Convidado

“Netos da revolução” sentem-se excluídos em Moçambique


Listen Later

Moçambique é um país de jovens e estes jovens, que gostam de ser chamados por “netos da revolução”, sentem-se excluídos. É uma “geração que luta por utopias” e que quer mais oportunidades, formação, emprego e até “uma espécie de liberdade”, conta-nos o antropólogo Tirso Sitoe. O também director da Bloco 4 Foundation, uma organização de pesquisa em activismo, cidadania e políticas sociais em Moçambique, resume que a juventude quer “liberdade de poder decidir, protestar, reclamar pelos seus direitos e sentir-se representada”.

RFI: Qual é a dimensão da juventude e Moçambique?

Tirso Sitoe, antropólogo: Grande parte da população moçambicana é composta por jovens. Em termos de género, temos mais mulheres.

Cerca de 80% da população moçambicana são jovens, é assim?

Sim, diria isso, mas a agenda política é dominada por pessoas jovens acima dos 40 anos de idade, que estão no sistema de governação e não especificamente a juventude.

Moçambique é um país de jovens. A juventude está a ser bem tratada ou marginalizada em Moçambique?

Tendo em conta o que são os dados das revoltas populares, a juventude é muito marginalizada. Os últimos dados, em termos de protesto social no espaço público, indicam que os jovens reclamam ou clamam por uma mudança em termos de governação, porque não existe necessariamente uma política focada para a juventude para a questão de inclusão em processos políticos. Uma coisa é a inclusão para mobilizar para chegar ao poder e outra coisa é participar activamente dentro daquilo que é a agenda de governação. Temos vários círculos a partir das artes, expressões artísticas e culturais que mostram que os netos da revolução, como nós costumamos dizer, os netos da revolução, esta geração que luta por utopias, sente-se excluída, marginalizada.

Então, o que é que seria preciso fazer para ter algo mais inclusivo para estes netos da revolução?

Primeiro é o acesso ao emprego, à educação de qualidade. A emprego e a fontes de renda para gerar emprego, a ideia de criar um auto-emprego. Há muitos jovens que foram à universidade, saíram das universidades e não têm emprego. Não faz sentido. Então há um problema muito sério na questão de estamos a formar para quê?

Mas os jovens que vão para a universidade não são uma minoria?

Não diria necessariamente que são uma minoria porque já temos universidades praticamente em grande parte do país. Estou a falar de universidades públicas ou privadas.

O Instituto Nacional de Estatística falava, em Setembro de 2023, que na população jovem moçambicana, apenas 18% da juventude tinha um nível de escolaridade acima do ensino primário e 1,5% tinha um nível superior...

Vamos ver o que as novas estatísticas dizem sobre isso. Podemos aceitar aquilo que é o Instituto Nacional de Estatística, os dados, mas temos que ver. São os jovens que estão próximos a centros urbanos, que têm acesso à universidade, mas uma coisa é ter acesso à universidade, depois a outra coisa é ter acesso a uma educação de qualidade. Depois, como é que isso se reflecte na questão do acesso ao emprego.

O Estado em Moçambique diz-se que é o maior empregador, mas quantos indivíduos estão no Estado? Grande parte das pessoas que compõem o Estado não são malta jovem. Agora, há a questão da reforma compulsiva e o Estado diz que neste momento não podemos contratar, vamos ficar uns anos sem contratar novas pessoas porque o FMI impôs algumas políticas, uma reforma no próprio Estado. Então os senhores velhos vão para casa, mas depois quem vai ocupar aqueles lugares se o Estado diz que não pode contratar nesse espaço de tempo porque não tem dinheiro para pagar os jovens? Os jovens correm muito para o sector privado, mas o sector privado é mais tecnicista. Vão para as ONGs, vai para os projectos de gás, mas depois, lá nos projectos de gás, dão empregos, por exemplo, às pessoas de Maputo e não à população local.

Isso é outra grande assimetria, não é? Como é que está a diferença no acesso à educação e depois ao emprego entre Maputo e o resto do país?

O resto do país é totalmente diferente. Maputo é a capital económica, mas se tu vais a Cabo Delgado.... Tu olhas e analisas a questão do conflito e, muitas das vezes, é a falta de acesso a oportunidades. Instalam-se megaprojectos, tiram-se pessoas de Maputo que supostamente estudaram ou foram estudar fora do país, vêm para cá e vão trabalhar lá. A mesma coisa que está a acontecer em Tete com a questão da mineração. Mas onde é que estão os jovens? Então, se você está lá a trabalhar nos megaprojectos, você é mero ajudante de pedreiro, vamos dizer assim. Apesar de existir uma política de formação local a partir de escolas para formar jovens que são técnicos para estar lá a trabalhar, mas é a questão de formação local. Isso gera uma onda de revolta se os de Maputo ocupam lugares destas pessoas que vivem, por exemplo, em Cabo Delgado ou em Tete, porque as oportunidades locais são praticamente invisíveis.

Há, também, o fenómeno inverso das pessoas que saem das suas províncias e vêm para Maputo à procura de oportunidades, mas depois acabam em muitos empregos precários.

Sim, empregos precários. Por exemplo, os machuabos, que são da Zambézia, se fores ao mercado Estrela, está cheio de machuabos. É a ideia de sair do rural para o urbano. Chegam aqui e encontram outra realidade pensando que em Maputo vai ser fácil conseguir emprego, mas ou são empregados de casa ou estão na rua a vender ovos, pastilhas, internet. Quando perguntas o que é que fazes aqui, respondem “estou a vender aqui cigarros, pastilhas...”. É a única coisa fonte de renda provavelmente que ele tem.

E os jovens vão votar?

Os jovens têm vontade de votar, mas é possível também que haja abstenção eleitoral por parte dos jovens. Estas eleições serão renhidas, as mais problemáticas, eu acho. Essa é a previsão e o livro que nós lançámos no mês passado “Crónicas eleitorais e violação de direitos humanos em Moçambique” aponta esta tendência por causa das eleições autárquicas, que aconteceram também em Outubro do ano passado.

Com o que é que sonha a juventude em Moçambique?

Uma espécie de liberdade. Liberdade de se poder decidir. Liberdade de ir à rua protestar. Reclamar por qualquer que seja seu direito e sentir-se representado. Essa é a geração que luta por utopias.

Os netos...

Os netos da revolução.

...more
View all episodesView all episodes
Download on the App Store

ConvidadoBy RFI Português


More shows like Convidado

View all
Semana em África by RFI Português

Semana em África

0 Listeners

Artes by RFI Português

Artes

0 Listeners

Em linha com o correspondente by RFI Português

Em linha com o correspondente

0 Listeners

Ciência by RFI Português

Ciência

0 Listeners

16h00 - 16h10 GMT by RFI Português

16h00 - 16h10 GMT

0 Listeners

19h10 - 19h30 GMT by RFI Português

19h10 - 19h30 GMT

0 Listeners

Em directo da redacção by RFI Português

Em directo da redacção

0 Listeners

Em linha com o ouvinte / internauta by RFI Português

Em linha com o ouvinte / internauta

0 Listeners

Vida em França by RFI Português

Vida em França

0 Listeners