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Michel Barnier, o novo Primeiro-Ministro nomeado nesta quinta-feira pelo Presidente francês encetou as suas consultas políticas com vista à formação de um governo, contra o qual desde já a esquerda disse que iria apresentar uma moção de censura, enquanto a extrema-direita condiciona o seu apoio ao programa político que irá ser apresentado.
Oriundo do partido dos Republicanos, quarta força mais votada nas últimas legislativas, Michel Barnier é considerado como um homem com uma forte capacidade de negociação. Exerceu cargos ministeriais no passado, tendo sido nomeadamente Ministro do Ambiente, foi Comissário Europeu e também um dos mediadores europeus do Brexit.
Todavia, ele chega num contexto de crise política profunda, na sequência das legislativas de Julho em que a Nova Frente Popular, à esquerda, chegou à frente mas sem conseguir a maioria absoluta, sendo que o bloco centrista chegou em segundo lugar e a extrema-direita não conseguiu concretizar o anseio de chegar ao poder, mas duplicou o número de deputados no parlamento.
É perante uma sociedade francesa e uma Assembleia Nacional extremamente fragmentadas que Michel Barnier vai ter de apresentar um governo e um projecto que ele anunciou desde já ser de "ruptura", com a ameaça constante de uma queda iminente.
Foi sobre este momento peculiar da vida política francesa que conversamos com o historiador Victor Pereira que começa por evocar a posição de fragilidade do novo chefe do governo e do campo político que ele representa.
RFI: O que é esta nomeação traduz, tendo em conta que os Republicanos, o partido de Michel Barnier, chegaram em quarto lugar nas legislativas?
Victor Pereira: Macron foi buscar, de facto, uma pessoa com estatura ministerial e com experiência, mas que vem de um partido que desde 2017 tem muito pouco peso político a nível nacional. Obviamente, que o que parece é que Macron quis buscar uma pessoa que continuasse a política que ele fez, nomeadamente a reforma das pensões, a reforma do fundo de desemprego, as medidas que ele quer manter, mas que pudesse dar algumas garantias à extrema-direita. Em 2021, quando foi às primárias dos republicanos, Michel Barnier disse que ia acabar com a imigração, que ia aumentar o número de expulsões, que ia acabar com a assistência médica aos estrangeiros, um discurso que é o discurso da extrema-direita francesa. Então, talvez o Macron pensou que ele ia estar em posição bastante fraca perante ele, que ia manter a política que o Macron quer continuar a ter.
RFI: Para a esquerda, o que isto significa, sobretudo, é que Macron, apesar de ter sido o grande derrotado nas legislativas, não quer deixar o poder.
Victor Pereira: Isso mesmo, foi derrotado, mas ele disse que "ninguém ganhou". Isso quer dizer que ele não aceita publicamente ter perdido e, sobretudo, ele quer manter a política que ele tem. Agora vamos ver como é que vai ser formado o governo e também quanto tempo vai ser necessário para ter um governo inteiro. E vamos ver quem vai estar nesse governo e quem não vai estar no governo. Mas, ao que parece, a grande preocupação de Macron é, de facto, manter-se numa posição dominante. O que as eleições mostraram é que muitos franceses não querem que seja assim e quiseram mostrar um sinal forte de mudança, mas que talvez ele (Emmanuel Macron) não queira compreender.
RFI: Ao apostar na estratégia de "Castets ou nada", a esquerda não fechou algumas portas a si-própria?
Victor Pereira: É difícil porque o que se passou depois das novas eleições, é uma coisa que Macron não estava à espera e que derrotou a sua estratégia. Ele pensou que com os conflitos que existem na esquerda, nomeadamente entre a França Insubmissa de Mélenchon e o PS, mas também o Partido Comunista, que a esquerda estava muito dividida há vários anos e que essa divisão ia permitir-lhe, mais uma vez, ganhar as eleições. O que Macron não pensou de todo é que, em apenas quatro dias, a esquerda conseguiu unir-se a ter um programa comum e ter candidatos comuns. E isso foi uma das causas da derrota de Macron. É uma coisa que não antecipou de todo e que, de facto, a Frente Republicana fez em parte a favor da esquerda. Desde então, o que tentou muito Emmanuel Macron, nomeadamente quando ele dizia que não queria nomear Castets (candidata ao posto de Primeira-Ministra pela esquerda da Nova Frente Popular) e que ele pensava, nomeadamente em Cazeneuve (membro do PS), era tentar mais uma vez dividir a esquerda, nomeadamente parte do PS, que aceitaria participar no Governo com o partido de Macron e a direita. Só que Olivier Faure, secretário-geral do Partido Socialista, não seguiu este caminho, apesar de alguma divisão dentro do PS e ficou fiel à coligação da Nova Frente Popular, talvez sabendo que se ele saísse e acabasse com a Nova Frente Popular, talvez seria o fim, mais uma vez do PS e abriria uma avenida, pelo menos nas próximas eleições presidenciais, ao Jean-Luc Mélenchon (líder da França Insubmissa). Então Emmanuel Macron, mais uma vez, não conseguiu. E agora é ver se a Nova Frente Popular vai continuar a ser unida nomeadamente em caso de voto numa Moção de censura às medidas que vai apresentar Barnier e muito rapidamente o próximo orçamento.
