
Sign up to save your podcasts
Or
Você sabe quais são os principais desafios do aumento inevitável do consumo de energia elétrica? O que é e como funciona o mercado de energia brasileiro? Qual a relação entre crescimento econômico, consumo de energia elétrica e custo energético?
Thiago Ribeiro: Dois mil e duzentos e cinquenta e quatro (2.254) quilowatt-hora (kWh). De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética, que presta serviços ao Ministério de Minas e Energia, esse foi o consumo médio de eletricidade por cada brasileiro em 2019. Desde o início do século, esse consumo cresceu cerca de 70%.
Fernanda Capuvilla: E aí eu pergunto: você sabe quais são os principais desafios do aumento inevitável do consumo de energia elétrica? O que é e como funciona o mercado de energia brasileiro? Qual a relação entre crescimento econômico, consumo de energia elétrica e custo energético?
Thiago: Olá! Meu nome é Thiago
Fernanda: E eu sou Fernanda e hoje, vamos juntos, clarear essas e outras questões sobre a matriz elétrica brasileira e ouvir um pouco sobre como funciona esse mercado.
[vinheta Oxigênio]
Thiago: Antes de tudo, é importante destacar que a matriz energética é a soma de toda a energia disponibilizada para ser transformada, distribuída e consumida nos processos produtivos. Em outras palavras, a matriz energética representa a quantidade de energia oferecida por um país ou por uma região. Essa energia pode ter origem em fontes renováveis como a biomassa, a lenha e a hidráulica, ou origem em fontes não renováveis como derivados de petróleo e gás natural.
Fernanda: Sobre esse assunto, deixamos um convite para você ouvir o episódio #85 OxiLab: Nexus – Energia, que fala sobre a crescente escassez desses recursos e a necessidade de buscar fontes alternativas e mais sustentáveis.
Thiago: Mas, voltando para o tema do episódio, a matriz elétrica representa uma parte da matriz energética de um país. É o conjunto de fontes energéticas destinadas à geração de energia elétrica. Por exemplo, no Brasil, cerca de 64% do total de energia elétrica gerada vem de usinas hidrelétricas. O restante vem, principalmente, de usinas termelétricas, eólicas e solares.
Fernanda: E não é para menos, o Brasil é o país que detém a maior reserva de água doce do planeta. Cerca de 12% de toda a água doce disponível está aqui!
Thiago: De fato! Isso explica, ao menos em parte, o porquê do nosso país ter investido tanto na geração de energia elétrica a partir da energia hidráulica. Desde a década de 70, esta foi uma das medidas que o governo brasileiro tomou para reduzir a dependência de combustíveis fósseis na geração de energia elétrica. Durante esse período, houve um grande aumento no preço do barril de petróleo que motivou a busca por fontes alternativas através de incentivos do governo.
Fernanda: A mesma postura foi adotada por diversos países, sempre buscando fontes alternativas ao petróleo, de acordo com a disponibilidade de recursos naturais em seus territórios e também das suas respectivas realidades econômicas e tecnológicas.
Thiago Ribeiro: Dos anos 70 pra cá, nossa matriz vem se diversificando. O Brasil tem buscado ampliar o leque de fontes para a geração de eletricidade. Atualmente, nossa matriz também gera energia elétrica a partir de outros recursos. Além das hidrelétricas, em ordem de importância, temos as termelétricas, que produzem cerca de 20% do total gerado. Nelas a energia é produzida através da queima de combustíveis como biomassa, carvão e derivados de petróleo. Cerca de 10% da geração é obtida através dos ventos, energia que é captada nos parques eólicos. Por último, uma pequena fatia de 6% se divide entre energia solar, nuclear e outras fontes.
[Notícias sobre escassez hídrica]
Fernanda: Bom, se no passado a decisão de investir na energia hidráulica como alternativa ao petróleo trouxe vantagens como maior independência energética e o aproveitamento de um dos nossos recursos mais abundantes, hoje o cenário parece diferente. A essa altura, todo mundo já deve ter sentido no bolso o aumento da tarifa energética por conta da escassez de chuvas que vem afetando as regiões Sul e Sudeste do Brasil. De acordo com o último relatório anual da Empresa de Pesquisa Energética, essas são justamente as regiões que possuem a maior demanda por eletricidade. Mas como esses reajustes tarifários são determinados?
