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Donald Trump anunciou esta quarta-feira novas taxas aduaneiras, que vão ser aplicadas a um vasto conjunto de países. O Presidente norte-americano anunciou igualmente taxas alfandegárias para vários Estados africanos como é o caso de taxas de 31% para a África do Sul ou 32% para Angola, entre outros. Para o economista Carlos Lopes, “a grande surpresa é que estas taxas são uma espécie de guerra comercial para o conjunto do mundo”, “que acabam por pôr em causa o sistema actual de comércio”.
Donald Trump anunciou esta quarta-feira à noite novas taxas aduaneiras, que vão ser aplicadas a um vasto conjunto de países. A China está no topo da lista, cujos produtos terão uma taxa de 34%, um valor que se acrescenta à taxa de 20% já aplicada, o que coloca os produtos chineses na barreira dos 54%. A União Europeia será alvo de uma taxa de 20%, o Reino Unido terá uma taxa de 10% e o Japão de 24%.
O continente africano não fica de fora deste “dia da libertação”, o Presidente norte-americano anunciou igualmente taxas alfandegárias para vários Estados africanos como é o caso de taxas de 31% para a África do Sul ou 32% para Angola, entre outros.
Para o economista Carlos Lopes, “a grande surpresa é que estas taxas são uma espécie de guerra comercial para o conjunto do mundo”, “que acabam por pôr em causa o sistema actual do comércio”. O docente na Universidade do Cabo, África do Sul, acrescenta que os Estados Unidos vão sofrer “grandes repercussões” com estas medidas que “não tem nada a ver com a economia actual, globalizada e integrada”, reflectindo decisões “mais de fundo ideológico do que de fundo racional”.
RFI: Quais são as consequências destas taxas para o continente africano?
Carlos Lopes, economista: A grande surpresa é que estas taxas são uma espécie de guerra comercial para o conjunto do mundo. Se fosse em relação a determinado número de países ou uma região em específico, seria uma conjuntura um bocado diferente.
O que as taxas acabam por pôr em causa é o sistema actual do comércio, porque os Estados Unidos tiveram uma influência muito grande na criação, primeiro no acordo que precede a Organização Mundial do Comércio, que é o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) e, segundo, durante a vigência da OMC, foi o país que mais colaborou para uma globalização através do comércio. Portanto, a partir do momento em que aplica estas taxas a todos os países do mundo, perde um pouco não só a sua liderança, mas também mostra que vai ter uma certa hostilidade em relação ao sistema que ele próprio criou.
Mas estamos aqui no início de uma nova ordem mundial do comércio?
Sem dúvida, mas é preciso também aceitar que algumas linhas de contestação do comércio, tal como ele vinha sendo desenvolvido, já estavam em curso. Isto não é um apanágio apenas dos Estados Unidos. A Europa também introduziu medidas unilaterais, invocando razões climáticas. Outros países também utilizaram formas de proteccionismo durante a pandemia. Ou seja, nós temos vindo a assistir a uma espécie de erosão das regras do comércio, tal como elas foram estabelecidas nos últimos 20 anos.
O que nós vemos agora é apenas uma aceleração do que era já uma tendência, uma tendência de contestação das regras do comércio. Fez-se em nome de um comércio que fosse mais seguro e mais amigo do clima, mas na realidade já eram medidas proteccionistas que agora perdem um pouco a sua capa e a sua manipulação em termos de argumentos políticos e passam a ser aquilo que todos vêem, que é uma espécie de hostilidade comercial baseada na reciprocidade. Aliás, um conceito que, no caso dos Estados Unidos, tem uma interpretação muito peculiar, porque não é uma reciprocidade em termos de tarifas - embora sejam as tarifas o que é invocado - é uma reciprocidade em termos de balança comercial. Ou seja, um país que tem mais exportações para os Estados Unidos do que importações será punido. Isto é uma coisa absurda. Leva que o país que tem mais tarifas, a taxa mais elevada, seja um país com o Lesoto, um pobre Lesoto que não custa mais do que uma pinga no comércio dos Estados Unidos.
Porquê estes países? Há países com economias bastante modestas…
Por um lado, é acabar com o acordo especial AGOA [African Growth and Opportunity Act], que era um acordo para dar preferências de importação aos países africanos sem taxação.
Eu sempre disse que este acordo não ia ter muitas pernas para andar, porque os investidores normalmente querem previsibilidade, ou seja, querem saber exactamente que as regras se aplicam de uma forma acordada legalmente. E isto não era bem um acordo, era um anúncio de concessões unilaterais por parte dos Estados Unidos, em princípio, para poder favorecer o desenvolvimento dos países mais vulneráveis da África.
