Em “vinho e vinagre”, o primeiro episódio da Série Corpo, duas professoras da Faculdade de Educação Física da Unicamp contam tudo sobre envelhecimento e exercício. E um professor que estuda a história da velhice explica que ser velho pode ter mais de um significado. A série Corpo faz parte do projeto “Histórias para pensar o corpo na ciência”, que é financiado pela FAPESP (2019/18823-0) e coordenado pelo professor Bruno Rodrigues (FEF/Unicamp).
Lourdes: Ah, mas eu adoro!
Amiga: É, não, a gente vai pra dançar, a gente não vai pra arrumar namorado, não é pra nada disso. A gente vai pra dançar, se divertir.
Samuel: Onde que a gente tá indo?
Amiga: No Clube Aurélia.
Lourdes: Então, deixa eu pensar no caminho que eu tenho que fazer...
Samuel: Essa última voz que você ouviu é da minha mãe, que tá dirigindo o carro. A outra é da amiga dela. Faz alguns anos que elas se conhecem e tão sempre andando juntas, porque as duas têm uma paixão em comum: elas adoram dançar. E nesse dia, a gente foi pro baile.
Samuel: Eu sou o Samuel Ribeiro, e este é o Corpo, um podcast pra falar de pessoas e de movimento. Nesse primeiro episódio, vamos falar de como a vida fica quando o tempo passa. E a gente começa com a minha mãe...
Lourdes: Meu nome é Lourdes...
Samuel: ...que tem 67 anos...
Lourdes: ...eu sou uma dona de casa ativa ainda, com essa idade. Eu cuido da casa toda, de uma família toda, de neto, de filha. Faço compras, lavo, passo, cozinho. E gosto de dançar.
Lourdes: Quer ver? [quatro, cinco, seis, sete, oito...] Eu comecei a dançar... acho que 2010... dois mil e... pera aí [quatro, cinco, seis, sete, oito, nove...] 2009, depois que... depois de 5 anos que eu fiquei viúva eu comecei a ir no baile, com a minha irmã.
Samuel: O meu pai não saía pra dançar com a minha mãe, e ela, que era costureira, passava quase o dia inteiro trabalhando. Depois que ele morreu, essa irmã dela, que é minha tia Sueli, chegava na porta da oficina de costura e dizia assim:
Lourdes: "Mas larga isso daí, vamo no baile!". Até que um dia eu fui, era aniversário dela e ela disse "você vai".
Samuel: A minha mãe foi, e nunca mais parou de ir. Já são mais de 10 anos que ela dança quase toda semana. E dança muito bem.
Lourdes: Eu tenho assim uma dorzinha no joelho, mas quando eu vou dançar, eu fico boa! É falta de ir no baile! Juro! Porque cê fica o dia inteiro de pé aqui dentro, mas é diferente.
Samuel:Por que que é diferente?
Lourdes: Porque você anda pra lá, anda pra cá, mas cê não tá... dançando... dançando você... é diferente, não sei explicar.
Lourdes: Eu sei que quando eu vou ao baile, eu volto... quando eu tô no baile eu me sinto assim, como se eu tivesse 20, 30 anos... eu não tenho filho, eu não tenho casa, eu não tenho ninguém. Lá aquela música incorpora na gente, o pé acompanha o pé do parceiro, é uma delícia! Eu não lembro de nada, nada, nada! Se eu tiver algum problema, lá eu esqueço de tudo.
Samuel: A dona Lourdes é uma senhora com muita energia, e lá no baile tava cheio de gente que nem ela. Gente na casa dos 60, 70 e até mesmo 80, dançando, se divertindo, paquerando. Eu olhava praquele movimento todo durante as músicas e, pra ser sincero, depois de um tempo nem dava mais pra notar quem era velho e quem não era.
Samuel: Eu sou da Educação Física, então pra mim isso não é nenhuma novidade. A gente vê idosos correndo, levantando peso, fazendo ginástica, jogando bola, lutando... é a coisa mais normal do mundo. E até a minha mãe, que por enquanto só dança, falou esses dias que tá querendo fazer musculação porque ela acha que tá flácida.
Samuel: Aquela imagem dos livros infantis, da vovozinha sentada na cadeira de balanço, não dá mais conta de retratar os idosos de hoje. Mas mesmo assim, a gente sabe que envelhecer continua sendo uma coisa complicada. Pra entender melhor isso eu fui conversar com quem entende de enve...