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UNOC3: A ciência deve estar ao serviço das comunidades costeiras


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Muitas vezes a ciência que se faz é completamente desconectada da realidade das pessoas que vivem nas comunidades.” A crítica é da professora universitária e especialista em alterações climáticas Corrine Almeida, defende uma nova abordagem científica nos países africanos: mais próxima das populações, mais útil para quem vive do mar, e menos dependente de agendas externas. Declarações proferidas à margem da 3a Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano que decorreu em Nice, França.

Segundo a investigadora cabo-verdiana, os projectos científicos muitas vezes nascem de parcerias estrangeiras que não consideram as prioridades locais. “Tem as suas prioridades e que muitas vezes não se alinham com as prioridades nacionais.” Para que a ciência tenha impacto real, defende, é preciso começar por ouvir as comunidades: “Tem muito a ver com as actividades, com a sua interacção com o mar.

Os pescadores são um exemplo claro. “Querem saber o que é que podem pescar, o que é que não podem pescar”, afirma. A falta de comunicação eficaz e o uso de linguagem técnica nas áreas de conservação afastam as comunidades das decisões. Mais do que isso, os pescadores observam fenómenos que os cientistas nem sempre captam.

A comunidade piscatória todos os dias está no mar”, lembra Corrine Almeida, e dá o exemplo da cavala, outrora abundante. “Agora praticamente a cavala tornou-se um artigo de luxo. [...] Uma das hipóteses que [os pescadores] colocam é que pela captura dos tubarões [...] os cardumes de cavalas já não sobem à superfície.” É uma teoria empírica que merece investigação: “Por que não dar valor a essa questão que eles têm?

Ao abordar o papel dos oceanos no desenvolvimento sustentável dos países africanos, a professora é clara: “Quem mais beneficia dos recursos destes oceanos? [...] As grandes frotas de pesca que actuam em Cabo Verde [...] não são [africanas]”. Essa realidade revela um desequilíbrio profundo: “Não é uma solidariedade, é uma responsabilidade que deve haver, particularmente daqueles que mais beneficiam dos recursos.”

Aponta o exemplo do tubarão: “Uma tonelada sai de Cabo Verde por cerca de 100 euros. [...] Quanto vai render no mercado depois? [...] Parte desse retorno não volta para os oceanos de origem.

Com espécies migratórias como o atum e o tubarão, o problema agrava-se: “Uma vez capturados pelas grandes frotas nas nossas águas, depois não chegam à costa.” Os pescadores locais perdem oportunidades que nem sequer são contabilizadas nos acordos internacionais. “A maior parte da nossa pesca é artesanal e é feita em barcos de boca aberta”, explica. O impacto é visível: “Hoje vai num desembarque e trazem pequenos atuns, no máximo 15 quilos,” quando outrora chegavam aos 80 quilos.

Na defesa dos oceanos, a investigadora vê o Tratado de Alto-Mar como um avanço crucial. “Tem aquele espaço vazio no oceano, que é a terra de ninguém hoje, que é o alto mar. É um instrumento extremamente importante.” Mesmo que países como Cabo Verde ainda não tenham capacidade de explorar essas águas, a conservação é uma questão de justiça intergeracional. “No dia que puderem vir a pescar lá, que encontrem alguma coisa.

A criação de áreas protegidas no alto mar poderá também proteger as águas territoriais. “Se nós conseguirmos ter uma área marinha protegida à frente das nossas [zonas económicas exclusivas], se calhar se perderá um pouco o interesse de pescar dentro das nossas [águas].

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