Na realidade, sendo unilateral, pode ser cessado a qualquer altura e é isso que acaba por acontecer agora, porque com essas tarifas que foram anunciadas, tudo o que diz o AGOA deixa de ter efeito.
Na prática, como é que estas taxas se traduzem? Ou seja, quais são os produtos mais afectados e como é que os países africanos ou os africanos vão sentir na carteira estas taxas?
Na realidade, há poucos países que exportam para os Estados Unidos através do AGOA e que vão ser punidos de uma forma mais directa por estas taxações. Um deles, seguramente, é a África do Sul. É o país que mais exporta em África para os Estados Unidos.
Mas, é interessante ver, por exemplo, que, no caso da África do Sul, as exportações mais importantes são viaturas, nomeadamente Mercedes e BMW’s. Por isso é que as taxas que são aplicadas aos veículos, em toda a franja de importadores dos Estados Unidos, acabam também por afectar a África do Sul. A África do Sul também exporta aço e exporta muitos produtos agrícolas, nomeadamente cítricos.
Em todas estas áreas, quando se reúne o conjunto das exportações, elas representam cerca de 9% das exportações da África do Sul. Claro que é um número importante em matéria comercial, mas não é um número que assuste ou para que a África do Sul deixe de ser um país com capacidade de poder superar esta crise.
No caso de países como o Lesoto, Quénia, Gana, alguns países da África do Norte, ou Madagáscar, que exportavam produtos bastante específicos, seja através de commodities soft, como café ou o chá, ou então têxteis - caso do Lesoto e de Madagáscar - as repercussões são muito mais fortes do que na África do Sul, porque uma boa parte dos investimentos que tinham sido feitos por certos investidores era visando o mercado americano. Agora, fica tudo de sobressalto, porque encontrar mercados alternativos demora tempo. Não é impossível, mas demora tempo. Portanto, vão passar por um período muito difícil.
Como é que África pode responder a estas taxas? Por exemplo, o Presidente sul-africano falou num novo acordo de comércio bilateral. O que é que se pode esperar, novos acordos bilaterais?
No caso concreto da África do Sul, uma boa parte do comércio que é originário dos Estados Unidos em direcção à África do Sul, não é um comércio de produtos propriamente ditos, é de serviços. Portanto, um acordo comercial vai obrigar na mesa das negociações a ver qual é o peso dos serviços e como se pode punir esses serviços. Por exemplo, a actuação das grandes empresas de tecnologia é na área dos serviços e, portanto, pode trazer grandes dificuldades aos Estados Unidos, se o conjunto dos países que beneficiam desse tipo de intervenção vier, eventualmente, a retaliar. Não de uma forma directa - taxação - mas através do impedimento regulatório da actuação de algumas destas empresas de alta tecnologia e outras empresas fornecedoras de serviços.
Esta decisão de Washington também tem consequências internas. Pode significar um aumento da inflação, o abrandamento do crescimento económico e levar à ruptura das cadeias de abastecimento globais. Portanto, não é uma decisão sem consequências internas?
Eu acho que vai haver grandes repercussões nos Estados Unidos. Vai haver seguramente uma inflação muito mais acelerada, uma recessão económica e, sobretudo, vamos entrar num período em que pode haver uma desvalorização do dólar, que é um dos objectivos indirectos destas medidas.
Através da desvalorização do dólar, há a ideia de que as exportações dos Estados Unidos vão ser mais atractivas, porque, hoje em dia, são muito caras e é por isso que os Estados Unidos “não exportam tanto”. Eu acho que é uma falsa premissa, porque a maior parte das exportações dos Estados Unidos, são na área dos serviços e da energia.
Em relação à matéria alimentar, por exemplo, a concorrência dos Estados Unidos em relação a outros grandes produtores de alimentos, como é o caso do Brasil, Argentina e também da África do Sul, não chega a ser uma concorrência, porque uma boa parte dessa produção nos Estados Unidos era já altamente subsidiada. Portanto, mesmo que haja um incentivo do dólar a custar menos, se se retira os subsídios, vai haver muitas dificuldades por parte dessas empresas de continuarem a ser competitivas internacionalmente.
Para um economista, estas medidas tarifárias são de uma era dos anos 30. Não tem nada a ver com a economia actual, globalizada e integrada. As cadeias de valor que estão super integradas a nível mundial e a lógica que prevalecia até agora, era a lógica de que se produz qualquer produto no sítio onde é mais barato no mundo. Portanto, era já uma competitividade internacional. Esta ideia de que o proteccionismo vai escudar os Estados Unidos desse tipo de desenvolvimento parece-me inverosímil.
Nós estamos perante uma ideia que parece ser mais de fundo ideológico do que de fundo racional.
