos 25 anos da Independência, foi inaugurado o mausoléu e fez-se o descerramento da placa por António Mascarenhas Monteiro, homenageando Cabral enquanto fundador da nacionalidade cabo-verdiana. É importante reconhecermos esses pontos, esses factos e respeitarmos os símbolos nacionais, respeitarmos a história do país.
Um país tem de ter alicerces espirituais muito fortes para poder construir o futuro. E aqui as datas nacionais o 20 de Janeiro, o 5 de Julho, o 13 de Janeiro, a bandeira, o hino, os heróis nacionais são seivas importantes para irrigar a espiritualidade, a identidade cabo-verdiana e podermos, assim, de mãos dadas, construir o futuro. Portanto, em Cabo Verde respeitamos, queremos ser um país livre, com grande abertura de espírito, um país democrático e é isso que está em causa.
Há outros conflitos, outros problemas na Guiné-Bissau, mas há também esforços de algumas comunidades no sentido de comemorarem condignamente o 12 de Setembro e espero que possamos ultrapassar os conflitos, os problemas existentes, porque Cabral lutou sobretudo para forjar uma nação guineense forte, onde as pessoas pudessem viver com liberdade e com dignidade.
Como é que vê a Guiné-Bissau hoje, como histórico do PAICV, como vê a relação com o PAIGC?
Acho que a nível do Estado, que é o que eu posso falar, temos feito um esforço para haver boas relações com a Guiné-Bissau. Fiz já uma visita de Estado à Guiné-Bissau, fiz uma outra visita para participar na cimeira da CEDEAO. O Presidente já fez uma visita de Estado a Cabo Verde. Já esteve nas comemorações dos 50 anos da libertação dos presos políticos e, portanto, é muito importante que essas relações entre os Estados se concretizem com abertura e de uma forma construtiva. Há conflitos na Guiné-Bissau, mas caberá às elites políticas, às principais lideranças, encontrarem, autonomamente, formas para resolverem os seus próprios problemas.
Em 2020, um conjunto de historiadores na BBC considerou que Amilcar Cabral é a segunda figura mais importante do século XX. Cabral é um herói nacional, mas é também um herói aclamado no mundo?
Sim, Cabral é muito debatido, mesmo em Portugal porque Cabral, nos seus textos, tem um grande carinho, uma grande amizade pelo povo português e dizia até que após a independência, deveríamos estabelecer relações especiais com Portugal.
É o caso?
E é o caso, Cabo Verde tem relações muito especiais com Portugal e é importante termos em conta que Cabral também promovia muito a língua portuguesa e disse que talvez fosse a principal herança que nós teríamos de Portugal. A sua primeira mulher era portuguesa e sentia-se, pela sua formação, pelo seu discurso, que Cabral tinha uma grande admiração pelo povo português, pela cultura portuguesa, pela língua portuguesa. Isso influenciou muito, desde a independência, as relações entre Cabo Verde e Portugal.
Há quem defenda que a melhor forma de homenagear Cabral é dizer a verdade sobre a sua morte sobre o assassínio. O que é que tem a dizer em relação a isto?
Eu acho que os actores materiais do crime já foram identificados. A questão tem a ver com autoria moral. Mas é claramente pelos acontecimentos, pela história, pelos antecedentes, que Cabral terá sido assassinado a mando da PIDE/DGS. E isso é cada vez mais evidente para quem conhece os antecedentes e toda a história da morte de Cabral. Ainda que pairem dúvidas sobre esta matéria, havia muitas contradições, muitos conflitos. Mas é evidente, cada vez mais, que os autores morais desse crime têm a ver com agentes do colonialismo.
O Presidente Pedro Pires dizia-nos que Amilcar Cabral doou a vida pelo povo cabo-verdiano e guineense. Concorda?
Sim. Amílcar Cabral morreu pela independência da Guiné e de Cabo Verde. Há dias, Pedro Pires terá dito que tem uma dívida trágica com Cabral porque permitiram que ele fosse assassinado, que foi uma falha. As lutas com essa dimensão acabam por conter falhas desta natureza. Mas Cabral é efectivamente o homem que doou a sua juventude e doou a sua própria vida à causa da libertação da África e particularmente dos povos da Guiné e Cabo Verde.
O Senhor Presidente recorda-se, devia ser muito novo na altura, do dia 20 de Janeiro de 1973?
Eu recordo-me, mas por um fenómeno fortuito. Havia uma pequena gráfica em Santa Catarina. Havia um grupo de jovens que trabalhavam nessa gráfica no dia da morte de Amílcar Cabral. Foram distribuídos panfletos, panfletos na Assomada que denunciavam a morte de Amílcar Cabral. Os jovens que trabalhavam nessa gráfica foram todos presos pela PIDE e interrogados para saber se eles é que tinham impresso esses panfletos, que eram coloridos, e foram imediatamente recolhidos. Não entendi bem porque é que tinham sido recolhidos. Eu estava no ciclo preparatório. A ideia era que tinha sido morto um grande terrorista que quis derrubar Salazar. Para os mais velhos, na altura era uma grande ousadia um homem africano querer derrubar Salazar. Foi a partir desse elemento fortuito que eu tomei conhecimento, mas não tinha a dimensão da luta das principais questões que se referiam à libertação da África e da Guiné e Cabo Verde.
A traição e o assassínio de Amilcar Cabral foram um golpe devastador para o movimento. Como é que o PAIGC reagiu a essa perda e o que é que mudou depois?
Eu acho que, passado o trauma inicial, o PAIGC conseguiu reorganizar-se e conseguiu ter forças e energia um pouco para "vingar" a morte de Cabral. Foi o que aconteceu. Proclamaram a independência, houve recrudescimento da luta armada nas várias frentes e conseguiram efetivamente grandes ganhos no plano internacional e o PAIGC sobreviveu à morte de Cabral.
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