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Líbano: "Hezbollah vai sempre existir, a não ser que o esvaziem de sentido"


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O primeiro-ministro libanês apelou, esta segunda-feira, Israel a um cessar-fogo. Por seu lado, Telavive confirmou ter “eliminado” o chefe do movimento islamita palestiniano Hamas no Líbano, Fatah Charif. Duros golpes que fazem temer um possível envolvimento do Irão no conflito. Para Maria João Tomás, especialista em assuntos do Médio Oriente, os ataques israelitas vão continuar, porém lembra que o passado já provou que “não é assim que se acaba com o Hezbollah”. 
 

O primeiro-ministro libanês apelou, esta segunda-feira, 30 de Setembro, Israel a um cessar-fogo. Palavras de Najib Mikati depois de ter encontrado o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Jean-Noël Barrot, o primeiro diplomata ocidental a deslocar-se a Beirute depois da intensificação dos bombardeamentos israelitas no Líbano.

Entretanto, Telavive confirmou esta manhã ter “eliminado” durante a noite o chefe do movimento islamita palestiniano Hamas no Líbano: o exército israelita “atacou e eliminou o terrorista Fatah Charif Abou al-Amine, chefe do braço libanês da organização terrorista do Hamas, responsável pela coordenação das actividades terroristas do Hamas no Líbano em parceria com agentes do Hezbollah.” 

Na sexta-feira, sexta-feira, 27 de Setembro, Israel eliminou Hassan Nasrallah,o líder do Hezbollah.

Duros golpes para o Hamas e para o Hezbollah libanês que inquietam a comunidade internacional, com um possível envolvimento do Irão no conflito. 

O Irão, por seu lado, garante que não vai enviar combatentes nem para o Líbano nem para Gaza, garantindo que “os governos do Líbano e da Palestina têm a capacidade e a força necessárias para fazer face à agressão do regime sionista”, declarações de Nasser Kanani, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Irão.

Para já, não há sinais de pausa ou de negociações e no terreno Israel parece determinado a continuar a sua operação militar, possivelmente incluindo uma invasão terrestre.

O que é que se pode esperar, nos próximos tempos, para a região foi a pergunta de partida para Maria João Tomás, especialista em assuntos do Médio Oriente e investigadora da Universidade Autónoma de Lisboa.

Maria João Tomás, especialista em assuntos do Médio Oriente: Pode esperar-se a continuação da guerra, que é o que eu acho que vai acontecer. Acho que Israel não vai parar enquanto não conseguir os seus objectivos, como dizem eles, anular o Hezbollah. Agora, a questão é se é assim que se anula o Hezbollah. Essa é a questão que se faz, porque mata-se o líder, matam-se os outros líderes que estavam na sucessão, mas há-de aparecer outro. Aquilo funciona como um politburo. Portanto, morreu um, mas outro há-de aparecer, não é assim que se acaba com o Hezbollah. 

RFI: Em todo o caso, o Hezbollah acaba por ser decapitado, perde o seu líder máximo. Agora, Israel também acaba de anunciar que, em novos bombardeamentos, eliminou o chefe do movimento palestiniano no Líbano. Quantos líderes, tanto do Hamas ou do Hezbollah, são precisos eliminar para se acabar com estas duas forças? Se, algum dia, será possível acabar com estes grupos. 

Não se pode acabar com estas forças, com estes grupos terroristas, porque vai sempre aparecer alguém para suceder. Agora mata-se um, vem outro a seguir, não ficam parados. 

Não é assim que se elimina e que se domina ou anula o Hamas e o Hezbollah. Só se consegue isso esvaziando-os de sentido. Ou seja, quando o Hezbollah deixar de fazer sentido e quando o Hamas deixar de fazer sentido e isso só se consegue com paz.

Quando houver paz, no caso do Hamas com o reconhecimento dos dois Estados e, no caso do Hezbollah, uma paz duradoura com o Líbano e também o reconhecimento da Palestina, deixa de haver sentido para estes grupos terroristas e só assim é que se consegue acabar com eles, porque eles são muitos.

