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Israel prossegue bombardeamentos no Líbano e prepara soldados para uma possível "entrada" no país


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Israel prossegue a campanha de "ataques de grande envergadura" contra a milícia xiita do Hezbollah, no Líbano. Por sua vez, o movimento pró-iraniano afirma ter lançado um míssil perto de Telavive. Morreram mais de 500 pessoas no país do Cedro, e todos os cenários são possíveis neste confronto entre os dois países, levando a questionar sobre a possibilidade de uma incursão terrestre de Israel no Sul do Líbano. 

Israel anunciou esta quarta-feira estar a levar novos "ataques de grande envergadura" contra o Hezbollah no Líbano em que pelo menos 51 pessoas morreram, num balanço porventura não definitivo numa altura em que continuam as trocas de tiros transfronteiriços, e depois dos bombardeamentos israelitas terem causado a morte de mais de 500 pessoas durante a semana. 

Cerca de 90 000 libaneses fugiram das suas casas, de acordo com a ONU, e temem uma intervenção militar terrestre de Israel, reavivando o trauma da  guerra de 2006, quando tanques israelitas invadiram o país do cedro em retaliação a mísseis disparados pelo Hezbollah. 

Também em Israel tocaram as sirenes de alerta em Telavive, esta quarta-feira, depois de o Hezbollah ter disparado um míssil que visava uma base dos serviços secretos israelitas da Mossad.

Para o investigador Carlos Gaspar, do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), estamos perante "uma guerra limitada", que era "previsível desde a guerra em Gaza".  

RFI: Continuamos a ouvir falar de "escalada regional", mas será que estamos, já, perante uma guerra?

Carlos Gaspar: Com certeza que sim, mas é uma guerra limitada. A viragem israelita foi anunciada e era previsível desde o início da guerra em Gaza, aliás, desde o massacre do Hamas a 7 de Outubro, uma vez que o Hezbollah, logo a seguir, decidiu começar a atacar Israel e tem atacado Israel constantemente desde há quase um ano.

O Hezbollah é para Israel uma maior ameaça à sua segurança do que o Hamas, e o ministro da Defesa israelita tinha anunciado, há algumas semanas que a questão de Gaza estava controlada do ponto de vista militar e que as forças armadas israelitas se iam concentrar na fronteira do Norte, onde o Hezbollah tinha forçado a evacuação de uma parte importante da população israelita local. E, efectivamente, há poucos dias começou uma escalada contra o Hezbollah. Primeiro as explosões dos pagers, depois dos walkie-talkies, a seguir o ataque contra um grupo de elite militar do Hezbollah em Beirute e agora os bombardeamentos mais alargados. Estamos em plena escalada. Não é evidente até onde é que irá esta escalada, isto é, se, tal como em 2006, Israel vai fazer avançar as suas forças terrestres para lá da fronteira com o Líbano.

RFI: Estes ataques contra o Hezbollah já estariam previstos desde a sequência dos ataques do 7 de Outubro, quando o Hezbollah começou a lançar mísseis no norte de Israel, em apoio ao Hamas palestiniano. Por que é que Israel decide atacar o Hezbollah neste preciso momento, primeiro com as explosões dos pagers e walkie-talkies e agora com bombardeamentos? 

Carlos Gaspar: A frente em Gaza está aparentemente estabilizada do ponto de vista militar, pelo menos é essa a visão das Forças Armadas israelitas. Trata-se de neutralizar a ameaça permanente que existe contra Israel na sua fronteira norte. Note que essa ameaça não devia existir, uma vez que nos termos da resolução das Nações Unidas que pôs fim à guerra de 2006, devia haver uma faixa entre a fronteira de Israel e o rio Litani no Líbano com uma força das Nações Unidas, que está lá mas não faz nada. O exército libanês está lá e não faz nada. Pelo contrário, está lá a artilharia do Hezbollah que ataca Israel. A França e os Estados Unidos têm-se empenhado ao longo destes últimos meses, desde o massacre de 7 de Outubro, em tentar politicamente e diplomaticamente forçar a retirada do Hezbollah para o outro lado do rio. Mas isso não aconteceu.

RFI: Quando Israel começou a atacar a Faixa de Gaza em resposta aos ataques do 7 de Outubro, o objectivo anunciado era "eliminar" o Hamas, um objectivo que não foi atingido, quase um ano depois. O Hezbollah libanês, financiado pelo Irão, tem capacidades militares muito maiores do que o Hamas. Israel pode agora alcançar o objectivo de colocar o Hezbollah fora de controlo e trazer de volta as populações israelita deslocadas ao norte de Israel, para onde a milícia xiita tem lançado mísseis?