RFI: A extrema-direita de Marine Le Pen acaba por aparecer, nestes últimos dias, como o "fiel da balança". Que impacto é que isto pode ter para o futuro?
Victor Pereira: Parece que Macron recebeu várias vezes Marine Le Pen para tentar saber o que é que ela achava de alguns candidatos (a Primeiro-Ministro) e isso chocou parte da opinião pública, porque nas últimas eleições houve uma frente republicana contra a extrema-direita. O próprio Macron, desde 2017, diz que ele é um candidato que vai lutar contra a extrema-direita e fazer com que a extrema-direita não possa subir mais eleitoralmente e chegar ao poder. E agora parece quase que a extrema-direita está em posição de dizer quem pode ou não estar no governo. E isso vem depois da lei de Imigração, que foi votada em finais de 2023, em que se viu que o governo de Elisabeth Borne propunha medidas que a extrema-direita considerou como suas e achou que essa lei sobre a imigração era uma vitória eleitoral da extrema-direita. Então, mais uma vez, Emmanuel Macron, que sempre disse que ia lutar contra a extrema-direita, dá a impressão de isto ser uma transição para a extrema-direita e, em vez de combatê-la, dá-lhe uma força que se viu nas últimas eleições. Nunca a extrema-direita teve um tão bom resultado eleitoral em França.
RFI: Que hipótese Barnier tem de conseguir, para já, formar um governo de união? A União Nacional (extrema-direita) já disse que não vai participar. E do lado da esquerda, também dizem que vão apresentar uma moção de censura. Quem é que vai entrar nesse governo?
Victor Pereira: Bom, é muito provável que vão entrar pessoas do campo de Macron e talvez algumas pessoas do partido dele e ainda tem de ser pessoas um bocadinho independentes. Sobre a esquerda, não me parece que alguém aceite. Então vai ser um governo 'Ensemble-LR' e não é impossível que os Republicanos aceitem apoiar o governo sem ter ministros dentro. Mas muito provavelmente o que vai acontecer é que os franceses não vão compreender que, depois da derrota do Macron nas Europeias, na derrota de Macron nas eleições legislativas, vamos ter de novo, provavelmente, um governo com principalmente pessoas que vêm do campo do Macron.
RFI: Que hipóteses Barnier tem de conseguir ficar?
Victor Pereira: Isso vai depender muito da extrema-direita, de facto, porque vamos ver se ele vai dar garantias também à extrema-direita. E como é que são as garantias para a extrema-direita? Ter um discurso ofensivo sobre a imigração, sobre a segurança, um discurso que o próprio Barnier já teve nas primárias da direita em 2021. E isso vai ser uma das chaves: até que momento a extrema-direita vai deixá-lo governar. É muito provável que ele vai tentar negociar o orçamento e outras medidas, e que a esquerda também vote uma moção de censura. É um governo que está muito a prazo.
RFI: O primeiro desafio vai ser fazer votar um orçamento. Tradicionalmente, o orçamento começa a ser analisado no Parlamento em Outubro. Já falta pouco tempo. Como é que se vai dar essa equação?
Victor Pereira: É preciso formar um governo. Isso não vai ser assim tão fácil porque, por exemplo, na última vez, o governo só ficou completo depois de um mês e não era necessário negociações tão amplas como agora com os Republicanos. E, de facto, vai ser preciso encontrar o ministro das Finanças. Muito provavelmente não vai ser o Lemaire (Ministro das Finanças do anterior governo) apesar de ser da direita. Ele disse várias vezes que queria sair e já tem um emprego na Suíça. É preciso encontrar um Ministro das Finanças e um secretário de Estado ou ministro do Orçamento, que consiga muito rapidamente estabelecer um orçamento, quando as contas públicas francesas estão muito mal (mais de 5% de défice). Isso vai ser um elemento ainda mais complicado para o novo governo Barnier, que vai ser apresentar um orçamento que, depois, possa ser aceite pelo Parlamento, mas também pela Comissão Europeia.
