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Arrancou esta segunda-feira, 11 de Novembro, a Conferência das Nações Unidas para as Alterações Climáticas. A COP 29 decorre este ano em Baku, Azerbaijão. Carlos Lopes, professor na Universidade do Cabo, sublinha a necessidade de se repensar o financiamento climático e defende que os países africanos não deveriam ter de pedir dinheiro emprestado para resolver os problemas climáticos que não causaram.
Arrancou esta segunda-feira, 11 de Novembro, a Conferência das Nações Unidas para as Alterações Climáticas. A COP 29 decorre este ano em Baku, Azerbaijão. Já conhecida como a conferência dos financiamentos, em Baku, espera-se que as partes - mais de 200 países divididos em grupos - acordem um novo montante para ajudar os países em desenvolvimento a se adaptarem e a atenuarem os efeitos das mudanças climáticas.
A cimeira inicia-se duas semanas após a publicação de um relatório da Organização Meteorológica Mundial, que indica que os níveis dos três principais gases com efeito de estufa (GEE) que contribuem para o aquecimento global do planeta - dióxido de carbono, metano e óxido nitroso - voltaram a aumentar em 2023.
África é responsável por apenas 4% das emissões globais de gases de efeito estufa, mas grande parte do financiamento que recebe para transição energética, adaptação e mitigação acontece sob a forma de empréstimos, agravando a dívida dos países.
Carlos Lopes, economista, professor na Universidade do Cabo, África do Sul, sublinha a necessidade de se repensar o financiamento climático e defende que os países africanos não deveriam ter de pedir dinheiro emprestado para resolver os problemas climáticos que não causaram.
O actual momento político de “grandes convulsões”, aliado a um anfitrião da COP29 - Azerbaijão - apenas preocupado em assegurar o bom funcionamento logístico do encontro, faz prever o ‘chutar a bola’ para a COP 30. A verificar-se uma não conclusão deste imbróglio do financiamento climático, Carlos Lopes, que preside o Conselho da Fundação Africana para o Clima, alerta que no próximo ano, no Brasil “a situação vai ser ainda mais complicada”.
RFI: O que é que a África pode esperar desta COP 29?
Carlos Lopes: Temos grandes esperanças de que os posicionamentos da África possam demonstrar que temos uma crise de financiamento climático que precisa de ser resolvida a um outro nível que as promessas que são feitas COP após COP.
Na realidade, depois da COP 28 [Dezembro 2023] há um determinado número de promessas que foram feitas pelos Emirados Árabes Unidos e por outros países intermédios, que não tinham obrigações no Acordo de Paris de contribuir para essas soluções climáticas nos países menos desenvolvidos, que foram cumpridas. Mas, as promessas feitas pelos países que tinham essas obrigações, os países desenvolvidos, nomeadamente membros da OCDE, não se cumpriram e continua a ser um acumular de déficits vários de promessas não cumpridas.
Isto leva a que exista, neste momento, uma situação de tal desconfiança em relação ao sistema multilateral, que seguramente não vai poder ser resolvida em Baku, até porque o Azerbaijão decidiu posicionar-se mais como um hóspede da COP do que um actor para tentar levar a uma conclusão deste imbróglio do financiamento climático.
Em relação ao financiamento, levantam-se várias questões: que tipo de financiamento? Empréstimos? Doações? Investimentos privados? Há falta de clareza. Além da vontade da redefinição dos países doadores e dos beneficiários, os países ditos desenvolvidos querem vincular novos poluidores, como a China, a Rússia, Arábia Saudita ou a Índia, entre outros. E esses países, apesar de já contribuírem, não querem essa vinculação.
O Acordo de Paris é bastante claro nestas matérias, mas tem havido tentativas de reinterpretação do Acordo de Paris que são rechaçadas pelos países em desenvolvimento. Por exemplo, no que diz respeito às promessas de financiamento e os tais 100 bilhões de dólares de contribuições anuais para a questão climática, segundo a OCDE, teriam já sido atingidos a partir do ano passado, depois de vários anos de déficit em relação a essa promessa. Acontece que esses 100 bilhões têm que ser contabilizados como ajuda ao desenvolvimento.
