Este episódio dos quatro odiados é uma regravação do episódio ao vivo, gravado na livraria Palavrear, em Goiânia, com casa cheia e ilustre presença de Ailton Krenak, líder indígena, escritor e ambientalista brasileiro, que gentilmente nos deu uma palhinha a respeito dos temas “sociedade do cansaço”, “sociedade do espetáculo”, “ócio e trabalho” e “capitalismo tardio e fins do sono”. Nem tudo na vida são flores, ou, como diria o Baudelaire, há flores que são “do mau”, mas igualmente belas e fatais: o áudio da gravação, por motivos de hybris, moiras, maldições e outras influências cosmogônicas, ficou imprestável. E lá se vão os quatro odiados exaustos gravarem novamente o episódio, dessa vez para o público da internê. Byung-Chul Han utiliza o termo “sociedade do cansaço” para falar de um período que sucede a sociedade disciplinar, tal como a apresentava Michel Foucault. Na percepção social foucaultiana, apesar de haver uma internalização da disciplina, essa ainda se dá a partir de uma estrutura panóptica, que produz a sensação pessoal de se estar sendo constantemente visto. É toda uma arquitetura social, ancorada na diferença de possibilidade de visão, que produz a autodisciplina. Mas isso ainda exigiria uma percepção de alteridade muito clara, o que produzia uma sociedade imunológica, na qual a elaboração do “eu” passaria fundamentalmente pela negação do “outro”. Segundo Byung-Chul Han o homem da sociedade do cansaço é multitarefas, e por isso está muito mais perto do animal selvagem que do homem prudente de Aristóteles e Epicuro. De acordo com Han, o “animal não pode mergulhar contemplativamente no que tem diante de si, pois tem de elaborar ao mesmo tempo o que tem atrás de si”. Desse modo, se desde a antiguidade a filosofia vincula algum nível de contemplação à possibilidade de se atingir felicidade plena, e se a capacidade de contemplar tem sido subtraída dos sujeitos contemporâneos, muito mais próximos dos animais não humanos que dos sujeitos da filosofia, podemos considerar que a sociedade atual aniquila as possibilidades de uma plenamente realização da subjetividade dos homens e mulheres que nela se encontram. Calcada na lógica da produtividade, infelizmente, a sociedade contemporânea está mais próxima ao que Marx prenunciara, em sua vasta obra, do que nos sugeriram Aristóteles e Epicuro, que do alto de seus latos e profundos saberes sugeriram: “comtemplem” (desacelerem ou popularmente: toque/ligue o foda-se!). O direcionamento ideológico da “busca pelo sucesso”, do lucro, encarnado na moda coach, nada mais é que uma nova manifestação da forma de sociabilidade presente na lógica do capital, em que o ser é consumido pelo produto e se consumindo pelo ideal de “desempenho” no qual o indivíduo acorda pra trabalhar, dorme pra trabalhar, corre pra trabalhar, sem ter tempo de ter, tempo livre de ser, de nada ter que fazer, até se encontrar perdido no mundo criado por ele, não vendo além da fumaça, o amor e as coisas livres, coloridas, nada poluídas. Esta será a diretriz de um outro livro, que habita o título desse debate. Jonathan Crary, em sua obra “24/7: capitalismo tardio e fins do sono”, refletirá acerca da invasão do capitalismo sobre a última fronteira ainda não dominada pelo ideal produtivista, em seu avanço sobre a completude dos fazeres da atividade humana: o sono e o sonho. A expressão 24/7 reflete o ideal de mundo da perfectibilidade produtiva, em que não há “perda de tempo”, já que não há tempo dedicado ao repouso. Isso, é claro, não diz respeito apenas à possibilidade de se criar, através da indústria farmacêutica e da engenharia genética, um funcionário perfeito, que não durma e que trabalhe 24 horas durantes 7 na semana. Reflete, sobretudo, a possibilidade de um consumidor 24/7, já que o sono é o único momento em que, efetivamente, estamos inaptos ao consumo das imagens do capitalismo tardio, mergulhados que estamos na produção de imagens subjetivas a partir de nosso próprio inconsciente.