Donald Trump anunciou esta quarta-feira novas taxas aduaneiras, que vão ser aplicadas a um vasto conjunto de países. O Presidente norte-americano anunciou igualmente taxas alfandegárias para vários Estados africanos como é o caso de taxas de 31% para a África do Sul ou 32% para Angola, entre outros. Para o economista Carlos Lopes, “a grande surpresa é que estas taxas são uma espécie de guerra comercial para o conjunto do mundo”, “que acabam por pôr em causa o sistema actual de comércio”.
Donald Trump anunciou esta quarta-feira à noite novas taxas aduaneiras, que vão ser aplicadas a um vasto conjunto de países. A China está no topo da lista, cujos produtos terão uma taxa de 34%, um valor que se acrescenta à taxa de 20% já aplicada, o que coloca os produtos chineses na barreira dos 54%. A União Europeia será alvo de uma taxa de 20%, o Reino Unido terá uma taxa de 10% e o Japão de 24%.
O continente africano não fica de fora deste “dia da libertação”, o Presidente norte-americano anunciou igualmente taxas alfandegárias para vários Estados africanos como é o caso de taxas de 31% para a África do Sul ou 32% para Angola, entre outros.
Para o economista Carlos Lopes, “a grande surpresa é que estas taxas são uma espécie de guerra comercial para o conjunto do mundo”, “que acabam por pôr em causa o sistema actual do comércio”. O docente na Universidade do Cabo, África do Sul, acrescenta que os Estados Unidos vão sofrer “grandes repercussões” com estas medidas que “não tem nada a ver com a economia actual, globalizada e integrada”, reflectindo decisões “mais de fundo ideológico do que de fundo racional”.
RFI: Quais são as consequências destas taxas para o continente africano?
Carlos Lopes, economista: A grande surpresa é que estas taxas são uma espécie de guerra comercial para o conjunto do mundo. Se fosse em relação a determinado número de países ou uma região em específico, seria uma conjuntura um bocado diferente.
O que as taxas acabam por pôr em causa é o sistema actual do comércio, porque os Estados Unidos tiveram uma influência muito grande na criação, primeiro no acordo que precede a Organização Mundial do Comércio, que é o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) e, segundo, durante a vigência da OMC, foi o país que mais colaborou para uma globalização através do comércio. Portanto, a partir do momento em que aplica estas taxas a todos os países do mundo, perde um pouco não só a sua liderança, mas também mostra que vai ter uma certa hostilidade em relação ao sistema que ele próprio criou.
Mas estamos aqui no início de uma nova ordem mundial do comércio?
Sem dúvida, mas é preciso também aceitar que algumas linhas de contestação do comércio, tal como ele vinha sendo desenvolvido, já estavam em curso. Isto não é um apanágio apenas dos Estados Unidos. A Europa também introduziu medidas unilaterais, invocando razões climáticas. Outros países também utilizaram formas de proteccionismo durante a pandemia. Ou seja, nós temos vindo a assistir a uma espécie de erosão das regras do comércio, tal como elas foram estabelecidas nos últimos 20 anos.
O que nós vemos agora é apenas uma aceleração do que era já uma tendência, uma tendência de contestação das regras do comércio. Fez-se em nome de um comércio que fosse mais seguro e mais amigo do clima, mas na realidade já eram medidas proteccionistas que agora perdem um pouco a sua capa e a sua manipulação em termos de argumentos políticos e passam a ser aquilo que todos vêem, que é uma espécie de hostilidade comercial baseada na reciprocidade. Aliás, um conceito que, no caso dos Estados Unidos, tem uma interpretação muito peculiar, porque não é uma reciprocidade em termos de tarifas - embora sejam as tarifas o que é invocado - é uma reciprocidade em termos de balança comercial. Ou seja, um país que tem mais exportações para os Estados Unidos do que importações será punido. Isto é uma coisa absurda. Leva que o país que tem mais tarifas, a taxa mais elevada, seja um país com o Lesoto, um pobre Lesoto que não custa mais do que uma pinga no comércio dos Estados Unidos.
Porquê estes países? Há países com economias bastante modestas…
Por um lado, é acabar com o acordo especial AGOA [African Growth and Opportunity Act], que era um acordo para dar preferências de importação aos países africanos sem taxação.
Eu sempre disse que este acordo não ia ter muitas pernas para andar, porque os investidores normalmente querem previsibilidade, ou seja, querem saber exactamente que as regras se aplicam de uma forma acordada legalmente. E isto não era bem um acordo, era um anúncio de concessões unilaterais por parte dos Estados Unidos, em princípio, para poder favorecer o desenvolvimento dos países mais vulneráveis da África.