Quando incluem na estatística os empréstimos em taxas comerciais para vários países, como fazendo parte dos 100 bilhões, estamos a confundir ‘alhos com bugalhos' e, portanto, estamos muito longe dos 100 bilhões em termos de ajuda ao desenvolvimento.
O que existe são 100 bilhões, segundo as estatísticas que nos foram apresentadas, de contribuições para as questões climáticas. Mas é muito diferente do que diz o Acordo de Paris. Idem em relação às responsabilidades de emissões, porque existem as responsabilidades de emissões históricas - que têm a ver com o acumular que levou à crise que vivemos. Confundir isso com o estado de desenvolvimento de certos países que começaram a emitir há muito pouco tempo a taxas elevadas, não é a mesma coisa que o princípio estabelecido, mesmo antes da Conferência de Paris, de responsabilidades partilhadas, mas diferentes. Diferentes, porque se aceita que existe uma responsabilidade histórica que não é a mesma para todos os países.
Se queremos agora actualizar essa interpretação, temos que fazê-lo também em termos políticos. O mundo não mudou só em matéria climática e de emissões, mudou em todos os sentidos e, se continua a haver por parte das Nações Unidas no Conselho de Segurança, por parte das instituições de Bretton Woods, o sistema de votação, um sistema de poder que não condiz com a realidade actual, não é só em matéria de emissões que se deve fazer a actualização. Portanto, é isto que dizem os países em desenvolvimento: ou se faz uma reviravolta completa na forma como nós concedemos a assimetria de poder dentro do sistema multilateral ou não se pode estar a actualizar só em relação às emissões, porque não se quer pagar o custo das promessas que foram feitas em Paris.
A questão do financiamento foi precisamente o que fez com que a COP 16 da biodiversidade terminasse sem acordo. As baterias viram-se agora para a Baku, provavelmente vai sair-se da COP 29 também sem acordo, precisamente por causa da falta de consensos no financiamento entre Norte e Sul.
Sim, porque estamos num momento geopolítico de grandes convulsões. Se olharmos, por exemplo, para o grupo do G7: as posições de um país com a importância dos Estados Unidos; se olharmos para a França, está com um Governo que está ainda para ser confirmado pelo Congresso; o Japão está numa situação idêntica à da França; a Alemanha está no seu pior momento económico e com grandes repercussões na sua indústria automobilística, que é a que emprega mais gente por causa, justamente, da reconversão energética que implica a mobilidade verde. Temos aqui um conjunto de países do G7 e podemos até incluir os outros que não mencionei, que estão numa situação um pouco melhor do ponto de vista político, mas também difícil do ponto de vista económico, que não é muito convidativa para fazer grandes saltos em matéria de clima. Por isso é que vemos que a União Europeia está a reduzir um pouco a sua ambição, o plano verde da Grã-Bretanha também diminuiu consideravelmente a ambição com este novo governo e por aí vamos…
Portanto, não se pode exigir que, no momento em que há uma retracção dos países mais ricos, que sejam os países mais pobres a fazer mais esforço. Quer dizer, se eles cumprissem o que já prometeram, seria mais fácil exigir também um maior nível de ambição por parte dos países mais vulneráveis, mas não é isso que está a acontecer. Nem há perspectivas, do ponto de vista multilateral, que isso venha a acontecer.
E, portanto, nós estamos numa COP que está um pouco refém desta situação e que está com um hóspede, neste caso o Azerbaijão, que tem uma atitude muito diferente dos Emirados Árabes Unidos do ano passado. Os Emirados, no conjunto, puseram 23 bilhões de dólares, de dinheiro próprio, para tentar salvar um pouco a imagem da COP 28 e lançar uma série de iniciativas que eles mesmos financiaram.