Alessandra Amaral: Uma característica do nosso preço de energia é que quando chove, o preço cai. Então, uma série de empresas como a minha, e empresas que fazem o que eu faço mas que também compram e vendem energia para esses consumidores… Através dessa gestão do consumidor é que a gente indica momentos para comprar energia: “Ah, choveu agora. Vamos comprar. Vamos fazer um contrato de três anos”. É como se fosse uma bolsa de valores de energia em que você faz um ‘Hedge’, que é um contrato de proteção futuro. Você garante um custo futuro ali para o consumidor.
Thiago Ribeiro: Essa é a Alessandra Amaral. Alessandra é Meteorologista formada pela USP e atua, há mais de 10 anos, no ramo da energia elétrica no Brasil, que inclui não apenas a produção ou geração de energia, mas também a sua compra e venda. A Alessandra também é co-criadora da empresa Solver Energia, que é focada, principalmente, na gestão de consumidores, mas também de usinas geradoras dentro do mercado de energia elétrica brasileiro.
Alessandra Amaral: Quando eu estava na minha graduação, tive o privilégio de cair no mercado de energia elétrica. Me apaixonei por esse mercado e eu caí nesse mercado porque, sem saber, Meteorologia tinha tudo a ver com setor de energia no Brasil. Justamente porque a gente tem uma matriz muito dependente de energias renováveis. E aí, a Meteorologia estuda a chuva, estuda o vento, estuda radiação, e tudo isso é fonte de energia hoje, aqui para o nosso país.
Thiago: Faz todo o sentido! Mas você poderia explicar melhor pra gente como esse mercado de energia funciona, Alessandra?
Alessandra: Bom, muita gente não sabe, mas no mercado, no Brasil, no setor brasileiro, você tem dois ambientes de contratação de energia. Você tem o ambiente regulado, que somos, por exemplo nós, residenciais, que são consumidores que a gente chama de ‘baixa tensão’ e consumidores de ‘alta tensão’, que são consumidores que exigem mais da rede de distribuição, que tem mais motores, mais cargas. Esses consumidores, dependendo do tamanho deles, eles podem ir para o mercado livre de energia e comprar a própria energia.
Fernanda: Esses grandes consumidores que a Alessandra citou são as empresas comerciais, industriais e de serviços com demanda superior a 500 kw de energia por mês, e que podem escolher por comprar no mercado livre de energia. Nesse mercado, empresas geradoras, comercializadoras e consumidores negociam a compra e a venda de energia elétrica.
Thiago: Além da previsibilidade dos custos, através dos contratos futuros de proteção do investimento, comentados pela Alessandra, outra vantagem desse mercado de energia livre é a possibilidade de escolha do seu fornecedor de energia elétrica. Nós, consumidores do mercado regulado, somos submetidos aos contratos de concessão de energia assinados pela ANEEL.
Fernanda: Nesses contratos, as empresas distribuidoras autorizadas atuam como intermediárias na comercialização de energia elétrica. Aqui no estado de São Paulo, por exemplo, o Grupo CPFL é uma dessas concessionárias. Mas tem, a ELEKTRO, a ENEL, a Energisa Sul-Sudeste, dentre outras. E é nesse mercado que a Alessandra atua, orientando o pequeno e o grande consumidor na compra e venda de energia e no seu uso mais eficiente.
Alessandra: Então, nesse mercado, a atuação de uma empresa como a minha, por exemplo, é olhar para todos os aspectos da conta de luz de um consumidor e mostrar pra ele onde está o ponto ótimo. Qual é o mínimo que ele consegue gastar com energia para produzir, para enfim, ter seu escritório, manter um conforto térmico. Enfim, de diversas formas.
Thiago: Além da Meteorologia, sua área de formação, quais outros profissionais são essenciais para compor uma equipe que presta esse tipo de serviço?
Alessandra: Olha, nesse setor é muito importante um engenheiro eletricista no time. É muito importante um economista. Porque o economista também, essas variações malucas de PIB, essas coisas e tudo mais, altera totalmente o que a gente vai consumir no futuro. Se a gente fica vivendo crise econômica atrás de crise econômica, o país não cresce tanto no consumo. Então, isso também afeta na precificação de energia.
