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UNOC3 “é uma oportunidade de acção” para “dar prioridade àquilo que o oceano representa”


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Arranca esta segunda-feira, em Nice, França, a 3.ª Conferência dos Oceanos das Nações Unidas (UNOC3). Em cima da mesa o reforço da mobilização global para a preservação e uso sustentável dos oceanos. A UNOC3 é co-presidida pela França e pela Costa Rica. Os Estados Unidos são os grandes ausentes da cimeira. O presidente da associação ambientalista portuguesa ZERO, Francisco Ferreira defende que esta conferência “é uma oportunidade de acção” para “dar prioridade àquilo que o oceano representa”.

RFI: O que é que a ZERO espera desta terceira conferência sobre os Oceanos?

Francisco Ferreira: Nós achamos que esta conferência será, sem dúvida, mais um marco importante de discussão e, acima de tudo, de dar relevo e prioridade àquilo que é o oceano, quer do ponto de vista dos serviços que nos presta, quer da absoluta necessidade da sua salvaguarda e protecção e também do “sofrimento” que o oceano, com as grandes crises climática, da biodiversidade, da exploração de recursos, tem sofrido.

Se não fosse o oceano, a temperatura da nossa atmosfera não estaria apenas a 1,6 graus acima da era pré-industrial, como esteve em 2024, mas muitos mais graus acima porque tem sido o oceano, através do seu aquecimento, com consequências dramáticas - nomeadamente para os bancos de coral, para o oxigénio que consegue estar dissolvido nos oceanos - que tem acomodado esse aumento temperatura.

Portanto, o oceano tem de ser salvo e nós precisamos de o proteger e salvaguardar.

Esta conferência, apesar de não se esperar realmente resoluções vinculativas e é algo que decorre da sua própria natureza, vai, sem dúvida, juntar um conjunto de líderes e uma oportunidade de acção que para nós é extremamente importante. Esperamos o estímulo ao aumento das ratificações para conseguirmos a entrada em vigor do Tratado do Alto Mar. Estamos com 29 países que já ratificaram.

E são precisos 60 para a ratificação do Tratado do Alto Mar?

Exactamente. Estamos a falar de um território que representa mais de 70% do oceano e que é fundamental ser reconhecido como bem comum da humanidade e gerido com base na ciência, e com base também na equidade entre os vários países.

Por outro lado, também é crucial que tenhamos, do ponto de vista científico, esta possibilidade- de tal como para o clima- termos um Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, para a Biodiversidade também um painel semelhante, dedicarmos o mesmo tipo de relevo, de juntar os melhores cientistas e a melhor informação e conhecimento para gerir o oceano. E essa plataforma para nós é, sem dúvida, um aspecto muito relevante.

Há, ainda, outros aspectos que achamos cruciais: a participação de grupos minoritários que são cruciais para a sua sustentabilidade económica e social na gestão do oceano - os pescadores de pequena escala, os povos indígenas - e, por outro lado, ainda, a necessidade de darmos um relevo realmente muito maior ao oceano no quadro das alterações climáticas.

À semelhança daquilo que acontece com as diferentes COP, Cimeira das Nações Unidas para o Clima, não podemos ter aqui mais do mesmo? Os documentos que saem destas conferências não são vinculativos, o que faz com que não haja consequências para os países que não os respeitem.

Essa, aliás, a principal crítica da parte da Zero e também da Oikos, uma outra organização mais ligada ao desenvolvimento - estamos a acompanhar juntos esta conferência - é que realmente podemos ter determinadas acções que têm um peso vinculativo grande, como é o caso do Tratado do Alto Mar, mas muitas das outras decisões, inclusive aquilo que venha a ser a adopção do “Plano de Acção de Nice para o Oceano”, a “Declaração do Nice para a Acção no Oceano”, tudo isso, pura e simplesmente, poderá passar não mais do que meras intenções.

De boa vontade?

De boa vontade e não vincular realmente os países. Sem dúvida que, para nós, é esta discussão multilateral entre os vários países que é fundamental fazer e, portanto, a conferência é, sem dúvida alguma, uma enorme mais-valia. Perde por, no quadro internacional, não ter uma expressão vinculativa, principalmente no que diz respeito à mobilização de recursos financeiros, no que diz respeito às metas de protecção e salvaguarda, mas indirectamente -e esse é o nosso apelo - há tratados, convenções, essas sim, com um espírito mais vinculativo. Por exemplo, a Convenção da Biodiversidade ou da Diversidade Biológica e a própria Convenção do Clima, onde poderei integrar a valência dos oceanos de uma forma muito mais importante do que tem acontecido, principalmente no clima. Na Convenção do Clima, os oceanos têm tido uma menção e uma é uma atenção muito reduzida face aquilo que tem sido o papel dos oceanos, quer na redução dos impactos quer nas consequências para o oceano de termos temperaturas mais elevadas e mais dióxido de carbono na atmosfera.

Em relação a Portugal, qual é o ponto da situação das políticas em relação precisamente à protecção do oceano?

Portugal ratificou recentemente o Tratado para o Alto Mar e, portanto, é uma excelente notícia. Mas, por outro lado, no que diz respeito à limitação de várias áreas em termos de conservação da natureza nas zonas costeiras do continente e, por outro lado, também naquilo que são ameaças em relação a áreas que foram recentemente anunciadas, como foi o caso das áreas marinhas protegidas dos Açores e onde se quer flexibilizar determinada pesca - e o mesmo se passa na Madeira - temos aqui uma certa contradição entre alguma ambição que Portugal tem demonstrado e ameaças ou a falta de concretização daquilo que Portugal já deveria ter feito e assegurado de forma muito clara em termos de apoio.

Há um outro aspecto também importante, Portugal alinhou naquilo que respeita à exploração dos fundos marinhos numa moratória para até 2050 - infelizmente não é para sempre - não embarcar nesse tipo de exploração, nomeadamente de materiais críticos no fundo do mar, na zona da sua jurisdição.

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