Quando a postagem sobre o podcast Sozinha de Si chegou ao meu Instagram, pensei: quero escrever. Escrever sempre foi minha forma de cura e de liberdade.
Por muitos e muitos anos vivi um relacionamento abusivo, controlador e narcisista.
Eu tinha 15 anos quando o conheci. Começamos a namorar em 23.10.1992. Desde o início ele demonstrou ciúmes louco. Doentio. Fazia eu trocar de roupas. E perdi todas as minhas amizades. Principalmente as masculinas.
Com 17 anos estava grávida. Primeira relação. Primeiro contato. Primeiro tudo. Descobertas.
Ele gritava comigo.
Bebia.
Me fazia repetir a história diversas vezes.
Me falava que eu fazia isso.
Que fazia ele fazer isso
Se eu estava apaixonada? Hoje sei que não. Adolescente e autoestima baixa. Necessidade de viver tudo com intensidade e sem orientação. Sem educação sexual. Entregue de corpo e alma a um relacionamento doentio, com uma pessoa doentia (ele tomava medicação controlada desde os 11 anos, se sentia “o rejeitado” e nunca obteve um diagnóstico correto de sua doença).
Tínhamos a mesma idade, mas ele falava que eu era mais experiente, que eu o manipulei e que fiquei grávida para o segurar. Eu? A última coisa que queria era ser mãe e a penúltima era casar. Falava também que eu não estava grávida dele. Que o usei.
São tantas as histórias e momentos de dor que me lembro, que poderia escrever vários livros.
Vou escrever uma delas. O dia que corri, corri muito, muito. Para bem longe dele, mas ainda não foi o suficiente para eu ser livre.
Era fevereiro de 1994. Calor. Carnaval. Minha cidade do interior lotada como sempre. Tínhamos o carnaval mais intenso e melhor da região.
Eu estava com 4 meses de gravidez. Minha barriga já aparecia. Estava com um vestido de flores coloridas grandes e fundo vermelho. Rabo de cavalo. Eu amava esse vestido. Ficava bonita nele. Meu pai falava que ficava linda grávida com ele.
A rua cheia, o som do batuque e músicas de carnaval.
Eu, angustiada porque não queria estar ali, minha barriga grande, medo que acontecesse alguma coisa, porque ele era totalmente imprevisível.
Medo dos gritos dele me culpando porque teria olhado para alguém ou qualquer coisa parecida.
Ele bebia, e isso me deixava mais vulnerável às agressões dele.
O som do carnaval, os gritos dele, as pessoas olhando, ele segurando no meu braço, minha barriga grande, meu vestido vermelho de flores. Neste momento me virei e corri. Corri. Ele me alcançou, me puxou pelo meu rabo de cavalo. Lembro do tranco para trás; mas mesmo assim não parei, peguei mais fôlego e corri mais, mais...
Morava em um local que precisava subir um aclive, era o "morro do colégio Lameira". Corri muito naquele morro. Corri. Eu não olhei para trás, mas sei que ele estava lá. Correndo atrás de mim. Eu não olhei para trás.
Até chegar à porta da minha casa. Entrei suada, chorando, correndo e descabelada. Mas hoje, e agora escrevendo, entendo porque me senti feliz e livre. Porque eu corri. Eu tive coragem.
Olhei pela janela e ele ficou a noite toda, até o amanhecer, sentado lá embaixo na subida do morro esperando eu sair. Eu não sai. Eu corri dele. Eu tive coragem
Se pudesse voltar naquele dia e momento, eu diria para aquela menina de 17 anos, grávida de 4 meses que ela não precisava ter medo dele. Que ela tinha escolhas, sim, que ela não era ele. Que ela poderia viver tudo que ainda queria viver, que ela sim, poderia ser uma escritora, que ela, sim, poderia fazer a faculdade de jornalismo, que ela, sim, era forte. Que seria feliz.
Lembrando que o Podcast Sozinha de si é um projeto de acolhimento através de histórias anônimas, para cuidar de todas de uma vez! Manda a sua história pra mim: [email protected]