Fernanda: Esse setor é muito dinâmico mesmo! Em 2014 a Companhia Paranaense de Energia [a COPEL] pediu à ANEEL um aumento de 32,4% na tarifa de energia. A COPEL é uma empresa estatal de economia mista responsável pela geração, transmissão e distribuição de energia elétrica para todo o estado do Paraná. Naquele ano, assim como nos últimos anos, o estado enfrentava um cenário de escassez hídrica e a empresa precisou apelar ao mercado livre de energia para atender a projeção de crescimento do consumo. Entretanto, o crescimento do setor industrial foi menor do que o esperado, baixando também o consumo de energia elétrica.
Thiago: Justo no momento em que a economia está fragilizada e os consumidores tentam reduzir gastos, inclusive buscando a diminuição na conta de luz, ocorre que as distribuidoras precisam aumentar o preço da energia para compensar a perda que teriam pela falta de consumo. A conta a ser paga sempre fica para o consumidor, para o cidadão comum.
Fernanda: Além da influência do próprio mercado financeiro e do consumo, a gente não pode deixar de considerar os efeitos das alterações climáticas. O que para o Brasil, que tem a água como principal fonte de geração de energia, é muito complicado.
Alessandra: É importante ter gente que saiba programar e fazer modelos, e desenvolver modelos, enfim, de previsões, próprios. Tudo isso é muito importante. Porque esse é um setor que se atualiza e que está tudo mudando muito rápido. Então, há cinco anos atrás, o auge era eólica. Há trinta anos o auge era a hidráulica. Agora é solar. Todo mundo só fala de solar. Já passamos por biogás, biomassa… Então, você sempre tem que estar entendendo de tecnologia nova, entendendo o efeito regulatório de uma mudança. Enfim, tudo, tudo que acontece no setor. Todo ano é uma novidade.
Thiago: Mas, Alessandra. Como que esses impulsos no setor elétrico ocorrem no Brasil? Quero dizer, de onde partem as iniciativas de investimento para a ampliação desta ou daquela fonte? Quem decide que o momento é propício para construir usinas hidrelétricas, solares, eólicas, ou implantar outro tipo de tecnologia?
Alessandra: A década de 2010 aqui no Brasil. 2010 aqui até 2020, a gente pode dizer que quem dominou, assim, o crescimento, quem cresceu com força, foi, principalmente, no começo da década, a eólica, né. E foi um mix, né, de evolução tecnológica no mundo como um todo e o Brasil, por ter uma característica meteorológica muito favorável no Nordeste, que é a questão dos ventos alísios, né. E esses são ventos bem constantes. Isso favorece a eólica. Então, você juntou um momento global em que todo mundo já estava com essa tecnologia pronta, com um país que tem uma baita oportunidade, trouxe muito investimento pra cá. E começaram as grandes empresas a fazer o movimento da eólica no Brasil. 13:03
Fernanda: Então a gente pode dizer que, no caso das eólicas, a iniciativa de expansão desse tipo de geração partiu da pressão de grandes empresas estrangeiras para entrar no mercado brasileiro? Como os governos da época negociaram com esse mercado?
Alessandra: Tiveram vários subsídios, assim como tem hoje para a solar, ao longo dos anos. Então, tudo isso favoreceu com que a eólica se expandisse drasticamente. Então, foi uma iniciativa, uma pressão da iniciativa privada, momento global também em relação a esse olhar pro meio ambiente, que é um assunto cada vez mais latente (e a gente já tinha o protocolo de Kyoto e o governo também fez políticas para incentivar isso. Como? Através dos leilões de energia.
[notícias sobre os últimos leilões]
Thiago: Leilões de energia? Pelo jeito vamos deixar essa questão ainda mais complexa, então vamos lá. A comercialização de energia elétrica no Brasil é regulada pela Agência Nacional de Energia Elétrica, a ANEEL. Ela estabelece as diretrizes para a liquidação das operações de compra e venda, controle dos contratos de comercialização de energia elétrica, garantias financeiras e a efetivação de registros de contratos.
Fernanda: Por aqui, a principal forma de contratar a energia elétrica e expandir a matriz, tem sido realizada através dos leilões de geração e de transmissão. É competência da ANEEL promover leilões públicos para que as distribuidoras possam comprar, de forma regulada e transparente, a energia que irão oferecer para seus clientes.