RFI: Que outros dossiers esperam Barnier? Mencionou, designadamente a questão da reforma do sistema de aposentações, que é aquele dossier que foi alvo de muita polémica, muita controvérsia, com toda a sociedade praticamente a mobilizar-se contra esta lei. Há também a questão do subsídio de desemprego, que é preciso também resolver rapidamente, uma vez que um novo dispositivo poderia entrar em vigor dentro de algumas semanas. Há muito trabalho pela frente.
Victor Pereira: Sim, sim, obviamente há muito trabalho pela frente. Acho que no que toca às apresentações, Barnier não vai tocar na reforma que passou com muita contestação da oposição, da rua e dos sindicatos. Estava na calha uma reforma do subsídio de desemprego para reduzir ainda os direitos dos desempregados. Uma reforma que o Attal (anterior Primeiro-Ministro) enterrou depois das eleições europeias. Vamos ver o que é que vai fazer, se vai ser uma das prioridades ou se vai deixá-la para não provocar logo uma guerra com a esquerda. E, obviamente, depois a vida quotidiana vai retomar os seus direitos. Desde já, um dos temas foi muito falado durante as eleições, foi o peso que a extrema-direita tem nos medias. Vamos ver como é que o Barnier vai lidar com isto. Será que ele vai seguir a agenda imposta pelos canais de extrema-direita, os Fox News franceses, ou vai tentar reduzir o peso desses medias? Isso é um tema também que pode aparecer em breve.
RFI: A esquerda, desde já, renovou o convite para uma grande mobilização neste sábado contra esta situação. Como é que se apresentam os próximos tempos?
Victor Pereira: Obviamente, a esquerda vai tentar dizer que a vontade popular não é respeitada com essa escolha e vai tentar mobilizar na rua. Não parece que haja um grande movimento. Posso estar enganado. Além, talvez, de um protesto, pode haver um grande cansaço, porque as pessoas mobilizaram-se. Nunca houve tão pouca abstenção e vemos que Macron decidiu não tomar realmente em conta esse resultado. Obviamente, talvez não logo, mas vai ser mais difícil para o governo Barnier, se ele conseguir manter-se, fazer passar leis impopulares, porque muito provavelmente os sindicatos e parte dos partidos de esquerda vão tentar não deixar passar algumas medidas impopulares.
Michel Barnier, o novo Primeiro-Ministro nomeado nesta quinta-feira pelo Presidente francês encetou as suas consultas políticas com vista à formação de um governo, contra o qual desde já a esquerda disse que iria apresentar uma moção de censura, enquanto a extrema-direita condiciona o seu apoio ao programa político que irá ser apresentado.
Oriundo do partido dos Republicanos, quarta força mais votada nas últimas legislativas, Michel Barnier é considerado como um homem com uma forte capacidade de negociação. Exerceu cargos ministeriais no passado, tendo sido nomeadamente Ministro do Ambiente, foi Comissário Europeu e também um dos mediadores europeus do Brexit.
Todavia, ele chega num contexto de crise política profunda, na sequência das legislativas de Julho em que a Nova Frente Popular, à esquerda, chegou à frente mas sem conseguir a maioria absoluta, sendo que o bloco centrista chegou em segundo lugar e a extrema-direita não conseguiu concretizar o anseio de chegar ao poder, mas duplicou o número de deputados no parlamento.
É perante uma sociedade francesa e uma Assembleia Nacional extremamente fragmentadas que Michel Barnier vai ter de apresentar um governo e um projecto que ele anunciou desde já ser de "ruptura", com a ameaça constante de uma queda iminente.
Foi sobre este momento peculiar da vida política francesa que conversamos com o historiador Victor Pereira que começa por evocar a posição de fragilidade do novo chefe do governo e do campo político que ele representa.
RFI: O que é esta nomeação traduz, tendo em conta que os Republicanos, o partido de Michel Barnier, chegaram em quarto lugar nas legislativas?
Victor Pereira: Macron foi buscar, de facto, uma pessoa com estatura ministerial e com experiência, mas que vem de um partido que desde 2017 tem muito pouco peso político a nível nacional. Obviamente, que o que parece é que Macron quis buscar uma pessoa que continuasse a política que ele fez, nomeadamente a reforma das pensões, a reforma do fundo de desemprego, as medidas que ele quer manter, mas que pudesse dar algumas garantias à extrema-direita. Em 2021, quando foi às primárias dos republicanos, Michel Barnier disse que ia acabar com a imigração, que ia aumentar o número de expulsões, que ia acabar com a assistência médica aos estrangeiros, um discurso que é o discurso da extrema-direita francesa. Então, talvez o Macron pensou que ele ia estar em posição bastante fraca perante ele, que ia manter a política que o Macron quer continuar a ter.