O Azerbaijão até tem essa capacidade do ponto de vista económico, mas não está de maneira nenhuma interessado nessa atitude e, portanto, vai-se comportar um pouco como o que se ocupa da logística. Portanto, se os países não estiverem de acordo, não vão assumir a responsabilidade.
Acontece que toda a gente vai depois ‘chutar a bola’ para a COP 30 e para o Brasil e, aí, a situação vai ser ainda mais complicada, porque nós vamos ter esta crise de confiança multiplicada com a impossibilidade, em 2025, de poder alterar significativamente a rota de colisão que se vai estabelecer por razões várias entre os países mais poderosos do planeta.
O problema das alterações climáticas continua a ser empurrado, mas as consequências não são empurradas e existem. O ano passado foi o ano mais quente desde que há registo. Este ano vamos pelo mesmo caminho. Os efeitos agressivos das alterações climáticas sentem-se a cada dia. África é o primeiro continente a senti-lo. Mas também é quem menos contribui para o aquecimento global do planeta. Portanto, a África vai ter que tomar aqui uma posição nesta COP provavelmente mais forte para tentar inverter os papéis.
Esta questão da justiça climática é uma questão que preocupa muitos africanos, que estão no centro do furacão, já com consequências drásticas. As pessoas todas viram imagens do que se passou em Valência, Espanha, mas viram muito poucas imagens das 5 milhões de pessoas que foram deslocadas por causa de cheias, só na Nigéria. Temos essa situação praticamente em todo o Sahel e é apenas uma manifestação das várias que o continente tem vindo a registar, que são dramáticas e que levam a essa situação de grande desespero.
Acho que os negociadores africanos têm sido bastante vocais. Mas é evidente que há uma assimetria de poder e eles não conseguem nada destas COP’s e já começa a haver uma certa descrença de que as coisas vão acontecer.
Os combustíveis fósseis são os responsáveis pelas emissões de gases com efeito de estufa e automaticamente são os responsáveis pelo aquecimento global do planeta. De que forma é que os africanos devem olhar para os seus próprios combustíveis fósseis?
Da seguinte maneira: nós somos os que emitimos menos e mesmo que se explore todos os recursos de combustíveis fósseis, com excepção do carvão - que é, de facto, um combustível fóssil com grande perigo por ser o mais poluente, mas também por ter uma matriz industrial poderosa, com efeitos colaterais no sítio onde é explorado e sobretudo, olhando para o gás, explorando todos esses recursos novos que estão sendo descobertos - a África aumentaria marginalmente a sua contribuição para o problema. Marginalmente. A nível mundial, somos responsáveis por cerca de 3,8% das emissões. Passaríamos, talvez, para 4% e, portanto, isto não é nada.
Acontece que a maior parte dos grandes investimentos em combustíveis fósseis continuam a ser feitos pelos países ricos e mesmo os combustíveis fósseis que estão a ser explorados em África são, em grande parte, para exportação, não são para a industrialização do continente africano. Portanto, estar a exigir a África fazer mitigação, que é, no fundo, o que a sua pergunta implica, é hipócrita da parte daqueles que o pedem, porque a África tem sim necessidades de adaptação e para isso precisa de financiamentos. Se os financiamentos não vêm, é obrigada a recorrer aos recursos que lhe podem dar algum sustento.
Sem acesso a liquidez, que a África está impedida de obter, sem que as promessas de ajuda ao desenvolvimento se materializem, não há outra hipótese para os africanos se não tentar rentabilizar qualquer recurso que tenham à mão, porque eles não podem ser responsáveis pelos problemas que os outros criaram e que os outros não querem resolver.
Mas devem ou não os africanos esperar por financiamento externo para promoverem a sua transição energética? Ou, pelo contrário, devem ser eles próprios a taxar mais as empresas estrangeiras que estão a explorar os combustíveis fósseis em África, de forma a que consigam, pelo menos, financiar a parte da transição energética.