Thiago: Na prática, o leilão de geração funciona assim: O Ministério de Minas e Energia estabelece as condições nas quais o leilão deverá ser realizado. Por exemplo, a compra de energia elétrica para garantir a expansão do sistema ou um ajuste dos contratos já estabelecidos com as distribuidoras. Então, o Programa de Parcerias de Investimentos, o PPI – programa vinculado ao Ministério da Economia, articula para coordenar os esforços das instituições envolvidas, e a ANEEL apresenta a proposta do edital em uma consulta pública.
Fernanda: A Empresa de Pesquisa Energética, citada lá no início do episódio, analisa a proposta e habilita a realização dos projetos que, posteriormente, são publicados pela ANEEL, em conjunto com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. Os vencedores do leilão são homologados pela ANEEL e o Ministério de Minas de Energia outorga as concessões.
Thiago: Como o Brasil pode caminhar para se tornar menos dependente das térmicas, sobretudo em épocas como essas de estiagens mais severas? Qual o futuro do setor energético brasileiro diante das mudanças climáticas? Como isso afeta o nosso bolso?
Fernanda: Essas e outras questões serão discutidas em um próximo episódio. Nele, continuamos nosso papo com a Alessandra que vai nos explicar melhor a dinâmica atmosférica, gestão elétrica e sustentabilidade.
Thiago: Esse episódio foi escrito e apresentado por mim Thiago Ribeiro e por Fernanda Capuvilla. A revisão do roteiro foi feita pela coordenadora do Oxigênio, a Simone Pallone, do Labjor/Unicamp. Os trabalhos técnicos são do Gustavo Campos e do Octávio Augusto Fonseca, da rádio Unicamp. E a ilustração da capa é de Matheus ‘Vareja’[1] (@matheus_vareja).
Fernanda: Você também pode nos acompanhar nas redes sociais, estamos no Instagram e no Twitter, basta procurar por “Oxigênio Podcast”.
Thiago: Você pode deixar a sua opinião sobre este programa comentando na plataforma de streaming que utiliza. Obrigado por ouvir e até o próximo episódio!
5
11 ratings
Você sabe quais são os principais desafios do aumento inevitável do consumo de energia elétrica? O que é e como funciona o mercado de energia brasileiro? Qual a relação entre crescimento econômico, consumo de energia elétrica e custo energético?
Thiago Ribeiro: Dois mil e duzentos e cinquenta e quatro (2.254) quilowatt-hora (kWh). De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética, que presta serviços ao Ministério de Minas e Energia, esse foi o consumo médio de eletricidade por cada brasileiro em 2019. Desde o início do século, esse consumo cresceu cerca de 70%.
Fernanda Capuvilla: E aí eu pergunto: você sabe quais são os principais desafios do aumento inevitável do consumo de energia elétrica? O que é e como funciona o mercado de energia brasileiro? Qual a relação entre crescimento econômico, consumo de energia elétrica e custo energético?
Thiago: Olá! Meu nome é Thiago
Fernanda: E eu sou Fernanda e hoje, vamos juntos, clarear essas e outras questões sobre a matriz elétrica brasileira e ouvir um pouco sobre como funciona esse mercado.
[vinheta Oxigênio]
Thiago: Antes de tudo, é importante destacar que a matriz energética é a soma de toda a energia disponibilizada para ser transformada, distribuída e consumida nos processos produtivos. Em outras palavras, a matriz energética representa a quantidade de energia oferecida por um país ou por uma região. Essa energia pode ter origem em fontes renováveis como a biomassa, a lenha e a hidráulica, ou origem em fontes não renováveis como derivados de petróleo e gás natural.
Fernanda: Sobre esse assunto, deixamos um convite para você ouvir o episódio #85 OxiLab: Nexus – Energia, que fala sobre a crescente escassez desses recursos e a necessidade de buscar fontes alternativas e mais sustentáveis.
Thiago: Mas, voltando para o tema do episódio, a matriz elétrica representa uma parte da matriz energética de um país. É o conjunto de fontes energéticas destinadas à geração de energia elétrica. Por exemplo, no Brasil, cerca de 64% do total de energia elétrica gerada vem de usinas hidrelétricas. O restante vem, principalmente, de usinas termelétricas, eólicas e solares.
Fernanda: E não é para menos, o Brasil é o país que detém a maior reserva de água doce do planeta. Cerca de 12% de toda a água doce disponível está aqui!