Mais, aqueles que eram simpatizantes do Hezbollah - no Líbano, - agora estão a ingressar, estão a defender o seu país. Quer queiramos quer não, o Líbano tem uma composição estranha em termos de organização política. É uma coisa sui generis... 

“Um corpo com três cabeças”, digamos assim. 

Exactamente. Basicamente, o Hezbollah é um Estado dentro do Estado. Se havia pessoas que eram simpatizantes da causa, com tudo aquilo que se está a passar, estão neste momento a engrossar as fileiras do Hezbollah. Isto só aumenta a escalada. 

Isto beneficia [Donald] Trump [ex-presidente norte-americano e candidato republicano à Casa Branca] e beneficia, em termos de agenda própria, [Benjamin] Netanyahu.

O que é que Benjamin Netanyahu vai fazer com estas mortes, que são sucessos militares para ele?

São sucessos militares e inclusive internamente, em Israel, acaba por ser positivo, porque as pessoas vêem que realmente há uma luta contra estes grupos terroristas e se revêem nisso. E Netanyahu, neste momento, está a ganhar popularidade dentro de Israel. 

A questão é que não é assim que as coisas se resolvem. Nós não aprendemos com as lições do passado. Já tantas vezes se tentou derrubá-lo, até já se invadiu o Líbano três vezes e o Hezbollah está cá para contar a história. Não é assim que as coisas se resolvem. 

Netanyahu está imparável e intocável aos olhos de toda a comunidade internacional...

Está, está impune.

Está ele também, de alguma forma, a aproveitar-se deste período eleitoral norte-americano [com eleições presidenciais marcadas para 05 de Novembro]?

Claro que sim, ele quer que Trump ganhe. E Trump já começou a descolar à medida que a guerra está a escalar. À medida que a guerra escala, o Trump descola. Netanyahu quer que Trump ganhe. 

Israel caminha para uma invasão terrestre no Líbano. Esse passo, não terá também um grande preço para Israel, que também já teve perdas no terreno, em Gaza? 

Vai ter perdas importantes. Mas eu acho que o objectivo é continuar no Líbano e fazer a incursão terrestre para criar uma ‘safety zone’ [zona tampão]. Isto é bom internamente para Netanyahu, para a sua agenda própria. É bom porque ajuda Trump a ganhar as eleições. 

A população em si poderá estar descontente com isto, apesar de agora apoiarem Israel e Netanyahu, a população israelita está contente com estas proezas que Israel está a fazer. A questão é que isto não vai dar a lado nenhum, a não ser à vitória de Trump. Nós já vimos no passado como é que isto resultou. O Hezbollah vai sempre existir, a não ser que o esvaziem de sentido. 

O que é que este silêncio iraniano quer dizer? 

Prudência. Em primeiro lugar, prudência. E em segundo, não querem que Trump ganhe. Se eles responderem, seja qual for a resposta, nós vamos ter uma escalada. E, portanto, isto só vai beneficiar Trump. E eles não querem que Trump ganhe porque ele acabou com o acordo nuclear. 

Não pode haver aqui negociações escondidas entre Teerão e Washington precisamente em relação ao programa nuclear. Ou seja, Teerão não se mete nesta guerra e os Estados Unidos fecham os olhos ao programa nuclear? 

Pode. A agência americana VOA anunciou, há três semanas, que pode estar iminente a declaração do Irão como potência nuclear. Se o Irão se declarar como potência nuclear é a maior derrota para Netanyahu, sem o Irão disparar um míssil e sem haver escalada. 

Ou seja, o Irão declara-se como potência nuclear e, pura e simplesmente, Netanyahu vai ter que repensar a sua estratégia. Netanyahu andou anos e anos a alertar para o programa nuclear do Irão e que era necessário impedi-lo. Agora, se o Irão conseguir, isso é a maior vitória [de Teerão] e a maior derrota para Netanyahu,  sem o Irão disparar um míssil e sem haver escalada, e aí sim, o Trump em vez de subir desce. 