É um pouco mais complexo. Quer dizer, nós temos uma situação em que as empresas que estão presentes em África, são empresas que têm um regime de actuação e um sistema de financiamento na cadeia de valor, que os países africanos são demasiado vulneráveis para poder contornar completamente. Podem até, de uma certa forma, aumentar a sua eficiência fiscal, podem exigir algumas coisas laterais, mas não o fundamental do negócio, que é, de facto, dominado por empresas cujo montante em capital é superior ao PIB dos países. Não estamos aqui perante uma relação equitativa.
Acontece que os países que têm a possibilidade de regular esse mercado não o querem fazer porque essas empresas são suas e querem protegê-las. Portanto, temos aqui um segundo problema. Mas, posto de outra forma, é simples dizer que os africanos devem, sem nenhuma dúvida, optar pelas energias renováveis. Só que para o fazerem precisam de financiamento. Não é uma questão de ambição, é uma questão de ter pragmatismo. Portanto, se houver financiamento para as energias renováveis, passa a ser a única opção.
Tem que se olhar para onde o financiamento vai. Infelizmente, o financiamento continua a ir, em grande parte, para os combustíveis fósseis.
Os mercados de carbono devem voltar a ser debatidos na COP29. Há aqui uma série de dúvidas que se levantam. A disparidade dos preços dos créditos de carbono, que é desfavorável ao continente africano. Por exemplo, uma tonelada de carbono, que equivale a um crédito de carbono, tem como preço médio 10 dólares em África, 90 na Europa e 140 nos Estados Unidos. Além disso, há a falta de transparência. Depois, a perda de soberania dos Estados, que podem ceder grandes parcelas de território a empresas privadas para reabilitação de florestas e captura de carbono. Por fim, a questão essencial: os créditos de carbono servem, neste momento, para os poluidores continuarem a poluir e não para resolverem o problema das emissões.
Infelizmente, essa análise é correctíssima. Nós estamos perante uma situação em que o mercado de carbono - que tem um grande potencial se for utilizado com uma approach [abordagem] universal e ética - passa a ser apenas uma desculpa e um argumento para os grandes poluidores continuarem a poluir e para os intermediários beneficiarem, como sempre fizeram, com as várias formas de extracção da África, sendo que o mercado de carbono passa a ser um pouco mais do mesmo, ou seja, são os intermediários que beneficiam e não necessariamente aqueles que podem ter o crédito inicial.
Portanto, nós temos aqui uma situação que pode ser definida da seguinte forma: há países que beneficiaram do desenvolvimento económico que tivemos ao longo destes séculos, que não é de negligenciar e que permitiu a acumulação de riqueza, mas também permitiu uma grande diminuição da pobreza no mundo, etc. Mas, essa utilização dos recursos, da forma como foi feita, contraiu um enorme custo em termos de regeneração ambiental e, portanto, esse custo significa, em termos práticos, que os países que mais beneficiaram têm uma dívida de carbono e os países que não contribuíram para o problema, mas que foram extraídos de uma grande riqueza natural, têm um crédito de carbono.
Como é que balançamos esta dívida em relação a este crédito? Deveria ser através de financiamento climático, através de uma resposta comum, que são as tais responsabilidades diferenciadas com objectivo comum. Se isso não for feito, vamos ter no mercado de carbono, como noutras frentes, a mesma demonstração de desigualdade.
Portanto, estamos perante um dilema em que até aqui falamos de desenvolvimento e nos últimos 20, 30 anos começamos a falar de clima, como se fossem duas coisas diferentes: financiamento para o desenvolvimento e financiamento para o clima. Acontece que não existe nenhum financiamento para o clima, do ponto de vista dos países em desenvolvimento, que não seja também financiamento para o desenvolvimento, ou seja, o envelope é o mesmo. Nós estamos a mudar um pouco a linguagem. E será que esse envelope está a aumentar? Não, está a diminuir, no seu conjunto está a diminuir. Portanto, existe um discurso que é de emergência planetária e existe um comportamento que é o de passar um pouco para um 'status quo' ou até uma retracção em relação às promessas que foram feitas anteriormente.