RFI: Para a esquerda, o que isto significa, sobretudo, é que Macron, apesar de ter sido o grande derrotado nas legislativas, não quer deixar o poder.
Victor Pereira: Isso mesmo, foi derrotado, mas ele disse que "ninguém ganhou". Isso quer dizer que ele não aceita publicamente ter perdido e, sobretudo, ele quer manter a política que ele tem. Agora vamos ver como é que vai ser formado o governo e também quanto tempo vai ser necessário para ter um governo inteiro. E vamos ver quem vai estar nesse governo e quem não vai estar no governo. Mas, ao que parece, a grande preocupação de Macron é, de facto, manter-se numa posição dominante. O que as eleições mostraram é que muitos franceses não querem que seja assim e quiseram mostrar um sinal forte de mudança, mas que talvez ele (Emmanuel Macron) não queira compreender.
RFI: Ao apostar na estratégia de "Castets ou nada", a esquerda não fechou algumas portas a si-própria?
Victor Pereira: É difícil porque o que se passou depois das novas eleições, é uma coisa que Macron não estava à espera e que derrotou a sua estratégia. Ele pensou que com os conflitos que existem na esquerda, nomeadamente entre a França Insubmissa de Mélenchon e o PS, mas também o Partido Comunista, que a esquerda estava muito dividida há vários anos e que essa divisão ia permitir-lhe, mais uma vez, ganhar as eleições. O que Macron não pensou de todo é que, em apenas quatro dias, a esquerda conseguiu unir-se a ter um programa comum e ter candidatos comuns. E isso foi uma das causas da derrota de Macron. É uma coisa que não antecipou de todo e que, de facto, a Frente Republicana fez em parte a favor da esquerda. Desde então, o que tentou muito Emmanuel Macron, nomeadamente quando ele dizia que não queria nomear Castets (candidata ao posto de Primeira-Ministra pela esquerda da Nova Frente Popular) e que ele pensava, nomeadamente em Cazeneuve (membro do PS), era tentar mais uma vez dividir a esquerda, nomeadamente parte do PS, que aceitaria participar no Governo com o partido de Macron e a direita. Só que Olivier Faure, secretário-geral do Partido Socialista, não seguiu este caminho, apesar de alguma divisão dentro do PS e ficou fiel à coligação da Nova Frente Popular, talvez sabendo que se ele saísse e acabasse com a Nova Frente Popular, talvez seria o fim, mais uma vez do PS e abriria uma avenida, pelo menos nas próximas eleições presidenciais, ao Jean-Luc Mélenchon (líder da França Insubmissa). Então Emmanuel Macron, mais uma vez, não conseguiu. E agora é ver se a Nova Frente Popular vai continuar a ser unida nomeadamente em caso de voto numa Moção de censura às medidas que vai apresentar Barnier e muito rapidamente o próximo orçamento.
RFI: A extrema-direita de Marine Le Pen acaba por aparecer, nestes últimos dias, como o "fiel da balança". Que impacto é que isto pode ter para o futuro?
Victor Pereira: Parece que Macron recebeu várias vezes Marine Le Pen para tentar saber o que é que ela achava de alguns candidatos (a Primeiro-Ministro) e isso chocou parte da opinião pública, porque nas últimas eleições houve uma frente republicana contra a extrema-direita. O próprio Macron, desde 2017, diz que ele é um candidato que vai lutar contra a extrema-direita e fazer com que a extrema-direita não possa subir mais eleitoralmente e chegar ao poder. E agora parece quase que a extrema-direita está em posição de dizer quem pode ou não estar no governo. E isso vem depois da lei de Imigração, que foi votada em finais de 2023, em que se viu que o governo de Elisabeth Borne propunha medidas que a extrema-direita considerou como suas e achou que essa lei sobre a imigração era uma vitória eleitoral da extrema-direita. Então, mais uma vez, Emmanuel Macron, que sempre disse que ia lutar contra a extrema-direita, dá a impressão de isto ser uma transição para a extrema-direita e, em vez de combatê-la, dá-lhe uma força que se viu nas últimas eleições. Nunca a extrema-direita teve um tão bom resultado eleitoral em França.
RFI: Que hipótese Barnier tem de conseguir, para já, formar um governo de união? A União Nacional (extrema-direita) já disse que não vai participar. E do lado da esquerda, também dizem que vão apresentar uma moção de censura. Quem é que vai entrar nesse governo?
