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Cimeira EUA–África: Angola na rota dos investimentos


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Segundo dia da 17ª cimeira de negócios Estados Unidos–África, com mais de 1.500 participantes, incluindo chefes de Estado, governantes e empresários, em Luanda, com o objectivo de reforçar parcerias económicas e investimentos estratégicos. Osvaldo Mboco, especialista em Relações Internacionais ligado à Universidade Técnica de Angola, acredita que “Angola pode atrair investidores e capitalizar este momento para estar na montra internacional”.

Angola acolhe, pela primeira vez, a 17.ª Cimeira de Negócios Estados Unidos–África. O que representa a organização deste evento e quais são as vantagens para o país?

Angola pode capitalizar muita coisa, mas dependerá, em grande medida, da organização do Estado angolano, das estratégias que o país pode utilizar para atrair investidores e também de capitalizar este momento para estar na montra internacional, como o país que está a organizar esta cimeira e estar, de facto, nos grandes meios internacionais.

Esta cimeira tem como foco o Corredor do Lobito – infra-estrutura ferroviária estratégica para o escoamento de minerais críticos, ligando Angola à República Democrática do Congo, Zâmbia e Tanzânia –, com forte investimento norte-americano. Quais serão os investimentos anunciados para este projecto?

O que se pode esperar é que novos investidores olhem para o Corredor do Lobito como um projecto ambicioso, não olhando simplesmente para o investimento a ser feito no próprio Corredor do Lobito, mas para outro tipo de investimentos. Ou seja, aqui podemos falar de plataformas logísticas, indústrias transformadoras…

Construção de infra-estruturas?

Claramente. Há aqui uma série de investimentos que podem seguir aquilo que é o Corredor do Lobito. Então, Angola pode também atrair esses investidores para outros sectores ao longo do Corredor do Lobito.

Angola tem saída para o mar e alguns países encravados – como a Zâmbia ou a República Democrática do Congo, onde a saída para o mar é basicamente inexistente – podem usar esta porta de entrada e de saída de mercadorias.

Há ainda a questão petrolífera…

Sem sombra de dúvida. Angola é um dos maiores produtores de petróleo, ao nível do continente africano, e através do Corredor do Lobito pode servir de canal de saída do crude para os mercados internacionais, para os países que possam refinar. Temos uma posição geográfica privilegiada, mas tudo vai depender da organização do próprio Estado angolano.

Recentemente, numa entrevista, disse que os países africanos têm aproveitado mal as oportunidades do AGOA – o African Growth and Opportunity Act. Como é que os países podem, de facto, aproveitar melhor esta oportunidade, numa altura em que os Estados Unidos estão a reduzir as despesas com o continente africano?

O AGOA foi prorrogado até ao ano de 2025, penso que até Setembro deste ano. Provavelmente, o Presidente Donald Trump poderá prorrogar o acordo.

Como é que os países africanos podem  aproveitar melhor os acordos do AGOA?

O mercado americano é um dos maiores mercados a nível mundial, mas nós não conseguimos exportar quase nada, dentro do âmbito desta lei de investimento e oportunidades nos Estados Unidos. O que devemos fazer, enquanto países elegíveis no âmbito do AGOA, é estudar a pauta aduaneira americana e os critérios e padrões de produção que são aceites para os produtos nos Estados Unidos, para deixarmos de exportar simplesmente matérias-primas e passarmos também a exportar produtos acabados.

Recordo que, actualmente, a China está a isentar os países africanos para que possam exportar para o seu país com uma isenção de aproximadamente 98% das tarifas aduaneiras. Então, perante esta corrida, esta competição comercial existente entre esses dois Estados, começamos a ver que o continente africano, os países africanos, têm dois grandes mercados que, bem explorados, podem servir de mercados alternativos. Os países europeus – principalmente do Ocidente, Estados Unidos e os seus aliados – importam, do continente africano, apenas matérias-primas.

Então, podemos alterar esta configuração. Daí que tenho estado a defender que, na nossa relação com a China, devemos começar a pensar numa alteração significativa, ou seja, África não deve receber simplesmente os produtos manufacturados da China, mas fazer com que unidades fabris da China sejam deslocadas para o continente africano. Agora, isto só vai acontecer se o ambiente de negócios dos países africanos for bom, porque nenhum investidor quer investir num país que tenha sérios problemas no ambiente de negócios, nem repatriar capitais para um país que tem um dos índices de corrupção mais elevados.

Até que ponto a corrupção pode ser um obstáculo à captação de investimento?

A corrupção é um obstáculo à captação de investimento. Embora se tenham feito reformas estruturais no país, alterou-se a Lei do Investimento Estrangeiro, que tinha uma cláusula que obrigava um estrangeiro, que investisse em Angola, a juntar-se a um nacional, que passava a deter 35% do negócio – quando esse nacional, muitas vezes, nem entrava com capitais. Isso já não existe. Há a Lei da Concorrência, mas essas leis também não concorrem significativamente para o combate à corrupção no nosso país. Então, é necessário que se tenha um combate à corrupção muito mais acérrimo, que inclua vários actores e que credibilize o país do ponto de vista internacional.

Os Estados Unidos têm sempre uma postura muito diferente da China e da Rússia, com critérios próprios relativamente a direitos humanos, boa governação, combate à corrupção...

Claramente. Se Angola conseguir atrair investidores americanos, fazendo com que os americanos desloquem as unidades fabris para África, vamos ver muitos investidores de outras partes do mundo a quererem investir em Angola. O investimento americano pode simbolizar um bom ambiente de negócios, uma vez que os americanos só investem em países com garantias, com critérios de direitos humanos, boa governação, liberdade de imprensa, etc. São elementos norteadores daquilo que é a governação. Então, se tivermos um grande número de empresas americanas a investir em Angola, vai-se passar um sinal ao mundo de que Angola é um país para investir. Onde estão os americanos, tendencialmente, há outros actores que também querem estar.

É também uma forma de alavancar a economia e reduzir o elevado número de desempregados?

Isso só vai acontecer se Angola fizer o trabalho de casa, com os nossos empresários preparados e organizados, até para que, neste encontro, apresentem propostas aos outros empresários para a criação de joint ventures, por exemplo. Só acontecerá se o nosso ambiente de negócios for bom; de outra forma, os investidores não ficarão em Angola.

Há uma discussão que se fala muito e que tem a ver com a Lei da Terra. Há uma pressão por parte de investidores estrangeiros, principalmente americanos, para que a cedência da terra seja, pelo menos, de 100 anos. É uma pressão contrária à visão angolana, e penso que isto também constitui um elemento inibidor. Mas penso que o Estado angolano deve ter alguns critérios que salvaguardem determinados elementos e assegurem a própria soberania do Estado.

A 17.ª edição da Cimeira Empresarial EUA–África é coorganizada pelo Corporate Council on Africa (CCA) e o Governo de Angola, tendo como destaque o Corredor do Lobito, uma infra-estrutura ferroviária estratégica para o escoamento de minerais críticos, ligando Angola à República Democrática do Congo, Zâmbia e Tanzânia. O corredor é considerado prioritário pelos EUA, União Europeia e parceiros regionais.

A cimeira vai dar ainda destaque ao comércio, investimento e parcerias económicas nos sectores da energia, infra-estruturas, saúde, tecnologias digitais, agronegócio, indústrias criativas e minerais estratégicos.

Mais de 1.500 participantes, entre chefes de Estado e de Governo e delegações empresariais dos dois blocos, são esperados no mais importante fórum de negócios entre os Estados Unidos e o continente africano, que decorre em Luanda até ao dia 25 de Junho.

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