Thiago: De fato! Isso explica, ao menos em parte, o porquê do nosso país ter investido tanto na geração de energia elétrica a partir da energia hidráulica. Desde a década de 70, esta foi uma das medidas que o governo brasileiro tomou para reduzir a dependência de combustíveis fósseis na geração de energia elétrica. Durante esse período, houve um grande aumento no preço do barril de petróleo que motivou a busca por fontes alternativas através de incentivos do governo.
Fernanda: A mesma postura foi adotada por diversos países, sempre buscando fontes alternativas ao petróleo, de acordo com a disponibilidade de recursos naturais em seus territórios e também das suas respectivas realidades econômicas e tecnológicas.
Thiago Ribeiro: Dos anos 70 pra cá, nossa matriz vem se diversificando. O Brasil tem buscado ampliar o leque de fontes para a geração de eletricidade. Atualmente, nossa matriz também gera energia elétrica a partir de outros recursos. Além das hidrelétricas, em ordem de importância, temos as termelétricas, que produzem cerca de 20% do total gerado. Nelas a energia é produzida através da queima de combustíveis como biomassa, carvão e derivados de petróleo. Cerca de 10% da geração é obtida através dos ventos, energia que é captada nos parques eólicos. Por último, uma pequena fatia de 6% se divide entre energia solar, nuclear e outras fontes.
[Notícias sobre escassez hídrica]
Fernanda: Bom, se no passado a decisão de investir na energia hidráulica como alternativa ao petróleo trouxe vantagens como maior independência energética e o aproveitamento de um dos nossos recursos mais abundantes, hoje o cenário parece diferente. A essa altura, todo mundo já deve ter sentido no bolso o aumento da tarifa energética por conta da escassez de chuvas que vem afetando as regiões Sul e Sudeste do Brasil. De acordo com o último relatório anual da Empresa de Pesquisa Energética, essas são justamente as regiões que possuem a maior demanda por eletricidade. Mas como esses reajustes tarifários são determinados?
Alessandra Amaral: Uma característica do nosso preço de energia é que quando chove, o preço cai. Então, uma série de empresas como a minha, e empresas que fazem o que eu faço mas que também compram e vendem energia para esses consumidores… Através dessa gestão do consumidor é que a gente indica momentos para comprar energia: “Ah, choveu agora. Vamos comprar. Vamos fazer um contrato de três anos”. É como se fosse uma bolsa de valores de energia em que você faz um ‘Hedge’, que é um contrato de proteção futuro. Você garante um custo futuro ali para o consumidor.
Thiago Ribeiro: Essa é a Alessandra Amaral. Alessandra é Meteorologista formada pela USP e atua, há mais de 10 anos, no ramo da energia elétrica no Brasil, que inclui não apenas a produção ou geração de energia, mas também a sua compra e venda. A Alessandra também é co-criadora da empresa Solver Energia, que é focada, principalmente, na gestão de consumidores, mas também de usinas geradoras dentro do mercado de energia elétrica brasileiro.
Alessandra Amaral: Quando eu estava na minha graduação, tive o privilégio de cair no mercado de energia elétrica. Me apaixonei por esse mercado e eu caí nesse mercado porque, sem saber, Meteorologia tinha tudo a ver com setor de energia no Brasil. Justamente porque a gente tem uma matriz muito dependente de energias renováveis. E aí, a Meteorologia estuda a chuva, estuda o vento, estuda radiação, e tudo isso é fonte de energia hoje, aqui para o nosso país.
Thiago: Faz todo o sentido! Mas você poderia explicar melhor pra gente como esse mercado de energia funciona, Alessandra?
Alessandra: Bom, muita gente não sabe, mas no mercado, no Brasil, no setor brasileiro, você tem dois ambientes de contratação de energia. Você tem o ambiente regulado, que somos, por exemplo nós, residenciais, que são consumidores que a gente chama de ‘baixa tensão’ e consumidores de ‘alta tensão’, que são consumidores que exigem mais da rede de distribuição, que tem mais motores, mais cargas. Esses consumidores, dependendo do tamanho deles, eles podem ir para o mercado livre de energia e comprar a própria energia.