Arrancou esta segunda-feira, 11 de Novembro, a Conferência das Nações Unidas para as Alterações Climáticas. A COP 29 decorre este ano em Baku, Azerbaijão. Carlos Lopes, professor na Universidade do Cabo, sublinha a necessidade de se repensar o financiamento climático e defende que os países africanos não deveriam ter de pedir dinheiro emprestado para resolver os problemas climáticos que não causaram.
Arrancou esta segunda-feira, 11 de Novembro, a Conferência das Nações Unidas para as Alterações Climáticas. A COP 29 decorre este ano em Baku, Azerbaijão. Já conhecida como a conferência dos financiamentos, em Baku, espera-se que as partes - mais de 200 países divididos em grupos - acordem um novo montante para ajudar os países em desenvolvimento a se adaptarem e a atenuarem os efeitos das mudanças climáticas.
A cimeira inicia-se duas semanas após a publicação de um relatório da Organização Meteorológica Mundial, que indica que os níveis dos três principais gases com efeito de estufa (GEE) que contribuem para o aquecimento global do planeta - dióxido de carbono, metano e óxido nitroso - voltaram a aumentar em 2023.
África é responsável por apenas 4% das emissões globais de gases de efeito estufa, mas grande parte do financiamento que recebe para transição energética, adaptação e mitigação acontece sob a forma de empréstimos, agravando a dívida dos países.
Carlos Lopes, economista, professor na Universidade do Cabo, África do Sul, sublinha a necessidade de se repensar o financiamento climático e defende que os países africanos não deveriam ter de pedir dinheiro emprestado para resolver os problemas climáticos que não causaram.
O actual momento político de “grandes convulsões”, aliado a um anfitrião da COP29 - Azerbaijão - apenas preocupado em assegurar o bom funcionamento logístico do encontro, faz prever o ‘chutar a bola’ para a COP 30. A verificar-se uma não conclusão deste imbróglio do financiamento climático, Carlos Lopes, que preside o Conselho da Fundação Africana para o Clima, alerta que no próximo ano, no Brasil “a situação vai ser ainda mais complicada”.
RFI: O que é que a África pode esperar desta COP 29?
Carlos Lopes: Temos grandes esperanças de que os posicionamentos da África possam demonstrar que temos uma crise de financiamento climático que precisa de ser resolvida a um outro nível que as promessas que são feitas COP após COP.
Na realidade, depois da COP 28 [Dezembro 2023] há um determinado número de promessas que foram feitas pelos Emirados Árabes Unidos e por outros países intermédios, que não tinham obrigações no Acordo de Paris de contribuir para essas soluções climáticas nos países menos desenvolvidos, que foram cumpridas. Mas, as promessas feitas pelos países que tinham essas obrigações, os países desenvolvidos, nomeadamente membros da OCDE, não se cumpriram e continua a ser um acumular de déficits vários de promessas não cumpridas.
Isto leva a que exista, neste momento, uma situação de tal desconfiança em relação ao sistema multilateral, que seguramente não vai poder ser resolvida em Baku, até porque o Azerbaijão decidiu posicionar-se mais como um hóspede da COP do que um actor para tentar levar a uma conclusão deste imbróglio do financiamento climático.
Em relação ao financiamento, levantam-se várias questões: que tipo de financiamento? Empréstimos? Doações? Investimentos privados? Há falta de clareza. Além da vontade da redefinição dos países doadores e dos beneficiários, os países ditos desenvolvidos querem vincular novos poluidores, como a China, a Rússia, Arábia Saudita ou a Índia, entre outros. E esses países, apesar de já contribuírem, não querem essa vinculação.
O Acordo de Paris é bastante claro nestas matérias, mas tem havido tentativas de reinterpretação do Acordo de Paris que são rechaçadas pelos países em desenvolvimento. Por exemplo, no que diz respeito às promessas de financiamento e os tais 100 bilhões de dólares de contribuições anuais para a questão climática, segundo a OCDE, teriam já sido atingidos a partir do ano passado, depois de vários anos de déficit em relação a essa promessa. Acontece que esses 100 bilhões têm que ser contabilizados como ajuda ao desenvolvimento.