Victor Pereira: Bom, é muito provável que vão entrar pessoas do campo de Macron e talvez algumas pessoas do partido dele e ainda tem de ser pessoas um bocadinho independentes. Sobre a esquerda, não me parece que alguém aceite. Então vai ser um governo 'Ensemble-LR' e não é impossível que os Republicanos aceitem apoiar o governo sem ter ministros dentro. Mas muito provavelmente o que vai acontecer é que os franceses não vão compreender que, depois da derrota do Macron nas Europeias, na derrota de Macron nas eleições legislativas, vamos ter de novo, provavelmente, um governo com principalmente pessoas que vêm do campo do Macron.
RFI: Que hipóteses Barnier tem de conseguir ficar?
Victor Pereira: Isso vai depender muito da extrema-direita, de facto, porque vamos ver se ele vai dar garantias também à extrema-direita. E como é que são as garantias para a extrema-direita? Ter um discurso ofensivo sobre a imigração, sobre a segurança, um discurso que o próprio Barnier já teve nas primárias da direita em 2021. E isso vai ser uma das chaves: até que momento a extrema-direita vai deixá-lo governar. É muito provável que ele vai tentar negociar o orçamento e outras medidas, e que a esquerda também vote uma moção de censura. É um governo que está muito a prazo.
RFI: O primeiro desafio vai ser fazer votar um orçamento. Tradicionalmente, o orçamento começa a ser analisado no Parlamento em Outubro. Já falta pouco tempo. Como é que se vai dar essa equação?
Victor Pereira: É preciso formar um governo. Isso não vai ser assim tão fácil porque, por exemplo, na última vez, o governo só ficou completo depois de um mês e não era necessário negociações tão amplas como agora com os Republicanos. E, de facto, vai ser preciso encontrar o ministro das Finanças. Muito provavelmente não vai ser o Lemaire (Ministro das Finanças do anterior governo) apesar de ser da direita. Ele disse várias vezes que queria sair e já tem um emprego na Suíça. É preciso encontrar um Ministro das Finanças e um secretário de Estado ou ministro do Orçamento, que consiga muito rapidamente estabelecer um orçamento, quando as contas públicas francesas estão muito mal (mais de 5% de défice). Isso vai ser um elemento ainda mais complicado para o novo governo Barnier, que vai ser apresentar um orçamento que, depois, possa ser aceite pelo Parlamento, mas também pela Comissão Europeia.
RFI: Que outros dossiers esperam Barnier? Mencionou, designadamente a questão da reforma do sistema de aposentações, que é aquele dossier que foi alvo de muita polémica, muita controvérsia, com toda a sociedade praticamente a mobilizar-se contra esta lei. Há também a questão do subsídio de desemprego, que é preciso também resolver rapidamente, uma vez que um novo dispositivo poderia entrar em vigor dentro de algumas semanas. Há muito trabalho pela frente.
Victor Pereira: Sim, sim, obviamente há muito trabalho pela frente. Acho que no que toca às apresentações, Barnier não vai tocar na reforma que passou com muita contestação da oposição, da rua e dos sindicatos. Estava na calha uma reforma do subsídio de desemprego para reduzir ainda os direitos dos desempregados. Uma reforma que o Attal (anterior Primeiro-Ministro) enterrou depois das eleições europeias. Vamos ver o que é que vai fazer, se vai ser uma das prioridades ou se vai deixá-la para não provocar logo uma guerra com a esquerda. E, obviamente, depois a vida quotidiana vai retomar os seus direitos. Desde já, um dos temas foi muito falado durante as eleições, foi o peso que a extrema-direita tem nos medias. Vamos ver como é que o Barnier vai lidar com isto. Será que ele vai seguir a agenda imposta pelos canais de extrema-direita, os Fox News franceses, ou vai tentar reduzir o peso desses medias? Isso é um tema também que pode aparecer em breve.
RFI: A esquerda, desde já, renovou o convite para uma grande mobilização neste sábado contra esta situação. Como é que se apresentam os próximos tempos?
Victor Pereira: Obviamente, a esquerda vai tentar dizer que a vontade popular não é respeitada com essa escolha e vai tentar mobilizar na rua. Não parece que haja um grande movimento. Posso estar enganado. Além, talvez, de um protesto, pode haver um grande cansaço, porque as pessoas mobilizaram-se. Nunca houve tão pouca abstenção e vemos que Macron decidiu não tomar realmente em conta esse resultado. Obviamente, talvez não logo, mas vai ser mais difícil para o governo Barnier, se ele conseguir manter-se, fazer passar leis impopulares, porque muito provavelmente os sindicatos e parte dos partidos de esquerda vão tentar não deixar passar algumas medidas impopulares.
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