Fernanda: Esses grandes consumidores que a Alessandra citou são as empresas comerciais, industriais e de serviços com demanda superior a 500 kw de energia por mês, e que podem escolher por comprar no mercado livre de energia. Nesse mercado, empresas geradoras, comercializadoras e consumidores negociam a compra e a venda de energia elétrica.
Thiago: Além da previsibilidade dos custos, através dos contratos futuros de proteção do investimento, comentados pela Alessandra, outra vantagem desse mercado de energia livre é a possibilidade de escolha do seu fornecedor de energia elétrica. Nós, consumidores do mercado regulado, somos submetidos aos contratos de concessão de energia assinados pela ANEEL.
Fernanda: Nesses contratos, as empresas distribuidoras autorizadas atuam como intermediárias na comercialização de energia elétrica. Aqui no estado de São Paulo, por exemplo, o Grupo CPFL é uma dessas concessionárias. Mas tem, a ELEKTRO, a ENEL, a Energisa Sul-Sudeste, dentre outras. E é nesse mercado que a Alessandra atua, orientando o pequeno e o grande consumidor na compra e venda de energia e no seu uso mais eficiente.
Alessandra: Então, nesse mercado, a atuação de uma empresa como a minha, por exemplo, é olhar para todos os aspectos da conta de luz de um consumidor e mostrar pra ele onde está o ponto ótimo. Qual é o mínimo que ele consegue gastar com energia para produzir, para enfim, ter seu escritório, manter um conforto térmico. Enfim, de diversas formas.
Thiago: Além da Meteorologia, sua área de formação, quais outros profissionais são essenciais para compor uma equipe que presta esse tipo de serviço?
Alessandra: Olha, nesse setor é muito importante um engenheiro eletricista no time. É muito importante um economista. Porque o economista também, essas variações malucas de PIB, essas coisas e tudo mais, altera totalmente o que a gente vai consumir no futuro. Se a gente fica vivendo crise econômica atrás de crise econômica, o país não cresce tanto no consumo. Então, isso também afeta na precificação de energia.
Fernanda: Esse setor é muito dinâmico mesmo! Em 2014 a Companhia Paranaense de Energia [a COPEL] pediu à ANEEL um aumento de 32,4% na tarifa de energia. A COPEL é uma empresa estatal de economia mista responsável pela geração, transmissão e distribuição de energia elétrica para todo o estado do Paraná. Naquele ano, assim como nos últimos anos, o estado enfrentava um cenário de escassez hídrica e a empresa precisou apelar ao mercado livre de energia para atender a projeção de crescimento do consumo. Entretanto, o crescimento do setor industrial foi menor do que o esperado, baixando também o consumo de energia elétrica.
Thiago: Justo no momento em que a economia está fragilizada e os consumidores tentam reduzir gastos, inclusive buscando a diminuição na conta de luz, ocorre que as distribuidoras precisam aumentar o preço da energia para compensar a perda que teriam pela falta de consumo. A conta a ser paga sempre fica para o consumidor, para o cidadão comum.
Fernanda: Além da influência do próprio mercado financeiro e do consumo, a gente não pode deixar de considerar os efeitos das alterações climáticas. O que para o Brasil, que tem a água como principal fonte de geração de energia, é muito complicado.
Alessandra: É importante ter gente que saiba programar e fazer modelos, e desenvolver modelos, enfim, de previsões, próprios. Tudo isso é muito importante. Porque esse é um setor que se atualiza e que está tudo mudando muito rápido. Então, há cinco anos atrás, o auge era eólica. Há trinta anos o auge era a hidráulica. Agora é solar. Todo mundo só fala de solar. Já passamos por biogás, biomassa… Então, você sempre tem que estar entendendo de tecnologia nova, entendendo o efeito regulatório de uma mudança. Enfim, tudo, tudo que acontece no setor. Todo ano é uma novidade.
Thiago: Mas, Alessandra. Como que esses impulsos no setor elétrico ocorrem no Brasil? Quero dizer, de onde partem as iniciativas de investimento para a ampliação desta ou daquela fonte? Quem decide que o momento é propício para construir usinas hidrelétricas, solares, eólicas, ou implantar outro tipo de tecnologia?