Quando incluem na estatística os empréstimos em taxas comerciais para vários países, como fazendo parte dos 100 bilhões, estamos a confundir ‘alhos com bugalhos' e, portanto, estamos muito longe dos 100 bilhões em termos de ajuda ao desenvolvimento.
O que existe são 100 bilhões, segundo as estatísticas que nos foram apresentadas, de contribuições para as questões climáticas. Mas é muito diferente do que diz o Acordo de Paris. Idem em relação às responsabilidades de emissões, porque existem as responsabilidades de emissões históricas - que têm a ver com o acumular que levou à crise que vivemos. Confundir isso com o estado de desenvolvimento de certos países que começaram a emitir há muito pouco tempo a taxas elevadas, não é a mesma coisa que o princípio estabelecido, mesmo antes da Conferência de Paris, de responsabilidades partilhadas, mas diferentes. Diferentes, porque se aceita que existe uma responsabilidade histórica que não é a mesma para todos os países.
Se queremos agora actualizar essa interpretação, temos que fazê-lo também em termos políticos. O mundo não mudou só em matéria climática e de emissões, mudou em todos os sentidos e, se continua a haver por parte das Nações Unidas no Conselho de Segurança, por parte das instituições de Bretton Woods, o sistema de votação, um sistema de poder que não condiz com a realidade actual, não é só em matéria de emissões que se deve fazer a actualização. Portanto, é isto que dizem os países em desenvolvimento: ou se faz uma reviravolta completa na forma como nós concedemos a assimetria de poder dentro do sistema multilateral ou não se pode estar a actualizar só em relação às emissões, porque não se quer pagar o custo das promessas que foram feitas em Paris.
A questão do financiamento foi precisamente o que fez com que a COP 16 da biodiversidade terminasse sem acordo. As baterias viram-se agora para a Baku, provavelmente vai sair-se da COP 29 também sem acordo, precisamente por causa da falta de consensos no financiamento entre Norte e Sul.
Sim, porque estamos num momento geopolítico de grandes convulsões. Se olharmos, por exemplo, para o grupo do G7: as posições de um país com a importância dos Estados Unidos; se olharmos para a França, está com um Governo que está ainda para ser confirmado pelo Congresso; o Japão está numa situação idêntica à da França; a Alemanha está no seu pior momento económico e com grandes repercussões na sua indústria automobilística, que é a que emprega mais gente por causa, justamente, da reconversão energética que implica a mobilidade verde. Temos aqui um conjunto de países do G7 e podemos até incluir os outros que não mencionei, que estão numa situação um pouco melhor do ponto de vista político, mas também difícil do ponto de vista económico, que não é muito convidativa para fazer grandes saltos em matéria de clima. Por isso é que vemos que a União Europeia está a reduzir um pouco a sua ambição, o plano verde da Grã-Bretanha também diminuiu consideravelmente a ambição com este novo governo e por aí vamos…
Portanto, não se pode exigir que, no momento em que há uma retracção dos países mais ricos, que sejam os países mais pobres a fazer mais esforço. Quer dizer, se eles cumprissem o que já prometeram, seria mais fácil exigir também um maior nível de ambição por parte dos países mais vulneráveis, mas não é isso que está a acontecer. Nem há perspectivas, do ponto de vista multilateral, que isso venha a acontecer.
E, portanto, nós estamos numa COP que está um pouco refém desta situação e que está com um hóspede, neste caso o Azerbaijão, que tem uma atitude muito diferente dos Emirados Árabes Unidos do ano passado. Os Emirados, no conjunto, puseram 23 bilhões de dólares, de dinheiro próprio, para tentar salvar um pouco a imagem da COP 28 e lançar uma série de iniciativas que eles mesmos financiaram.