O objectivo das Forças Armadas Israelitas é neutralizar militarmente o Hamas e neutralizar militarmente a ameaça do Hezbollah na sua fronteira norte. Nesse sentido, não são objectivos simétricos, embora o Hezbollah seja uma milícia armada muito mais importante do ponto de vista das suas capacidades e muito mais importante para o Irão do que o Hamas. O objectivo de Israel é fazer recuar o Hezbollah e anular na fronteira a ameaça dos mísseis. O Hezbollah pode ter entre 100 e 150000 mísseis concentrados na fronteira e é difícil viver com essa ameaça permanentemente.

Israel está com certeza a provocar deliberadamente uma escalada da guerra. Com que objectivo? Com o objectivo de fazer recuar o Hezbollah do ponto de vista operacional, fazer recuar o seu dispositivo militar e forçar o Hezbollah a um cessar-fogo. É esse o objectivo de Israel que é diferente do objectivo em relação ao Hamas, em que se tratava de destruir toda a estrutura militar do Hamas.

RFI: Alguns observadores dizem que o Hezbollah procura atrair o exército israelita em terreno libanês, porque possui melhores capacidades técnicas de guerrilha e de guerra urbana, do que capacidades para repelir os bombardeamentos provenientes do território israelitas. Existe a possibilidade de Israel avançar com uma incursão terrestre no sul do Líbano?

Carlos Gaspar: O exército israelita teve fortes baixas na Guerra de Gaza e não é evidente que esteja preparado para ter ainda mais baixas, na ordem dos milhares de soldados, a partir de uma invasão terrestre do sul do Líbano, onde está o exército das milícias do Hezbollah. Nesse sentido, parece-me que esta escalada é uma escalada limitada. Isto é, a partir dos bombardeamentos, trata-se de forçar o Hezbollah a recuar e aceitar um cessar-fogo, sem haver uma intervenção terrestre. Embora o exército israelita esteja preparado para fazer essa invasão terrestre, com os riscos de aumentar significativamente o número de baixas que já teve em Gaza.

RFI: O Iraque, o Egipto e a Jordânia, num comunicado comum publicado esta quarta-feira, afirmaram que Israel está a "empurrar a região para uma guerra aberta". Será que isto pode ser visto como uma ameaça?

Carlos Gaspar: De maneira nenhuma. Nem o Egipto, nem a Jordânia, nem o Iraque vão atacar Israel. Vão, obviamente, fazer muitos comunicados mas não fazem absolutamente nada.

RFI: E relativamente ao Irão?

Carlos Gaspar: Esta é a grande questão, saber se o Irão está preparado para de alguma maneira intervir para proteger o Hezbollah. Da última vez que o Irão tentou fazer isso com o ataque de mísseis contra Israel, aquilo que desencadeou foi uma grande coligação à volta de Israel, incluindo os Estados Unidos, a França, a Grã-Bretanha, a Arábia Saudita, os Emiratos e a Jordânia. Todos estiveram ao lado de Israel para conter a ameaça iraniana, porque a ameaça iraniana é mais importante para todos esses países árabes. E é também por isso que o Egipto, a Jordânia e o Iraque, independentemente dos comunicados que assinarem, não vão fazer nada contra Israel.

RFI: Podemos esperar da comunidade internacional e dos diplomatas do mundo inteiro não se fiquem apenas por declarações e apelos à contenção, mas que o traduzam por actos?

Carlos Gaspar: A categoria dos diplomatas do mundo inteiro não existe, nem a comunidade internacional. O Presidente norte-americano Joe Biden disse que tinha esperança em evitar uma escalada e, efectivamente, o Presidente Biden tem conseguido evitar uma escalada. Evitou uma escalada tanto na guerra entre a Rússia e a Ucrânia, como tem conseguido evitar a escalada na guerra no Médio Oriente. Por enquanto, aquilo que está em causa são conflitos armados entre Israel e as milícias armadas do Hamas e Israel e as milícias armadas xiitas do Líbano. Isso é um conflito limitado.

Ouça a entrevista na íntegra. 

De notar que esta quarta-feira ao fim do dia, pelas 18 horas em Beirute e Telavive, o chefe do exército israelita, Herzi Halevi, disse aos militares do contingente localizado na fronteira Norte de Israel para se prepararem a uma possível "entrada" no Líbano. 

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