Na realidade, sendo unilateral, pode ser cessado a qualquer altura e é isso que acaba por acontecer agora, porque com essas tarifas que foram anunciadas, tudo o que diz o AGOA deixa de ter efeito.
Na prática, como é que estas taxas se traduzem? Ou seja, quais são os produtos mais afectados e como é que os países africanos ou os africanos vão sentir na carteira estas taxas?
Na realidade, há poucos países que exportam para os Estados Unidos através do AGOA e que vão ser punidos de uma forma mais directa por estas taxações. Um deles, seguramente, é a África do Sul. É o país que mais exporta em África para os Estados Unidos.
Mas, é interessante ver, por exemplo, que, no caso da África do Sul, as exportações mais importantes são viaturas, nomeadamente Mercedes e BMW’s. Por isso é que as taxas que são aplicadas aos veículos, em toda a franja de importadores dos Estados Unidos, acabam também por afectar a África do Sul. A África do Sul também exporta aço e exporta muitos produtos agrícolas, nomeadamente cítricos.
Em todas estas áreas, quando se reúne o conjunto das exportações, elas representam cerca de 9% das exportações da África do Sul. Claro que é um número importante em matéria comercial, mas não é um número que assuste ou para que a África do Sul deixe de ser um país com capacidade de poder superar esta crise.
No caso de países como o Lesoto, Quénia, Gana, alguns países da África do Norte, ou Madagáscar, que exportavam produtos bastante específicos, seja através de commodities soft, como café ou o chá, ou então têxteis - caso do Lesoto e de Madagáscar - as repercussões são muito mais fortes do que na África do Sul, porque uma boa parte dos investimentos que tinham sido feitos por certos investidores era visando o mercado americano. Agora, fica tudo de sobressalto, porque encontrar mercados alternativos demora tempo. Não é impossível, mas demora tempo. Portanto, vão passar por um período muito difícil.
Como é que África pode responder a estas taxas? Por exemplo, o Presidente sul-africano falou num novo acordo de comércio bilateral. O que é que se pode esperar, novos acordos bilaterais?
No caso concreto da África do Sul, uma boa parte do comércio que é originário dos Estados Unidos em direcção à África do Sul, não é um comércio de produtos propriamente ditos, é de serviços. Portanto, um acordo comercial vai obrigar na mesa das negociações a ver qual é o peso dos serviços e como se pode punir esses serviços. Por exemplo, a actuação das grandes empresas de tecnologia é na área dos serviços e, portanto, pode trazer grandes dificuldades aos Estados Unidos, se o conjunto dos países que beneficiam desse tipo de intervenção vier, eventualmente, a retaliar. Não de uma forma directa - taxação - mas através do impedimento regulatório da actuação de algumas destas empresas de alta tecnologia e outras empresas fornecedoras de serviços.
Esta decisão de Washington também tem consequências internas. Pode significar um aumento da inflação, o abrandamento do crescimento económico e levar à ruptura das cadeias de abastecimento globais. Portanto, não é uma decisão sem consequências internas?
Eu acho que vai haver grandes repercussões nos Estados Unidos. Vai haver seguramente uma inflação muito mais acelerada, uma recessão económica e, sobretudo, vamos entrar num período em que pode haver uma desvalorização do dólar, que é um dos objectivos indirectos destas medidas.
Através da desvalorização do dólar, há a ideia de que as exportações dos Estados Unidos vão ser mais atractivas, porque, hoje em dia, são muito caras e é por isso que os Estados Unidos “não exportam tanto”. Eu acho que é uma falsa premissa, porque a maior parte das exportações dos Estados Unidos, são na área dos serviços e da energia.
Em relação à matéria alimentar, por exemplo, a concorrência dos Estados Unidos em relação a outros grandes produtores de alimentos, como é o caso do Brasil, Argentina e também da África do Sul, não chega a ser uma concorrência, porque uma boa parte dessa produção nos Estados Unidos era já altamente subsidiada. Portanto, mesmo que haja um incentivo do dólar a custar menos, se se retira os subsídios, vai haver muitas dificuldades por parte dessas empresas de continuarem a ser competitivas internacionalmente.
Para um economista, estas medidas tarifárias são de uma era dos anos 30. Não tem nada a ver com a economia actual, globalizada e integrada. As cadeias de valor que estão super integradas a nível mundial e a lógica que prevalecia até agora, era a lógica de que se produz qualquer produto no sítio onde é mais barato no mundo. Portanto, era já uma competitividade internacional. Esta ideia de que o proteccionismo vai escudar os Estados Unidos desse tipo de desenvolvimento parece-me inverosímil.
Nós estamos perante uma ideia que parece ser mais de fundo ideológico do que de fundo racional.
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