O Azerbaijão até tem essa capacidade do ponto de vista económico, mas não está de maneira nenhuma interessado nessa atitude e, portanto, vai-se comportar um pouco como o que se ocupa da logística. Portanto, se os países não estiverem de acordo, não vão assumir a responsabilidade.
Acontece que toda a gente vai depois ‘chutar a bola’ para a COP 30 e para o Brasil e, aí, a situação vai ser ainda mais complicada, porque nós vamos ter esta crise de confiança multiplicada com a impossibilidade, em 2025, de poder alterar significativamente a rota de colisão que se vai estabelecer por razões várias entre os países mais poderosos do planeta.
O problema das alterações climáticas continua a ser empurrado, mas as consequências não são empurradas e existem. O ano passado foi o ano mais quente desde que há registo. Este ano vamos pelo mesmo caminho. Os efeitos agressivos das alterações climáticas sentem-se a cada dia. África é o primeiro continente a senti-lo. Mas também é quem menos contribui para o aquecimento global do planeta. Portanto, a África vai ter que tomar aqui uma posição nesta COP provavelmente mais forte para tentar inverter os papéis.
Esta questão da justiça climática é uma questão que preocupa muitos africanos, que estão no centro do furacão, já com consequências drásticas. As pessoas todas viram imagens do que se passou em Valência, Espanha, mas viram muito poucas imagens das 5 milhões de pessoas que foram deslocadas por causa de cheias, só na Nigéria. Temos essa situação praticamente em todo o Sahel e é apenas uma manifestação das várias que o continente tem vindo a registar, que são dramáticas e que levam a essa situação de grande desespero.
Acho que os negociadores africanos têm sido bastante vocais. Mas é evidente que há uma assimetria de poder e eles não conseguem nada destas COP’s e já começa a haver uma certa descrença de que as coisas vão acontecer.
Os combustíveis fósseis são os responsáveis pelas emissões de gases com efeito de estufa e automaticamente são os responsáveis pelo aquecimento global do planeta. De que forma é que os africanos devem olhar para os seus próprios combustíveis fósseis?
Da seguinte maneira: nós somos os que emitimos menos e mesmo que se explore todos os recursos de combustíveis fósseis, com excepção do carvão - que é, de facto, um combustível fóssil com grande perigo por ser o mais poluente, mas também por ter uma matriz industrial poderosa, com efeitos colaterais no sítio onde é explorado e sobretudo, olhando para o gás, explorando todos esses recursos novos que estão sendo descobertos - a África aumentaria marginalmente a sua contribuição para o problema. Marginalmente. A nível mundial, somos responsáveis por cerca de 3,8% das emissões. Passaríamos, talvez, para 4% e, portanto, isto não é nada.
Acontece que a maior parte dos grandes investimentos em combustíveis fósseis continuam a ser feitos pelos países ricos e mesmo os combustíveis fósseis que estão a ser explorados em África são, em grande parte, para exportação, não são para a industrialização do continente africano. Portanto, estar a exigir a África fazer mitigação, que é, no fundo, o que a sua pergunta implica, é hipócrita da parte daqueles que o pedem, porque a África tem sim necessidades de adaptação e para isso precisa de financiamentos. Se os financiamentos não vêm, é obrigada a recorrer aos recursos que lhe podem dar algum sustento.
Sem acesso a liquidez, que a África está impedida de obter, sem que as promessas de ajuda ao desenvolvimento se materializem, não há outra hipótese para os africanos se não tentar rentabilizar qualquer recurso que tenham à mão, porque eles não podem ser responsáveis pelos problemas que os outros criaram e que os outros não querem resolver.
Mas devem ou não os africanos esperar por financiamento externo para promoverem a sua transição energética? Ou, pelo contrário, devem ser eles próprios a taxar mais as empresas estrangeiras que estão a explorar os combustíveis fósseis em África, de forma a que consigam, pelo menos, financiar a parte da transição energética.