Esta postura do Netanyahu pode ser mesmo nesse sentido, de provocar o Irão e de tentar fazer com que mude de direcção?

Está a provocar. Está a provocar toda a gente para ver se isto escala. Ele está a provocar o fogo.

Israel, que foi incapaz de detectar os ataques que aconteceram ano passado ou que supostamente foi incapaz de os detectar…

Não, Israel sabia. Inclusive, a preparação do ataque foi publicada nos sites oficiais do Hamas e do Hezbollah. No site oficial do Hamas, há dois ou três anos, que eles publicaram artigos a explicar como raptar e capturar reféns, como fazer assaltos a casas, como cortar o arame farpado. Isso é público. A BBC deu-se ao trabalho de ir a esses sites e publicou essas fotografias todas. Claro que eles sabiam. 

Agora, resta saber qual era o interesse de Netanyahu em deixar que a coisa acontecesse. 

No ano passado, Netanyahu levou às Nações Unidas o mapa do novo Médio Oriente e disse que queria fazer um novo Médio Oriente. E é isso que ele já está a fazer. Este ano, levou dois mapas, um do Médio Oriente bom e outro do Médio Oriente mau. O Médio Oriente bom são os países sunitas e o Médio Oriente mau são os países xiitas. Isto é tudo uma questão de poder, como sempre. 

Mas o próprio Mahmoud Abbas, também na Assembleia Geral da ONU este ano, repetiu várias vezes o “we will not leave”, “nós não vamos sair”. 

Pois não. Portanto, isto não vai levar a lado nenhum, a não ser o escalar da guerra. Que é isto que Netanyahu quer, para descolar e ganhar Trump. E a seguir, o que é que Netanyahu faz? Provavelmente, vai para os Estados Unidos viver num ‘El dorado’ e foge à cadeia.

Mas, se esta guerra escala efectivamente, Israel tem capacidade de responder em tantas frentes, Líbano, Irão e Iémen?

Neste momento, essa é a grande questão e os militares não estão muito contentes. Há a possibilidade de acontecer alguma coisa internamente, alguma revolta interna, porque é um esforço enorme por parte do exército estar em tantas frentes. 

A destituição de Netanyahu só pode ser feita de dentro para fora. Ele tem a maioria no Knesset. Ninguém o vai tirar do cargo numa altura de guerra. Portanto, ele a cair, tem que cair de dentro para fora. O exército está descontente com a maneira como isto está a ser conduzido, porque sabem que é uma agenda pessoal de Netanyahu. Porque se Israel quisesse mesmo a paz, procedia ao reconhecimento da Palestina e a partir daí as coisas melhoravam bastante. 

Há aqui uma agenda pessoal, da mesma forma que também há uma agenda pessoal por parte dos ministros de extrema-direita que querem aquelas promessas bíblicas e Israel do Jordão até ao mar. Há aqui várias agendas que se sobrepõem aos interesses de Israel e, aí sim, poderá haver uma revolta interna.

Ou seja, essa revolta interna levaria à queda de Netanyahu e, consequentemente, à possibilidade de uma solução política. 

Exactamente, porque não é com o Netanyahu que vamos ter uma solução política. Vamos ter uma solução de guerra, não política.

Até lá, vamos continuar a ver mais do mesmo: Israel a bombardear em várias frentes com a bandeira de destruir o Hamas e o Hezbollah e com a comunidade internacional de uma forma geral, impávida e serena, a assistir?

Impune, continua a fazer o que quer.

Isto leva-nos à questão que [Recep Tayyip] Erdogan [Presidente da Turquia] colocou nas Nações Unidas: qual é o interesse das Nações Unidas quando se vê aquilo que se está a passar? Quem é que pára Putin? Quem é que pára Netanyahu?

O Presidente turco disse que o “sistema da ONU morreu em Gaza”.

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