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"Perante o populismo, o principal desafio é que a democracia funcione melhor"


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O Senado francês recebeu na sexta-feira a segunda reunião da Internacional Democrata do Centro África (IDC-África). 
No evento participou o primeiro-ministro cabo-verdiano e presidente da IDC-África. Perante "os ataques à democracia, populismo e extremismo, o principal desafio é que a democracia funcione cada vez melhor", defendeu Ulisses Correia e Silva.

RFI: Quando falamos de democracia, quais são os desafios que enfrentam os países africanos? 

Ulisses Correia e Silva: Um dos grandes desafios é fazer com que a democracia funcione cada vez mais e melhor em África. Há desafios importantes num contexto em que o mundo também está complicado nesta matéria; com ataques à democracia, populismo, extremismos, maus exemplos que vêm também do Ocidente, que acabam por contagiar negativamente aquilo que são as perspectivas da democracia, nomeadamente que contagiam negativamente aqueles que não querem ir pela via da democracia. Nós, aqui na IDC-África, somos muito claros relativamente às questões do contexto global de que a maior melhor resposta aos ataques à democracia é haver mais e melhor democracia, boa governança, liberdade e fazer com que as instituições funcionem e que não seja apenas realizar eleições, mas que essas eleições reflictam aquilo que é a vontade popular quer dizer: tem que haver sistemas credíveis. Depois é preciso que a justiça funcione como um instrumento de recurso a eventuais conflitos, muitas vezes esses problemas de conflitos internos desembocam em conflitos mais graves e às vezes um golpe de Estado, acontecem porque não há confiança no sistema, não há confiança nas instituições. Você vai às eleições e sabe que se perder tem que aceitar, mas se tiver dúvidas, há recurso e esse recurso é por tribunal eleitoral - não pode depois criar condições para que faça depois a justiça na rua ou a Justiça através da força das armas. Há que pôr as instituições de facto a funcionar com credibilidade. Depois é a questão das próprias liberdades, o problema foi discutido aqui porque não é só fazer eleições, é garantir que todos estão em pé de igualdade, que a comunicação social seja acessível para todos, que haja pluralismo, que haja transparência no uso dos recursos públicos; relativamente a quem está no poder e quem está na oposição. Todas estas matérias conformam a necessidade de termos de facto sistemas muito mais fortes.

Na conferência foi evocado o facto de não haver pluralismo político, nomeadamente em Moçambique e Angola. Cabo Verde foi dado como um exemplo em termos democráticos, na África lusófona?

Em Cabo Verde,  nós tomamos uma opção desde desde 1991, quando fez a mudança substancial de ruptura do regime de partido único para democracia. A  Constituição de 1992 tem uma arquitectura muito forte. Por isso que os poderes são equilibrados em Cabo Verde, ninguém tem poder absoluto ou excesso de poder que não seja regulado. Temos o governo que governa, temos o Presidente da República com as suas competências e temos o Parlamento. Depois temos a Justiça que funciona e, mais do que isso, temos o controlo social, porque não há nenhum poder que não tenha que ser controlado, fiscalizado pela cidadania, pela comunicação social que faz o seu papel, pelos partidos políticos que fazem a oposição, isto é que torna a democracia cabo-verdiana forte. Para além disso, nós temos um outro factor também de check in balance, que é a nossa diáspora, que se interessa muito pela política nacional, que elege seis deputados no Parlamento e que tem os olhos também colocados sobre a democracia cabo-verdiana. Por isso é que nós temos um sistema que é uma opção e tem estado a funcionar bem.

De que forma é que interpreta estas afirmações de partidos que estão no poder há quase 50 anos, como é o caso do MPLA em Angola, como é o caso da Frelimo em Moçambique?

Cada país tem que resolver os seus os seus próprios problemas. Repare, a democracia pressupõe alternância e a alternância pressupõe criar condições para que o sistema democrático funcione mesmo se um partido ganhar várias vezes e se ganhar dentro do quadro do jogo democrático, dentro dos quadros de transparência, do quadro participação, o quadro de pluralismo pode não ser um problema. O problema é se as condições estão criadas para que isso aconteça. Por isso nós estamos em crer que este aqui é um desafio e que, como nós constatamos na conferência, não há melhor solução do que ter democracias credíveis, ter sistema de boa governança, porque os países não funcionam apenas com instituições e com políticas, funcionam com pessoas. É preciso que as pessoas estejam motivadas, se sintam parte, que não se sintam frustradas, enganadas no funcionamento do sistema democrático. Isto faz mover forças que fazem o desenvolvimento acontecer.

Esta conferência lembra a necessidade de haver democracias sólidas e a necessidade de haver desenvolvimento pela via democrática?

Sim, sim, é isto. As coisas estão interligadas. Democracia é desenvolvimento. Depois há um factor de segurança que foi aqui também discutido e que está cada vez mais interligado num mundo que está a pôr tudo em causa; o pós verdade, a  chamada política quântica que relativiza tudo. Às vezes mistura aquilo que é a democracia dita liberal, quando não é liberal e as coisas não podem ser tudo e o seu contrário. Por isso é que nós temos a intenção de nos focar nos princípios e valores essenciais que caracterizam a democracia, seja ela ocidental, africana, asiática. É na defesa e na protecção desses valores que nós trabalhamos.

Foi também questão de paz e segurança aqui naconferência. De que forma observa a configuração de paz e segurança na Rússia e Ucrânia?

Nós esperamos que se encontre uma solução. Cabo Verde posicionou-se de uma forma muito clara desde a primeira hora:  Defendemos valores de defesa, de soberania, de integridade territorial dos países, de democracia, da livre expressão da vontade dos cidadãos. A guerra não é solução para nada só provoca destruição, morte e estamos também empenhados para que de facto, pelo menos desejosos, de que se consiga a paz na Ucrânia.

Cabo Verde participa na Conferência de paz na Suíça Cabo Verde e tem apelado, por várias vezes, a uma posição unânime no quadro da CPLP relativamente à invasão russa na Ucrânia.

Cada país tem o seu posicionamento e o posicionamento de Cabo Verde é claro. Nós somos consistentes e coerentes no nosso posicionamento. Agora, os outros países terão e têm expressar as suas posições. A CPLP, enquanto organização da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, não tem a pretensão de uniformizar ou padronizar as posições geopolíticas que cada país está empenhado fazer. Portanto, seria o ideal, de facto, que houvesse convergência, mas não é imposto.

Foi aqui referido também por vários intervenientes, o facto de haver muito financiamento à Ucrânia e de não acontecer o mesmo quando há outros conflitos que decorrem em simultâneo, como é o caso na RDC, no Sudão. Como é que isto se explica?

Todos os conflitos devem ter a sua devida atenção, mas são também diferentes. É claro que há, de facto, riscos geopolíticos relativamente à invasão da Rússia a Ucrânia. O problema não só na Europa, mas contagia depois o resto do mundo. E há conflitos que precisam de ser também devidamente tomados em conta para se poder ter encontrado também as vias da paz.

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