É um pouco mais complexo. Quer dizer, nós temos uma situação em que as empresas que estão presentes em África, são empresas que têm um regime de actuação e um sistema de financiamento na cadeia de valor, que os países africanos são demasiado vulneráveis para poder contornar completamente. Podem até, de uma certa forma, aumentar a sua eficiência fiscal, podem exigir algumas coisas laterais, mas não o fundamental do negócio, que é, de facto, dominado por empresas cujo montante em capital é superior ao PIB dos países. Não estamos aqui perante uma relação equitativa.
Acontece que os países que têm a possibilidade de regular esse mercado não o querem fazer porque essas empresas são suas e querem protegê-las. Portanto, temos aqui um segundo problema. Mas, posto de outra forma, é simples dizer que os africanos devem, sem nenhuma dúvida, optar pelas energias renováveis. Só que para o fazerem precisam de financiamento. Não é uma questão de ambição, é uma questão de ter pragmatismo. Portanto, se houver financiamento para as energias renováveis, passa a ser a única opção.
Tem que se olhar para onde o financiamento vai. Infelizmente, o financiamento continua a ir, em grande parte, para os combustíveis fósseis.
Os mercados de carbono devem voltar a ser debatidos na COP29. Há aqui uma série de dúvidas que se levantam. A disparidade dos preços dos créditos de carbono, que é desfavorável ao continente africano. Por exemplo, uma tonelada de carbono, que equivale a um crédito de carbono, tem como preço médio 10 dólares em África, 90 na Europa e 140 nos Estados Unidos. Além disso, há a falta de transparência. Depois, a perda de soberania dos Estados, que podem ceder grandes parcelas de território a empresas privadas para reabilitação de florestas e captura de carbono. Por fim, a questão essencial: os créditos de carbono servem, neste momento, para os poluidores continuarem a poluir e não para resolverem o problema das emissões.
Infelizmente, essa análise é correctíssima. Nós estamos perante uma situação em que o mercado de carbono - que tem um grande potencial se for utilizado com uma approach [abordagem] universal e ética - passa a ser apenas uma desculpa e um argumento para os grandes poluidores continuarem a poluir e para os intermediários beneficiarem, como sempre fizeram, com as várias formas de extracção da África, sendo que o mercado de carbono passa a ser um pouco mais do mesmo, ou seja, são os intermediários que beneficiam e não necessariamente aqueles que podem ter o crédito inicial.
Portanto, nós temos aqui uma situação que pode ser definida da seguinte forma: há países que beneficiaram do desenvolvimento económico que tivemos ao longo destes séculos, que não é de negligenciar e que permitiu a acumulação de riqueza, mas também permitiu uma grande diminuição da pobreza no mundo, etc. Mas, essa utilização dos recursos, da forma como foi feita, contraiu um enorme custo em termos de regeneração ambiental e, portanto, esse custo significa, em termos práticos, que os países que mais beneficiaram têm uma dívida de carbono e os países que não contribuíram para o problema, mas que foram extraídos de uma grande riqueza natural, têm um crédito de carbono.
Como é que balançamos esta dívida em relação a este crédito? Deveria ser através de financiamento climático, através de uma resposta comum, que são as tais responsabilidades diferenciadas com objectivo comum. Se isso não for feito, vamos ter no mercado de carbono, como noutras frentes, a mesma demonstração de desigualdade.
Portanto, estamos perante um dilema em que até aqui falamos de desenvolvimento e nos últimos 20, 30 anos começamos a falar de clima, como se fossem duas coisas diferentes: financiamento para o desenvolvimento e financiamento para o clima. Acontece que não existe nenhum financiamento para o clima, do ponto de vista dos países em desenvolvimento, que não seja também financiamento para o desenvolvimento, ou seja, o envelope é o mesmo. Nós estamos a mudar um pouco a linguagem. E será que esse envelope está a aumentar? Não, está a diminuir, no seu conjunto está a diminuir. Portanto, existe um discurso que é de emergência planetária e existe um comportamento que é o de passar um pouco para um 'status quo' ou até uma retracção em relação às promessas que foram feitas anteriormente.
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