Alessandra: A década de 2010 aqui no Brasil. 2010 aqui até 2020, a gente pode dizer que quem dominou, assim, o crescimento, quem cresceu com força, foi, principalmente, no começo da década, a eólica, né. E foi um mix, né, de evolução tecnológica no mundo como um todo e o Brasil, por ter uma característica meteorológica muito favorável no Nordeste, que é a questão dos ventos alísios, né. E esses são ventos bem constantes. Isso favorece a eólica. Então, você juntou um momento global em que todo mundo já estava com essa tecnologia pronta, com um país que tem uma baita oportunidade, trouxe muito investimento pra cá. E começaram as grandes empresas a fazer o movimento da eólica no Brasil. 13:03
Fernanda: Então a gente pode dizer que, no caso das eólicas, a iniciativa de expansão desse tipo de geração partiu da pressão de grandes empresas estrangeiras para entrar no mercado brasileiro? Como os governos da época negociaram com esse mercado?
Alessandra: Tiveram vários subsídios, assim como tem hoje para a solar, ao longo dos anos. Então, tudo isso favoreceu com que a eólica se expandisse drasticamente. Então, foi uma iniciativa, uma pressão da iniciativa privada, momento global também em relação a esse olhar pro meio ambiente, que é um assunto cada vez mais latente (e a gente já tinha o protocolo de Kyoto e o governo também fez políticas para incentivar isso. Como? Através dos leilões de energia.
[notícias sobre os últimos leilões]
Thiago: Leilões de energia? Pelo jeito vamos deixar essa questão ainda mais complexa, então vamos lá. A comercialização de energia elétrica no Brasil é regulada pela Agência Nacional de Energia Elétrica, a ANEEL. Ela estabelece as diretrizes para a liquidação das operações de compra e venda, controle dos contratos de comercialização de energia elétrica, garantias financeiras e a efetivação de registros de contratos.
Fernanda: Por aqui, a principal forma de contratar a energia elétrica e expandir a matriz, tem sido realizada através dos leilões de geração e de transmissão. É competência da ANEEL promover leilões públicos para que as distribuidoras possam comprar, de forma regulada e transparente, a energia que irão oferecer para seus clientes.
Thiago: Na prática, o leilão de geração funciona assim: O Ministério de Minas e Energia estabelece as condições nas quais o leilão deverá ser realizado. Por exemplo, a compra de energia elétrica para garantir a expansão do sistema ou um ajuste dos contratos já estabelecidos com as distribuidoras. Então, o Programa de Parcerias de Investimentos, o PPI – programa vinculado ao Ministério da Economia, articula para coordenar os esforços das instituições envolvidas, e a ANEEL apresenta a proposta do edital em uma consulta pública.
Fernanda: A Empresa de Pesquisa Energética, citada lá no início do episódio, analisa a proposta e habilita a realização dos projetos que, posteriormente, são publicados pela ANEEL, em conjunto com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. Os vencedores do leilão são homologados pela ANEEL e o Ministério de Minas de Energia outorga as concessões.
Thiago: Como o Brasil pode caminhar para se tornar menos dependente das térmicas, sobretudo em épocas como essas de estiagens mais severas? Qual o futuro do setor energético brasileiro diante das mudanças climáticas? Como isso afeta o nosso bolso?
Fernanda: Essas e outras questões serão discutidas em um próximo episódio. Nele, continuamos nosso papo com a Alessandra que vai nos explicar melhor a dinâmica atmosférica, gestão elétrica e sustentabilidade.
Thiago: Esse episódio foi escrito e apresentado por mim Thiago Ribeiro e por Fernanda Capuvilla. A revisão do roteiro foi feita pela coordenadora do Oxigênio, a Simone Pallone, do Labjor/Unicamp. Os trabalhos técnicos são do Gustavo Campos e do Octávio Augusto Fonseca, da rádio Unicamp. E a ilustração da capa é de Matheus ‘Vareja’[1] (@matheus_vareja).
Fernanda: Você também pode nos acompanhar nas redes sociais, estamos no Instagram e no Twitter, basta procurar por “Oxigênio Podcast”.
Thiago: Você pode deixar a sua opinião sobre este programa comentando na plataforma de streaming que utiliza. Obrigado por ouvir e até o próximo episódio!
106 Listeners
304 Listeners
210 Listeners
69 Listeners
34 Listeners
28 Listeners
14 Listeners
156 Listeners
213 Listeners
57 Listeners
27 Listeners
14 Listeners
21 Listeners
21 Listeners
6 Listeners